Ouvir professores, pais e até alunos foi fundamental para a Finlândia ter sucesso com sua nova base
Marjo Kyllönen, Secretária de Educação Básica de Helsinque, conta como foram as discussões da base curricular no país que se tornou referência mundial na Educação
POR: Maggi Krause“A escola já entrou na fase 3.0, pois a 2.0 ficou para trás.” É assim que Marjo Kyllönen, Secretária de Educação Básica de Helsinque, descreve o atual momento da Educação da Finlândia. O país virou referência na área, com a menor lacuna de aprendizagem entre o melhor e o pior aluno, segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), responsável pela avaliação do PISA.
Na escola do futuro finlandesa, os educadores dão foco em aprendizagem significativa e competências holísticas, os alunos têm participação ativa na aprendizagem e são incentivados a buscar caminhos individuais de estudo. Além disso, o ambiente escolar enfatiza as competências sociais e a colaboração. Sua renovação curricular foi iniciada a partir da escuta de vários públicos: educadores, pais, alunos e administradores do sistema.
Em São Paulo a convite da Conexia, empresa de soluções educacionais do Grupo SEB que faz parceria acadêmica com a Universidade de Helsinque, Marjo contou à NOVA ESCOLA sobre o trabalho envolvido nas discussões e na implementação de Base Nacional Curricular finlandesa.
Um grande desafio de se ter uma base curricular comum a todas as escolas é a implementação. Os Estados Unidos, por exemplo, têm enfrentado dificuldades nesse processo a ponto de uma das propostas da candidatura de Donald Trump era acabar com o Common Core. A que se deve o sucesso na implementação do currículo comum na Finlândia?
O principal fator foi a coerência na preparação desse novo currículo, planejada e realizada envolvendo os atores locais no processo. Ou seja, incluiu dos professores de Educação Básica e de universidades, os administradores, como eu, os pais e também os alunos. O Ministério da Educação desenhou um mapa de percurso para a construção desse novo currículo. Nele apareciam marcos e datas, então todos sabiam o que aconteceria, quais as discussões, e houve tempo para responder questionários e reunir feedback. Foram organizados seminários para entender as necessidades das comunidades locais e a proposta foi publicada em uma rede aberta para sugestões e opiniões. Tivemos sucesso porque as pessoas que promoviam as mudanças foram incluídas no processo desde o início.
Quanto tempo foi reservado para esse processo?
Em 2012 foram fixadas as novas regras para alocação de horas escolares e sugeridos os objetivos gerais da Educação Básica. A partir daí se iniciou um trabalho que durou dois anos. Primeiro, aconteceram discussões em nível nacional, mas Helsinque, por ser capital, iniciou ao mesmo tempo. No primeiro semestre de 2014 foram feitas as conversas nas diferentes regiões do país. Em lugares mais remotos, cidades próximas entre si formaram uma rede para discutir o assunto. Em seguida aconteceu a formação de professores, que é contínua. As novas práticas só foram implementadas no início do ano letivo de 2016, em agosto.
Qual foi a participação dos professores e da sociedade na construção do currículo?
Desde 2012 foram envolvidos professores, gestores, líderes, grupos de professores (eles não têm coordenadores, os educadores se reúnem em grupos colaborativos). Quando se discute o que precisava ser mudado, é muito importante entender os motivos pelos quais se promove a mudança. Se você não entende as razões dela, você pode até seguir ordens, mas o envolvimento é superficial. Acredito que o empoderamento e o envolvimento de todos são valores centrais da Educação finlandesa. Em Helsinque, por exemplo, um dos valores mais fortes é a participação dos cidadãos. Perguntamos aos pais quais deveriam ser os objetivos da nossa Educação e aos alunos coisas como “Como você aprende melhor?”, “Quais são os seus sonhos para a escola do futuro?” e “Como você enxerga a tecnologia?”. As ideias que eles deram podem ser vistas no nosso currículo. Um exemplo que me marcou nas discussões é que as crianças disseram: “nós queremos ter prazer em aprender”. E isso foi levado muito em consideração na construção curricular.
