Educação e autismo: uma relação que vale a pena ser repensada
É importante refletir sobre a postura de quem educa para que todos saiam ganhando
POR:O QUE É?
Relato de experiência sobre a construção de plano de trabalho colaborativo para incluir um aluno com autismo na Educação Infantil. Conteúdo originalmente publicado no portal Diversa, do Instituto Rodrigo Mendes, organização sem fins lucrativos que tem a missão de colaborar para que toda pessoa com deficiência tenha uma educação de qualidade na escola comum.
QUEM FEZ?
Adriana Souza, Carla Pierry, Ellen dos Santos, Isabel Santos, Sandra Dantas e Thais Helena de Andrade, educadores do Centro Educacional Unificado Professora Marta Josete Impaléa, em Cubatão (SP).
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As mudanças no atendimento ao aluno com autismo, que antes demonstrava comportamentos agressivos, compulsão alimentar, dificuldade em aceitar ordens e em realizar atividades pedagógicas sistematizadas, entre outras características, ajudaram tanto a ele, quanto sua família e aos educadores envolvidos a melhorar o relacionamento entre eles. A criança passou a ser menos agressiva e melhorou a pronúncia das palavras, dentre outros ganhos.
ETAPA
Ensino Fundamental.
ANO
1º
inclusão, transtorno do espectro autista (TEA)
Educadoras mudam postura para incluir criança com autismo
O Centro Educacional Unificado Professora Marta Josete Impaléa está localizado no município de Cubatão (SP) e recebe estudantes na faixa etária de 0 a 5 anos. A educação infantil II, que atende crianças de 4 e 5 anos, conta com três classes para cada idade. A escola atende meninas e meninos que vêm de diferentes regiões da cidade e, apesar de ser uma unidade de educação integral, não oferece práticas diversificadas. A rotina é pautada basicamente em atividades de sala de aula e de parque.
O prédio conta com três andares, os quais são acessados via rampas. As salas localizam-se no primeiro e segundo pisos. No térreo estão o refeitório, a quadra, o parque e a área administrativa. A escola tem cerca de 145 funcionários somados educadores, administrativos, manutenção e alimentação.
O estudo de caso
Micael Bernardo Batista, de 5 anos, é um dos 455 estudantes da unidade. Ele apresentava comportamentos agressivos, compulsão alimentar, dificuldade em aceitar ordens, dificuldade na realização de atividades pedagógicas sistematizadas entre outras características que obstavam sua aceitação em uma sociedade que estabelece uma clara divisão entre comportamentos adequados e não-adequados. O aluno chegou à unidade com um laudo de transtorno do espectro autista (TEA).
Mas, espere! Você que está lendo, favor esqueça o parágrafo anterior.
Na verdade, Micael era uma criança que estava descobrindo as possibilidades do mundo e, nesses encontros, testava as coisas e as pessoas. Ao tentar comunicar-se, muitas vezes não era compreendido, gerando ansiedade entre ele e seus interlocutores. Seus movimentos corporais eram bruscos, pois ele era um menino grande. Às vezes um simples aperto virava um apertão. Quando não conseguia se fazer entender, acabava por demonstrar isso fisicamente, o que ocasionava alguns episódios em que usava a força.
Diante desse contexto, acreditamos que ele e a família se beneficiariam de orientações médicas e terapêuticas, o que já havia sido solicitado para a mãe do garoto em diversas ocasiões. Não havia como atender Micael de forma plena sem uma parceria entre família, escola e profissionais da saúde.
