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Contrato didático: o "não dito" é essencial

Artigo | Guy Brousseau

POR:
Guy Brousseau
Guy Brousseau. Foto: Rodrigo Erib
Guy Brousseau
Professor emérito do Instituto Universitário de Formação de Professores da Aquitânia (IUFM, sigla em francês), doutor honoris causa das Universidades de Montreal, de Genebra, de Córdoba, do Chipre e de Palermo, presidente de honra da Associação dos Pesquisadores em Didática da Matemática (ARDM, sigla em francês) e ganhador do Prêmio Felix Klein da Comissão Internacional de Instrução Matemática (ICMI, sigla em inglês) em 2004.

Quais as obrigações mútuas, explícitas e implícitas que pais, alunos e professores exercem entre si? Elas são compatíveis? Qual é a legitimidade e a eficácia das medidas de que cada um deles acredita dispor? Essas questões surgem de forma crucial para a família e para os educadores de uma "criança com dificuldade", mas elas podem permanecer muito tempo ignoradas pelo restante da sociedade.

O conceito de contrato didático surgiu em 1980 durante uma enquete clínica e estatística com estudantes com dificuldades em Matemática (1975-1980), realizada pelo Centro de Observação e Pesquisas sobre o Ensino de Matemática (Corem, sigla em francês)1 da Universidade de Bordeaux 1, como parte de minhas pesquisas sobre situações matemáticas.

O caso de Gaël

Um caso permitiu vislumbrar algumas das causas das divergências e dos desentendimentos comuns entre as expectativas e as possibilidades recíprocas do professor e do aluno. Apesar de inteligente, Gaël, 8 anos, se recusava, de modo gentil mas persistente, a assumir a responsabilidade do que dizia, impossibilitando sua participação em procedimentos de investigação na resolução de problemas. Ao pedir que ele encontrasse o termo desconhecido de uma operação - 52 blocos estão em um saco opaco. São retirados alguns (Gaël vê quantos são retirados). Quantos restam no saco? - ele respondia como se tivesse 4 anos: errado, mas sorrindo despreocupadamente. Esse tipo de dificuldade ressalta a impossibilidade teórica de forçar um aluno a se dedicar a uma situação. O caso foi resolvido por meio de uma série de situações com o consentimento de Gaël.

A engenharia da devolução

Por sequências de situações atrativas, o professor, temporariamente, não julga e comenta o que Gaël diz. O menino pode, sozinho, tomar decisões e ver o que causam, sem o risco de ser criticado. Assim, ele aceita jogar: primeiro com adivinhação do resultado (sem prêmio, mas com verificação). Depois, com antecipação da solução: ele passa a excluir as respostas visivelmente falsas antes de apostar nelas. Logo, submete a resposta a uma prova prévia: "Pode ser x. Antes de apostar, acrescento x ao valor dado". Na situação de apropriação autônoma, Gaël tenta ganhar o máximo de vezes possível. Ao evitar perder, ele avalia e aperfeiçoa suas decisões e o cálculo da operação para antecipar o resultado. Para evitar testes sucessivos, tenta determinar o melhor número para arriscar, tenta fazer a subtração e aceita ajuda para aprendê-la. Por vezes, uma resposta errada é o jeito de buscar e encontrar a correta. Cada conhecimento pede uma situação adequada, mas o problema teórico permanece intacto e revela o fosso profundo nas concepções clássicas do ensino da Matemática: como criar a sede de aprender?

A idade do capitão

Em 1979, pesquisadores do Irem, da Universidade Joseph Fourier, em Grenoble, na França, fizeram perguntas absurdas aos estudantes como: "Em um barco há 15 cabras e 26 ovelhas. Qual é a idade do capitão?". Eles fizeram a soma e disseram: "41 anos!". "Eis a prova de que os professores emburrecem os alunos!", dizem alguns. "Simples efeito de contrato", responde o Corem. Para as crianças, o problema era absurdo. "Por que vocês responderam?", questionaram os pesquisadores. "Porque a professora perguntou!", disseram elas.

