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Lugar de samba é dentro da escola

Com músicas de Cartola, a meninada ampliou seu repertório e entendeu que todos podem tocar um instrumento

POR:
Paula Nadal, NOVA ESCOLA
A turma do professor Alessandro de Oliveira Branco aprendeu a tocar instrumentos como violão, cavaquinho e percussão com base nas músicas de Cartola. Foto: Marco Monteiro Lugar de samba é na escola A turma do professor Alessandro de Oliveira Branco aprendeu a tocar instrumentos como violão, cavaquinho e percussão com base nas músicas de Cartola. Para familiarizar os alunos com o repertório de Cartola, Alessandro propôs que a turma analisasse a letra da música 'As rosas não falam', um dos clássicos do sambista carioca Análise da letra de 'As rosas não falam' Para familiarizar os alunos com o repertório de Cartola, Alessandro propôs que a turma analisasse a letra da música 'As rosas não falam', um dos clássicos do sambista carioca. Antes de aprender as músicas, os alunos de Alessandro leram biografias e livros sobre o sambista, que contam sua trajetória musical e explicam o sucesso tardio de Cartola, reconhecido depois dos 60 anos de idade. Foto: Marco Monteiro Pesquisa sobre a vida e a obra de Cartola
Antes de aprender as músicas, os alunos de Alessandro leram biografias e livros sobre o sambista.
Simultaneamente à análise da letra das músicas de Cartola e à pesquisa sobre o artista, os alunos foram apresentados às músicas. Alessandro levou alguns discos do sambista e os estudantes puderam escolher quais músicas queriam aprender a tocar. Isso, claro, com base em uma pré-seleção feita pelo professor. Foto: Marco Monteiro Apreciação musical Simultaneamente à análise da letra das músicas de Cartola e à pesquisa sobre o artista, os alunos foram apresentados às músicas. Alessandro levou alguns discos do sambista e os estudantes puderam escolher quais músicas queriam aprender a tocar. Isso, claro, com base em uma pré-seleção feita pelo professor. Nas duas aulas semanais que Alessandro tinha com cada uma das turmas da escola, ele propôs aos alunos que experimentassem diferentes instrumentos. Passadas algumas aulas, cada aluno escolheu seu instrumento de estudo. O Rafael, na foto, escolheu o cavaquinho e aprendeu a ler a música no sistema de tablatura. Foto: Marco Monteiro Experimentação de instrumentos musicais Nas duas aulas semanais que Alessandro tinha com cada uma das turmas da escola, ele propôs aos alunos que experimentassem diferentes instrumentos. Passadas algumas aulas, cada aluno escolheu seu instrumento de estudo. O Rafael, na foto, escolheu o cavaquinho e aprendeu a ler a música no sistema de tablatura. O professor Alessandro dividiu as música-aulas, como chama os encontros com os alunos, em dois momentos: de estudo individual e coletivo dos instrumentos. Aos poucos, cada estudante aprendeu a ler a notação musical mais adequada. No caso do violão, acima, é o sistema de cifras. Foto: Marco Monteiro Momentos de estudo e leitura da notação musical O professor Alessandro dividiu as música-aulas, como chama os encontros com os alunos, em dois momentos: de estudo individual e coletivo dos instrumentos. Aos poucos, cada estudante aprendeu a ler a notação musical mais adequada. No caso do violão, acima, é o sistema de cifras. À medida que os alunos iam estudando as músicas de Cartola no pátio da escola, Alessandro passava por todos, tocava junto, tirava dúvidas e orientava os estudantes na prática. Foto: Marco Monteiro Orientação do professor À medida que os alunos iam estudando as músicas de Cartola no pátio da escola, Alessandro passava por todos, tocava junto, tirava dúvidas e orientava os estudantes na prática. Quando Alessandro considerava que os alunos já tinham condições de tocar as músicas com autonomia, reunia a turma em grupos para que praticassem em conjunto. Os ensaios serviram como base para uma apresentação das músicas de Cartola para a comunidade. Foto: Marco Monteiro Música em grupo Quando Alessandro considerava que os alunos já tinham condições de tocar as músicas com autonomia, reunia a turma em grupos para que praticassem em conjunto. Os ensaios serviram como base para uma apresentação das músicas de Cartola para a comunidade. Para fechar o projeto e ampliar o repertório da comunidade escolar, a turma de Alessandro organizou uma série de apresentações. Os alunos tocaram três músicas de Cartola - 'As rosas não falam', 'O Sol nascerá' e 'Corra e olhe o céu'. Foto: Marco Monteiro Apresentação para a comunidade escolar Para fechar o projeto e ampliar o repertório da comunidade escolar, a turma de Alessandro organizou uma série de apresentações. Os alunos tocaram três músicas de Cartola - 'As rosas não falam', 'O Sol nascerá' e 'Corra e olhe o céu'.

