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Por que o Dia da Consciência Negra não é comemorado em 13 de maio?

20 de novembro remete ao aniversário da morte de Zumbi dos Palmares e ao esforço coletivo de luta contra a escravidão

POR:
NOVA ESCOLA, Rachel Bonino

Em 13 de maio de 1888, a princesa Isabel (1846-1921) assinou a Lei Áurea, que aboliu a escravidão no Brasil. Apesar de ser um marco importante para a história do país, a data não é considerada um símbolo da luta dos negros por sua liberdade. A preferência é por 20 de novembro, aniversário da morte de Zumbi dos Palmares (1655-1695). A data é feriado em muitos estados e municípios brasileiros, chamado Dia da Consciência Negra.

Assista ao vídeo e entenda por que 13 de Maio não foi adotado como o Dia da Consciência Negra:

5 perguntas e respostas sobre o Dia da Consciência Negra e Zumbi dos Palmares

Como era a vida em Palmares? E por quanto tempo o quilombo existiu?

Palmares foi o quilombo mais emblemático da história da América, tanto por sua longa duração como pela magnitude. “Foi um quilombo que resistiu por mais de 100 anos e ocupou um extenso espaço, avançando do sul de Pernambuco ao sul de Alagoas em sua fase mais populosa”, explica Danilo Luiz Marques, professor de História e coordenador do Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas da Universidade Federal de Alagoas (Ufal).

Pelos registros históricos, os primeiros habitantes de Palmares se agruparam após uma revolta escrava do início da década de 1590. Quase um século depois, Palmares  atingiu o seu auge sob as lideranças de Ganga Zumba (1630-1678) e, posteriormente, de Zumbi dos Palmares. 

Marques alerta que os historiadores ainda pouco sabem sobre o cotidiano ou a rotina em comunidade de quilombos. “Muito do que se conhece sobre Palmares, na verdade, é apenas sobre a Guerra de Palmares (no século 17), com base em documentos daqueles que queriam destruí-lo. Mas já existem reflexões avançadas na historiografia que entendem Palmares como um centro africano reinventado na diáspora, com forte presença de povos bantos, originários da África Central”, diz o professor da Ufal. Essa característica também explica a forte presença do samba, maracatu, jongo e coco de roda nessa região até hoje, manifestações provenientes daquela localização africana.

O que se sabe sobre a vida de Zumbi dos Palmares?

O primeiro livro a traçar a história da vida mais conhecida de Zumbi é Palmares: a Guerra dos Escravos (1973), do historiador Décio Freitas (1922-2004). Nele, consta que Zumbi teria o nome Francisco e fora criado por um padre na cidade de Porto Calvo, no norte alagoano. Ao saber da existência do Quilombo de Palmares, juntou-se ao grupo. Sobre sua morte, há versões oficiais de que Zumbi teria sido morto e decapitado. As versões populares, da cultura oral, contam que ele sobreviveu, ficou escondido e conseguiu resistir. “Outra versão, menos veiculada hoje em dia, diz que Zumbi teria se suicidado com a chegada dos bandeirantes”, conta Marques.

Muitos estudos atuais têm revisitado o que se sabe sobre Zumbi, como o livro De olho em Zumbi dos Palmares (2011), do historiador Flávio dos Santos Gomes, e Guerra contra Palmares: O manuscrito de 1678 (2022), de Silvia Hunold Lara e Phablo Roberto Marchis Fachin. Neles, os autores buscam remontar e rebater muito do que se atribuiu à figura dessa liderança negra, reunindo mais registros históricos e assentando o que foi contado apenas de forma oral ao longo dos séculos. 

Muitos tentam contestar a importância de Zumbi afirmando que ele mantinha pessoas escravizadas. Isso ocorreu, de fato?

“Não há um conjunto documental que ateste que Zumbi possuía pessoas escravizadas”, afirma Danilo Marques. “Existe uma referência a uma possível escravização em Palmares em um período de guerra. Mas não foram analisadas fontes em larga escala para atestar que Zumbi mantinha escravos. Então, esse argumento tem como objetivo apenas negar que ele e outras lideranças de Palmares são representações de uma grande luta pela liberdade e de uma sociedade alternativa à escravidão”, afirma.

Para o professor, a questão veio à tona nos últimos anos para servir de argumento para quem quer atacar o passado da população afro-brasileira. “Inclusive já ouvi pessoas dizendo que Zumbi já escravizava pessoas na África, sendo que ele não nasceu na África, nasceu no Brasil e não há registros de que tenha ido ao continente africano”, diz.

Qual o legado de Palmares para a luta dos negros e como isso se reflete na comemoração do Dia da Consciência Negra?

Danilo Marques explica que Palmares representa o exemplo máximo de luta contra o colonialismo ibérico e é o berço de uma nacionalidade brasileira que ainda está por se constituir, como disse certa vez a intelectual Lélia Gonzalez (1935-1994). “É Palmares que impulsiona as lutas atuais. Seu legado está presente nas formações do movimento negro brasileiro”, analisa o professor da Ufal.

É justamente pela herança da luta deixada por Palmares e por Zumbi que o Dia da Consciência Negra foi escolhido como mais relevante que o 13 de maio. A data do primeiro semestre forçava a imagem de que a abolição foi uma dádiva da Princesa Isabel. Já 20 de Novembro afirma o Dia da Consciência Negra, justamente porque remete ao aniversário da morte de Zumbi. “É um esforço coletivo de luta contra a escravidão e que tem esse legado como força motora das lutas atuais antirracistas”, avalia Marques.

Apesar de 13 de Maio focar na atuação da Princesa Isabel com a assinatura da Lei Áurea, há figuras negras importante que lutaram pela abolição?

A história oficial reforça nomes de lideranças brancas na luta abolicionista. Marques fala que lembramos de Joaquim Nabuco (1849-1910) e da própria princesa Isabel, mas apaga-se nomes de abolicionistas negros como Maria Firmino dos Reis (1822-1917), Luiz Gama (1830-1882), André Rebouças (1838-1898) e Zé do Patrocínio (1853-1905). “Eles  tiveram um trabalho importantíssimo na luta contra a escravidão no movimento abolicionista”, diz.

Para Marques, 13 de Maio silenciou também a história de quilombos, revoltas escravas e fugas individuais e coletivas. Todos esses movimentos impulsionaram a luta contra a escravidão e o fim do regime escravista no Brasil. “Muitas vezes não nos damos conta desse silenciamento”, explica.

*Conteúdo publicado originalmente em 30/07/2017 e atualizado em 15/11/2023 para acréscimo de informações após entrevista com Danilo Luiz Marques

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