O costume, contrato escondido, exige que os estudantes respondam a qualquer cálculo, mas a adequação das perguntas é de responsabilidade do professor. Mais tarde, uma experiência semelhante, com professores em formação, fornece os mesmos resultados: é um efeito do "contrato didático" e não uma particularidade dos atores.

O contrato didático

Essa ideia faz pensar de um modo novo:

1. A apresentação das instruções;

2. A devolução do professor, que deve gerar uma atividade autônoma dos estudantes;

3. A situação matemática na qual o aluno procura, sozinho ou em colaboração com parceiros, obter alguns resultados instrutivos;

4. A institucionalização, a integração como referência para o futuro dos resultados do processo de aprendizagem que são bem compreendidos e compartilhados.

Assim, surgiram novas formas de desenvolver a atividade matemática dos alunos e sua conduta com base em pesquisas científicas específicas. As técnicas decorrentes não podem se desenvolver atualmente sem uma prévia evolução significativa dos conhecimentos e das atitudes dos protagonistas. Parceiros da Educação, alunos, professores, pais, gestores, pesquisadores, sociedade etc. criam por sua conta e risco, a cada conceito a ser ensinado, obrigações e expectativas e, para atendê-las, aplicam mutuamente meios de coerção. As expectativas são explícitas? Compatíveis? Podem ser atendidas pelo simples efeito empírico das retroações dos atores? As sociedades agem como se a resposta fosse sim para todas as perguntas, de modo que esse contrato imaginário existe como fator social e causa de muitos fenômenos de ensino, erros e falhas. Quais contratos seriam não contraditórios? Como identificá-los e otimizá-los?


1 Criado pelo Instituto de Pesquisas no Ensino de Matemática (Irem, sigla em francês) de Bordeaux e concebido por mim, o Corem funcionou de 1973 a 1999. Consistia em um laboratório associado a uma escola com crianças entre 3 e 12 anos para permitir a observação e a realização de experiências de ensino a longo prazo em um cenário controlado e limitado.

Três paradoxos do contrato didático

1. O paradoxo fundamental: o estudante não pode se comprometer com um projeto cuja parte principal ele desconhece, ou seja, a finalidade, o conhecimento a ser adquirido. O professor também não pode fazer mais por uma criança em especial. Mas o comprometimento de ambos é essencial. O educador só pode fazer referência a obrigações de procedimentos. Qualquer contrato didático individual que contenha uma obrigação de resultados é apenas uma aposta. Um contrato didático real só é aceito se tiver como base protocolos definidos e envolver grupos de estudantes.

2. O paradoxo da devolução: expor uma afirmação categórica matemática é uma produção pessoal. Não é só citar um saber de referência. Requer um comprometimento pessoal do aluno com a verdade. O que ele faz ou afirma por vontade do educador escapa a seu julgamento. Ele deve pegar algo que o professor permite pegar, que não impõe. Quanto mais o educador pressiona e limita, menos educa para a Matemática. O "não dito" tem papel essencial.

3. O paradoxo do pensamento teleológico: os textos matemáticos (a conclusão da reflexão matemática) servem previamente a seu aprendizado e uso. O professor exige que os alunos percebam os resultados futuros das reflexões que devem adquirir para guiar seu raciocínio durante o aprendizado. A hipótese de que a verdadeira reflexão seria criada só pelo real é um mito refutado pela epistemologia e pela história.

Desvios, causas, consequências

Em resposta às falhas dos alunos, os professores podem experimentar muitos recursos. Todos podem ser úteis e um não é melhor que o outro nem garantia de sucesso. Usar uma estratégia geral, qualquer que seja o conhecimento, leva inevitavelmente a desvios graves. Na ausência de soluções específicas, a variedade e a adequação das soluções são uma saída superior às respostas estereotipadas. Se só uma estratégia é imposta por um sistema sociocultural incapaz de questionar as soluções que impõe, educadores e alunos nada podem fazer contra o fracasso inevitável que estes últimos terão e que atribuiremos aos docentes.