Os encontros no DIVERSA presencial
No decorrer do ano letivo, com o auxílio dos encontros do DIVERSA presencial, começamos a mudar o foco do atendimento ao Micael. Com base no livro “As três perguntas”, de Jon J. Muth – o qual traz conceitos como: o mais importante é quem está a seu lado; o momento importante é o agora; a coisa certa a se fazer é o bem a quem está a seu lado – elaboramos os seguintes quadros para apoiar nossa reflexão sobre o desenvolvimento do estudante:
Problema | Compulsão por comer, alimentava-se rápido e em grande quantidade |
Ação | Oferecer porções menores |
Reação | Após uma semana, começou a aceitar o alimento fracionado |
Avaliação | A conduta foi incorporada à rotina da alimentação, diminuindo a compulsão |
Problema | Agressão sem motivo aparente |
Ação | Retirá-lo do ambiente logo após a ocorrência Comunicar os funcionários que trabalham com ele para terem a mesma conduta Esperar acalmar para dar novo comando Elogiar quando apresentar boa conduta Dar estímulos positivo ou negativo no momento da ação Dar ordens simples, uma de cada vez |
Reação | Não aceitou, relutou para não ficar afastado do grupo Diminuiu os episódios de agressividade com adultos Diminuiu gradativamente a agressividade com os colegas |
Avaliação | As estratégias continuaram a ser aplicadas |
Problema | Desarranjos intestinais e dificuldade para participar das atividades coletivas |
Ação | Orientar a família a levá-lo ao serviço médico Observá-lo durante a alimentação Suspender o consumo de bebidas lácteas na escola |
Reação | Aceitou a substituição da bebida láctea por suco Apresentou melhora no funcionamento fisiológico |
Avaliação | Para esta situação foi muito importante a ação familiar |
Problema | Riscos iminentes quando brincava no parque |
Ação | Dar preferência para o uso de brinquedos menores e bolas Conscientizar os demais alunos a não “mexer” ou provocar Micael Manter as mãos para traz quando correr |
Reação | Percebeu que se machucava menos, tanto ele como os colegas |
Avaliação | Aumentou a interação com os colegas Tem prazer em estar no parque |
Problema | Dificuldade para executar as atividades dirigidas |
Ação | Separar em um cesto os brinquedos e oferecer logo que terminar a atividade |
Reação | Recusou guardar os brinquedos para iniciar outra atividade Tentou agredir |
Avaliação | Demonstrou menos ansiedade e irritabilidade Continuamos observando para reconsiderar as estratégias |
Problema | Agitação na hora do descanso |
Ação | O horário do banho foi transferido para antes do sono |
Reação | O banho o ajudou a relaxar Quando chega na sala, os colegas já estão acomodados |
Avaliação | Diminuiu a agitação que antecedia o sono Demonstra maior tranquilidade |
Problema | Dificuldade quanto à linguagem oral |
Ação | Estimular a pronúncia correta Esperar ele terminar de falar as palavras Fazer encaminhamento ao fonoaudiólogo |
Reação | Tentou falar mais pausadamente Melhorou a pronúncia das palavras Não houve retorno sobre o atendimento de fonoaudiologia |
Avaliação | Continuar as intervenções junto à família Continuar o estímulo à linguagem, aguardando que termine as palavras |
Problema | Comunicação não-satisfatória com a família de Micael |
Ação | Elencar um interlocutor da escola para falar com a mãe Aderir à agenda do infantil I para comunicação com a família |
Reação | Aceitou a nova conduta da família |
Avaliação | Em avaliação |
Durante esse processo, acreditamos que não só o estudante, mas também nós, seus educadores, crescemos. O trabalho instaurado visou a mudança de atitudes dos agentes que estavam envolvidos no cotidiano escolar. Mudando a forma de se relacionar foi possível conquistar avanços.
Muitos gostariam de ouvir que hoje o Micael é um menino totalmente “transformado” e está como o padrão escolar deseja. Mas isso não é verdade. Afinal, somos únicos e é isso que nos caracteriza como seres humanos. Foram muitas conquistas que, justamente por não caminharem no sentido da homogeneização, desanimam alguns educadores e revigoram outros. E é nestes colegas que sentimos o apoio necessário para continuar no caminho inclusivo. Pensando nas falas da mediadora do DIVERSA presencial, Patrícia Brito: nós precisamos de ideologia, pois é isso que nos faz caminhar.
O futuro
Para a próxima jornada escolar será sugerido à família de Micael uma unidade de período parcial, em um espaço físico menor. Além disso, reforçaremos a necessidade de terapias no âmbito da saúde.
Considerando que ele estará no 1º ano do ensino fundamental, onde o foco é a questão da alfabetização, será importante informar aos educadores responsáveis por essa nova etapa de sua escolarização que é preciso respeitar suas diferentes formas de descobrir e se expressar no mundo.
Por que ser DIVERSA vai além de querer compreender a pessoa com deficiência no processo de inclusão escolar. Ser DIVERSA é tentar compreender cada ser humano num mundo repleto de peculiaridades.
Projeto participante do DIVERSA presencial.
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