Os alunos de Alessandro de Oliveira Branco tocam samba com a segurança de profissionais. Quem assiste a uma aula ou apresentação da turma na EM José Carlos Pimenta, no vilarejo de Vila Rica, distrito na zona rural de Goiânia, mal acredita que, há pouco mais de um ano, esses mesmos estudantes não se consideravam capazes de coordenar ritmicamente um instrumento musical. "O que mais chama a atenção nesse trabalho é o fato de o educador ter ampliado o repertório da moçada e sua capacidade de ação em relação à Arte. Eles não aumentaram apenas a lista de músicas que conhecem. Também aprenderam a tocar e analisar criticamente o que escutam", explica Marisa Szpigel, coordenadora de Arte da Escola da Vila, em São Paulo.

Para ensinar as noções de ritmo, harmonia e melodia (entenda cada um desses conceitos no quadro da página seguinte), fazer com que os alunos lessem a notação musical e aprendessem a técnica de cada instrumento, Branco, que é formado em Educação Musical Escolar pela Universidade Federal de Goiás (UFG), decidiu trabalhar os sambas do compositor Angenor de Oliveira, o Cartola (1908-1980). O projeto durou um ano, com dois encontros semanais para cada uma das turmas realizados no contraturno e chamados pelo docente de músicas-aula.

Ensaios e apresentações das crianças são semelhantes aos de uma orquestra convencional: elas ficam posicionadas em uma meia-lua, com os instrumentos de corda (violões e cavaquinhos) na frente e os de percussão (timbas, zabumbas, triângulos, pandeiros, chocalhos, afoxés e bongôs) no fundo. Branco conduz o grupo, como um maestro.

O professor começou a dar aulas de Música na escola em 2008 para 80 alunos, com idades entre 6 e 14 anos. Na época, ele trazia os instrumentos que tinha em casa, mas eles não eram suficientes para todas as turmas. Os equipamentos oficiais chegaram um ano depois graças ao Mais Educação, programa do governo federal que destina verba às escolas que desejam ampliar suas atividades em diferentes eixos, como cultura e Arte, sempre na perspectiva do ensino de tempo integral. "Nós percebemos que o trabalho realizado pelo professor Branco era muito sério e decidimos pedir os recursos para adquirir instrumentos de qualidade e que fossem suficientes para todos os participantes das aulas", conta Marta Maria da Silva, diretora da escola em 2009.

Curti

Ian de Aguiar Rodrigues, 10 anos. Foto: Marco Monteiro

"O Cartola é diferente! As letras são bonitas e a música também. Aprendi a tocar violão e a dançar o samba."

Ian de Aguiar Rodrigues, 10 anos

O passo a passo do projeto

Em um ano, a turma aprendeu a tocar e passou a se apresentar para a comunidade, que também pôde conhecer novas músicas. Foto: Marco Monteiro
Branco e orquestra Em um ano, a turma aprendeu a tocar e passou a se apresentar para a comunidade, que também pôde conhecer novas músicas

O investimento deu certo. A seguir, confira os passos do projeto realizado pelo docente.

- Análise da letra de um samba Na primeira etapa do trabalho, o professor levou para as turmas cópias da letra de As Rosas Não Falam, canção gravada em 1976, no segundo disco do compositor. Nessa atividade, Branco fez com que os estudantes refletissem sobre o lirismo do sambista e sobre a qualidade da arte produzida no Brasil. Nas aulas, eles também aprenderam a história da composição. "A dona Zica (pseudônimo de Euzébia Silva de Oliveira), esposa do Cartola, abriu a janela e falou: ‘Olha, Cartola, como as rosas cresceram!’, e ele respondeu: ‘Eu não sei, as rosas não falam’. E aí criou a música", explica a aluna Brenda de Oliveira, 10 anos. Marisa considera que a análise da letra e a reflexão sobre a poesia que existe nela é bastante interessante. "Isso propicia outra relação com a obra, bem diferente da que se tem ao ouvir uma canção no rádio ou na abertura de uma novela, por exemplo."

