Escrever para aprender Ciências Naturais
Ana Espinoza
POR: Ana Espinoza, Adriana Casamajor, Cynthia AzizTentamos comunicar nestas páginas reflexões originadas de uma pesquisa1 que há dez anos estuda as possibilidades de a leitura e a escrita se tornarem ferramentas para o aprendizado das Ciências Naturais e das Ciências Sociais. Nosso trabalho é planejar sequências para o ensino de conteúdos específicos de cada uma dessas áreas e o estudo de seu desenvolvimento em sala de aula. Focaremos a análise nas formas em que as situações de escrita são propostas em Ciências Naturais.
A escrita em Ciências Naturais
Durante muito tempo na escola, os alunos escrevem e em diversos momentos: copiando, respondendo a perguntas, resolvendo exercícios, fazendo relatórios de experiências, resumindo, anotando. Supõe-se, geralmente, que essas situações permitem ao professor captar o que eles aprenderam e constatar se estudaram ou cumpriram uma tarefa. Entendemos que nessas propostas está subjacente uma versão restrita da escrita ao não considerar os complexos processos envolvidos, permitindo que ela constitua o modo preferencial pelo qual o conhecimento é averiguado.
Escrever não é traduzir o pensamento em palavras, em uma simples passagem da mente para o papel. A composição de um texto envolve organizações, reorganizações e categorizações de ideias e, graças a esses procedimentos, pode ser uma ferramenta para análise e construção do conhecimento. Isso nos leva a retirar a naturalidade e a problematizar as situações em que os estudantes são confrontados a expressar ideias no papel e, assim, repensar os caminhos para ajudá-los a aprender e a escrever.
Repensando as situações de escrita
A possibilidade de a escrita ser uma ferramenta de aprendizagem (função epistêmica) é afetada pela situação em que é concebida (para que se escreve e com que interesse) e pelo contexto (onde, com quem, em que ponto de uma sequência de ensino). O propósito e o contexto devem favorecer a revisão dos conhecimentos em um ir e vir entre pensar, escrever, ler, repensar, corrigir, buscar informações, ampliar, reler...
Entendemos que, para poder implantar esse procedimento, é necessário problematizar o que se diz e como se diz. A situação deveria levar o autor a considerar se seu texto será entendido, se é isso o que ele quer dizer, se é necessário incluir exemplos ou dados, ampliar ou aprofundar as ideias, incluir questões, alterar o título ou adicionar subtítulos. Entre as representações internas (o que é pensado) e as representações externas (o que é escrito) se estabelece uma interação dialética que permite mudanças em ambos os planos. É provável que pessoas experientes desenvolvam esses procedimentos sem consciência do processo. Mas é quase impossível os alunos se apropriarem deles espontaneamente.
Para ampliar o conhecimento sobre como propor a eles a realização de textos de maneira que a construção do conhecimento em Ciências Naturais seja favorecida, começamos por reconhecer três dificuldades relacionadas a situações de escrita em sala:
- Encontrar propostas que promovam situações de escrita genuínas e com certo grau de exigência que permita a eles aprender e reconhecer em que consiste escrever sobre esse campo. É necessário estabelecer essas práticas na escola e acabar com as antigas. Como propor situações de escrita para a tarefa adquirir significado e não funcionar só como um trabalho para satisfazer o professor? Que situações propor?
- Gerir a aula para que a intervenção seja uma ajuda eficaz para a produção de texto e a aprendizagem. Como observam Aisenberg e Lerner (2008), notamos que as orientações dos docentes são geralmente dirigidas às características formais do texto ou a conteúdos específicos, mantendo ambos os aspectos dissociados, fato que não contribui para a aprendizagem da ciência nem para a escrita sobre esse campo. Como deveria ser a intervenção para auxiliar os estudantes nessa tarefa difícil?
- Reconhecer que às vezes o texto dos alunos mostra menos do que as ideias que eles expressam oralmente, como apontam outros autores (Torres e Larramendi, 2009). Devemos aceitar que o fundamental não está no texto final, mas nos intercâmbios, nas revisões, no pensamento ativo? Uma vez que, em todo o texto há omissões, é legítimo supor que elas correspondem, ao menos em parte, ao que eles acham importante ou selecionam sob outro enfoque conceitual?