O desvio mais evidente é um sistema retroalimentado cujos efeitos negativos reforçam as causas de variações em vez de lhes contrariar a fim de responder a exigências políticas, apoiadas por análises superficiais de testes de avaliação em massa. Os objetivos de alto nível taxonômico são desintegrados em uma nuvem de aprendizagem de baixo nível, independentes, para permitir o uso de métodos de aprendizagem comportamental, localmente controlados; o que causa um prolongamento do tempo de aprendizagem e, portanto, a redução de ambições e a fragmentação até chegar à individualização da aprendizagem em sala de aula! Um caminho absurdo para transmitir uma cultura comum! E o ciclo recomeça acompanhado de reformas improvisadas, sem base científica. Outras, como a reforma do ensino da Matemática, preparada durante três quartos de século, ou o ensino da heurística, falharam devido à ignorância sobre as propriedades de situações matemáticas e do contrato didático.

A atividade e o texto

Os textos de Matemática são só a conclusão de sua atividade e a imagem que eles transmitem é distorcida. O matemático progride operando com base em seus saberes de referência, em seu conhecimento e em entidades provisórias: objetos ainda mal definidos, expressões em formação (indecisas, verdadeiras, falsas), teoremas conhecidos (cuja utilidade é questionável) e saberes. Essa atividade é apenas aparentemente individual e solitária. Na realidade, as trocas, os desafios e as cooperações voluntárias ou não são a regra hoje em dia. Reduzir a representação da atividade ao estudo de textos de referência remonta a uma cultura milenar e é o melhor jeito de afastar a maioria dos alunos dessa cultura. Qual a necessidade de refazer o que já foi estabelecido? Mas o ensino é, de fato, uma aculturação a uma sociedade viva. Se as crianças não virem mais ninguém calcular, elas não aprenderão a fazê-lo.

Introdução à atividade

Esta combinação é possível: introdução a aventuras matemáticas coletivas e individuais para os conceitos essenciais e estudos complementares clássicos de textos. Ela é a única forma de melhorar gradualmente o ensino por meio da obtenção de apoio que ele deve receber de uma população bem informada. Para tal, é preciso desenvolver as pesquisas fundamentais e experimentais convincentes para os cientistas da Educação e para os matemáticos, em vez de aplicar receitas milagrosas, às vezes grosseiras e com base apenas em extrapolações aleatórias e em experiências sem base científica própria. A sofisticação dos algoritmos de estudo e a importação irrestrita de conceitos estrangeiros ao domínio matemático posicionam-se, nesse caso, como garantia científica.

Conclusão

Os estudos do contrato didático mostraram os limites da separação inicial entre a Pedagogia e a didática geral, que propõe, em nome de princípios universais, métodos comuns independentes do objeto próprio do ensino visado e que delimitam o que é característico do pensamento em simulacros. O estudo deve ser retomado com base no que é específico do conhecimento a ser transmitido e de condições próprias que o tornam apropriado com referência a seu significado correto, mesmo que a sua expressão seja transitoriamente imperfeita. A atividade dos alunos não pode ficar presa ao gueto dos problemas e a gestão didática das situações matemáticas não pode ser inteiramente independente do objeto do saber estudado. O ensino é realmente um processo de aculturação a atividades que estão longe de ser solitárias e de acordo com o modelo clássico.

Resumo

Para resolver uma tarefa, os estudantes não somente buscam interpretar o que é pedido por escrito ou oralmente. Eles também levam em conta o modo de ensinar do educador, que por sua vez espera certos comportamentos da turma. Essa tensão de expectativas, impalpável, invisível e não verbalizada, é o chamado contrato didático, um vínculo entre quem leciona e os que estudam, para o planejamento e a execução de situações de ensino e de aprendizagem.

Referências

- BROUSSEAU, G. Introdução ao estudo da teoria das situações didáticas. São Paulo: Ática. 2008.

- BROUSSEAU, G., WARFIELD, V. The case of Gaël. In: Journal of Mathematical Behavior, nº 18. 1999.

-WARFIELD, V. Invitation to Didactique. Bloomington: Xlibris. 2007.

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