- Apreciação musical Para ampliar o repertório da turma e criar condições para que todos conhecessem os instrumentos típicos dos grupos de samba e choro, o professor apresentou músicas de outros compositores brasileiros, como Pixinguinha (1897-1973) e Ary Barroso (1903-1964). Ele também levou dois discos de Cartola e exibiu trechos do programa Ensaio, da TV Cultura, gravado com o compositor em 1974. "Queria que o projeto mostrasse outras referências, diferentes daquelas que eles já conheciam ou estavam habituados a ouvir. E o Cartola é um compositor completo, nas melodias e nas letras."

- Pesquisa sobre a vida e a obra de Cartola Paralelamente à audição, a turma fez a leitura compartilhada de duas biografias sobre o músico. Os alunos também investigaram a relação do compositor carioca com dona Zica e seu envolvimento com a escola de samba Mangueira - que ele ajudou a fundar - e viram caricaturas e fotos antigas do sambista. Embora tenha escrito cerca de 600 músicas, Cartola foi reconhecido tardiamente e só gravou seu primeiro disco aos 66 anos, em 1974. Sua vida foi conturbada e ele passou alguns períodos em completo ostracismo por causa de doenças e outros problemas pessoais. Muitas de suas obras também ficaram restritas aos guardanapos que encontrava nos momentos de inspiração. Como resultado, pouco mais de 140 composições foram registradas. Apresentar aos estudantes o contexto em que o compositor produz é determinante para que compreendam sua obra e se sensibilizem para ouvir e interpretar suas canções.

- Experimentação Depois de estudar a trajetória de Cartola, chegou o momento de desenvolver a prática musical. Para isso, Branco escolheu três músicas do compositor que os alunos teriam condições de tocar: As Rosas Não Falam, O Sol Nascerá e Corra e Olhe o Céu. Ele organizou, então, momentos de experimentação. Colocou os instrumentos no pátio da escola - onde as aulas acontecem - e deixou que as crianças mexessem neles até que escolhessem um.

- Leitura das partituras e prática instrumental Nas primeiras aulas práticas, ele propôs que a turma executasse quatro sequências rítmicas para que todos ganhassem noções de percussão, o que serve como base para a marcação do ritmo. Depois, o professor apresentou a notação musical mais utilizada para cada instrumento - a tablatura para o cavaquinho, as cifras para o violão e as marcações rítmicas para a percussão. Além de ensinar a leitura de partituras, Branco dividiu as músicas-aula em dois momentos: de prática individual (com a percussão reunida de um lado do pátio e as cordas do outro) e em grupo. Ele passava entre os alunos, orientando cada um, tocava junto com eles e, quando percebia que haviam ganhado confiança, os reunia em grupos e conduzia o conjunto. Em pouco mais de dois meses, a turma conseguiu tocar as primeiras melodias coletivamente e passou a se preparar para a etapa final.

- Apresentação Para ampliar o repertório de toda a comunidade e valorizar as aprendizagens da garotada, o docente organizou uma apresentação na escola. Pais e funcionários foram convidados. A professora de Dança, Lucia Maria da Silva, participou dessa última etapa, montando coreografias com os estudantes e ensinando a eles os passos básicos do samba. Segundo Marisa, a dança é outra forma de experimentar a música e, por isso, a atividade realizada por Lucia foi complementar ao restante do trabalho.

O educador avaliou cada uma das etapas do projeto observando a participação dos estudantes, a pesquisa que fizeram sobre a vida e a obra de Cartola e, principalmente, a prática instrumental. Marisa ressalta que a garotada mergulhou na poética do artista, apreciou suas canções e participou de momentos dedicados a parar para ouvir e compreender as letras, até conseguir experimentar sua música. "O contato e a aproximação com esse universo se deram pela própria experiência de fazer música, cantar, tocar e ouvir. É possível notar que todos aprenderam e demonstram prazer nisso", resume.

Hoje, crianças e adolescentes do 1º ao 9º ano dominam a leitura musical e a técnica de vários instrumentos. As apresentações também foram realizadas fora da escola, no teatro e em outros espaços públicos de Goiânia e Nerópolis, cidade a 24 quilômetros da capital, onde boa parte das famílias dos alunos vive ou trabalha. "Ao final do processo, eles se reconheceram como dotados de potencialidades que antes desconheciam. A música realmente tem o poder de transformar", comemora o professor.

Ritmo Tem relação com a duração do som e sua ênfase (sons fracos e fortes) e determina a pulsação rítmica.

Melodia Base da composição, é formada por uma série de notas musicais e silêncio, dispostos em sucessão.

Harmonia Encadeamento da combinação simultânea de três ou mais notas, que, juntas, produzem acordes.

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