A escrita na sequência de ensino
Em 2010, nosso grupo, que trabalha na área de Ciências Naturais, elaborou e desenvolveu em sala uma sequência de ensino2 com várias situações de escrita: o registro de observações feitas durante uma experiência realizada em pequenos grupos, a descrição dos procedimentos realizados e as interpretações propostas para explicá-la, o ditado para o professor com base nos textos realizados coletivamente3, a elaboração de gráficos com legendas e, ao final, a reescrita em duplas do texto ditado ao professor.
No planejamento, contamos com a perspectiva proposta por Anne Vérin (1988, 1995), que determina o potencial epistêmico dos textos durante os estágios iniciais de uma sequência, a serem propostos em ambientes sociais de produção que permitem aos estudantes conceber as situações como exploratórias para escapar, pelo menos por um tempo, do peso da avaliação. A autora argumenta que, para usar a escrita como uma ferramenta de aprendizagem, é preciso distanciá-la da rotina escolar, que parece tê-la transformado em um objeto em si mesma. Ela propõe fazer uso de situações de escrita nas quais os textos sejam curtos, constituindo um ponto de partida e de apoio para discussão em sala.
A situação ditado para o professor
O que queremos indagar com essa modalidade de escrita? Precisávamos propor uma situação em que os estudantes voltassem a usar as anotações feitas em grupo durante a experiência para mostrar, na prática, a importância de ter uma boa memória do que ocorreu porque reconhecemos que é difícil observar e registrar, conceber e discutir ideias sobre o que está ocorrendo e, além disso, escrever.
Queríamos incentivar a participação dos alunos em uma situação de escrita e entendemos que as trocas podem ocorrer entre eles e o professor durante o ditado, permitindo criar um clima de debate que os motivaria intelectual e emocionalmente, questão na qual acreditávamos já na proposta experimental. Por sua vez, o educador teria mais oportunidade de se aproximar das ideias dos estudantes, na medida em que eles pudessem expressar o que estavam pensando e intervir perguntando, reperguntando, orientando sem julgar, problematizando, socializando e promovendo acordos conjuntos para decidir o que seria escrito. Consideramos que, dessa forma, o professor pode ajudar a turma a entender que o desenvolvimento de um texto requer pensar na melhor maneira de expressar ideias, que não se diz a mesma coisa quando se escreve de uma maneira ou de outra... Compreender o que é escrever escrevendo.
Achamos que a escrita coletiva poderia aliviar a responsabilidade individual, incentivar os alunos a fazer sua palavra ser ouvida e que o envolvimento do professor (usual destinatário) poderia reduzir a ideia de avaliação. Dado que esse texto seria reescrito em um momento avançado da sequência, parecia provável que a proposta também auxiliaria a turma a compreender a natureza temporária.
Alguns progressos
Com base na análise de registros de aula, das produções dos estudantes e de trocas promovidas pelo docente, podemos dizer que o trabalho de escrita não só foi favorecido pela experiência como também se tornou uma ferramenta para facilitar a interpretação do significado que a própria experiência apresenta: qual a finalidade dela? O que eu deveria aprender com ela? Qual relação pode ser estabelecida entre o referencial teórico e o empírico?
Vejamos trechos de registros de uma aula em que ocorre a discussão, durante uma situação de ditado ao professor, sobre quando determinado material (vela) derrete continua sendo cera ou se se transforma em água. O educador recorre ao que foi observado durante uma experiência (referencial empírico) para embasar suas afirmações.
Docente (D): Martín, pode repetir o que disse?
Aluno 1 (A1): Sim, quando esquentamos, o material ficava menor e ia derretendo. Era como se fosse transformado em líquido.
D: E o que você acha do que Martín disse, Seba (A)?
A1: Eu diria que mudou de estado, ficou líquido.
D: Derreteu, mudou de estado, ficou líquido. Como vocês perceberam que mudou de estado, que ficou líquido?
A3: Virou uma aguinha.
D: Quando derreteu, disse Nahuel, virou uma aguinha. Aconteceu isso? Derreteu e virou água?
A: Sim.
A2: O mesmo líquido… O mesmo material, mas todo derretido.