“Quando se discute o que precisa ser mudado, é importante entender os motivos da mudança. Se você não entende as razões dela, pode até seguir ordens, mas o envolvimento é superficial”
Com o documento pronto, como aconteceu a implementação na prática?
Primeiro fizemos modelos e projetos-piloto. Buscamos escolas e professores que estavam prontos para fazer experiências. Quando eles provaram que a parte prática estava funcionando, abrimos aquelas escolas para que outros educadores pudessem visitá-las e tirar dúvidas. A um grupo de professores especialistas foi concedido tempo para desenvolver práticas pedagógicas, em times com objetivos comuns. Esses docentes tiveram um papel crucial junto aos colegas, pois criaram ferramentas práticas para o ensino, o que ajuda na mudança real no dia a dia escolar. Então eu digo que houve participação, modelos, colaboração entre colegas, uma boa dose de interação e discussão e só então se partiu para a implementação nas escolas.
Quais foram os maiores desafios e como eles foram solucionados?
Mudança nas práticas de sala de aula são desafiadoras em qualquer país. É preciso atravessar a zona de conforto para fazer as coisas de um modo diferente. O professor estava acostumado a ter controle sobre o ensino e achava que tinha sobre a aprendizagem. Mas, na nova abordagem, o dono do processo de aprendizagem é o aluno, então o controle não está nas mãos do educador. Isso não que dizer que o professor tem menos importância, ao contrário, ele é o planejador desse processo. Para que ele seja bem sucedido, é preciso aumentar a colaboração entre docentes. A prática atual é a sala de aula invertida e a aprendizagem por projetos, que para alguns professores foi uma mudança natural, para outros, precisou de mais tempo para compreender como garantir que os alunos alcancem seus objetivos. Outros obstáculos a ultrapassar são o contexto pedagógico e o ambiente para aprender. Foi preciso reconhecer o quanto o ambiente físico dita o modo como as interações acontecem entre as pessoas. Mudamos a disposição dos móveis e os espaços em que a aprendizagem acontece dentro e fora da escola para estimular a colaboração e realizar um trabalho mais holístico, interdisciplinar.
Qual é o impacto do currículo comum nos resultados educacionais da Finlândia?
Estamos no caminho de renovar a nossa educação por décadas. A primeira grande reforma já tem 40 anos e foi baseada na equidade. Queríamos que todas as crianças, de qualquer origem ou classe social, fossem para as mesmas escolas e isso demandou novas competências e ferramentas para os nossos professores. Precisamos de recursos para ajudar os alunos mais fracos. Isso estava na base da mudança e depois demos ênfase na importância das decisões tomadas localmente. Esse entendimento pedagógico nos levou onde estamos. Agora, durante a implementação do novo currículo, nós realmente acreditamos que ele vale a pena, pois levará os alunos ao próximo nível.
Na reformulação curricular da Finlândia, foram adotados processos de aprendizagem mais amplos, com mais enfoque em projetos interdisciplinares e mais autonomia dos professores. Qual o motivo dessas mudanças?
Uma pergunta que já respondi muitas outras vezes é: por que a mudança se vocês já alcançaram excelência? Nós entendemos que provavelmente tínhamos a melhor escola, mas essa escola era boa para o passado, não para o futuro. Temos orgulho do nosso sistema educacional, nós não vamos alterar a sua base, mas temos consciência de que se continuássemos no mesmo trilho, não iríamos preparar nossos jovens para o futuro. De algum modo, lá atrás, começamos a falar sobre o que precisaríamos para renovar as nossas escolas, então eu acredito que a atmosfera do país estava pronta para isso. A iniciativa de reforma curricular ganhou uma frase como norteadora: “Finland: A country where everyone loves to learn” (“Finlândia: um país onde todos amam aprender”) e acho que essa expressão traduz o que almejamos.
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