D: O que vocês acham? Estamos vendo se é o mesmo material que virou líquido ou virou água e como vocês perceberam…
A2: Porque dava pra notar.
D: Imaginem que eu não faço ideia de como é o estado líquido. Não sei. Como é algo líquido? Como seria, Sol?
A3: Eu disse porque não tinha forma fixa.
A2: E fica com a forma do recipiente. Não tem forma própria.
D: E por que pensaram que era vela?
A2: Porque parecia com uma vela.
D: E o que fez você lembrar uma vela?
A2: O cheirinho.
D: Sol disse que não tem cheiro.
A: Tem cheiro, sim. Quando esquentamos, o cheiro fica mais forte.
(...)
D: Acho que a Camila está tentando justificar sua ideia. Escutaram por que ela pensou que era vela?
A4: Porque estava sólido e quando esquentaram, derreteu… A vela também derrete quando esquenta. E depois, quando tiramos do fogo, voltou a ser sólido. Ocorre isso com a vela também e com a água, não…
A análise nos leva a interpretar que há um esforço do professor para focar a discussão no referencial empírico e não se contentar com definições duvidosas, como os pedidos que fez para que os estudantes argumentassem: como percebem que algo está líquido, por exemplo. O argumento de Camila para explicar por que não é água líquida é forte: se retiramos o recipiente do fogo, o líquido começa a se transformar em um sólido esbranquiçado. Ela está usando a experiência para pensar e argumentar, questão que aponta para um aspecto central da atividade experimental: usar os dados da observação. "A experiência proposta pode ser uma ferramenta para mostrar a diferença entre descrever e explicar e, assim, compreender as relações entre a experiência e a teoria, questões que, muitas vezes, parecem completamente isoladas e, portanto, distorcidas" (Espinoza, 2010). Entendemos que essas questões, que constituem a aprendizagem de Ciências Naturais, são favorecidas pela necessidade de tomar decisões sobre o que e como escrever. Um aluno (A1) fala "diria" porque o debate se apresenta como uma situação de escrita coletiva. Entendemos, assim, que as condições em que a escrita foi proposta contribuíram para que os estudantes voltassem a pensar na experiência e parassem para refletir sobre os dados que embasam as interpretações, em um ir e vir entre a experiência e a escrita.
1 A pesquisa A Escrita e a Leitura no Ensino de Ciências Naturais e Ciências Sociais é dirigida por Delia Lerner e codirigida por Beatriz Aisenberg. A equipe que lida com o estudo de Ciências Naturais é formada por Adriana Casamajor, Egle Pitton, Silvina Muzzanti, Cecilia Acevedo, Cynthia Aziz, Carolina Lifschitz e Patricia Luppi e coordenada por Ana Espinoza.
2 A sequência foi criada para o ensino do conceito de descontinuidade da matéria para alunos de 12 e 13 anos que nunca haviam recebido Educação formal sobre o tema. Propõem-se a realização da experiência e a leitura de textos sobre esse campo, além das mais variadas situações de escrita mencionadas. Mais informações sobre a sequência podem ser encontradas em Espinoza e outros (2009).
3 Destacamos em negrito a situação que no contexto da sequência que envolve várias situações de escrita selecionamos para desenvolver.
Bibliografia
- Aisenberg, B. e Lerner, D. (2008). Escribir para aprender Historia, em Lectura y Vida, Revista Latinoamericana de Lectura. Ano 29. Nº 3. P.24-43.
- Espinoza, A., Casamjor, A. e Pitton, E. (2009). Enseñar a leer textos de ciencias. Buenos Aires: Editorial Paidós.
- Espinoza, A. (2010). Ciências na escola. Novas perspectivas para a formação dos alunos. São Paulo: Ática.
- Torres, M. e Larramendy, A. (2009). "El papel de la lectura en la construcción del conocimiento histórico"; palestra. Universidade Nacional de Comahue.
- Vérin, A. (1995). Mettre par écrit ses idées pour les faire évoluer en sciences, em Revista Repères. Nº12 INPR. Paris.
- Vérin, A. (1998). Appendre a ecrire pour aprendre les sciences, em Revista Aster. Nº6. Paris.
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