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Escrever para aprender Ciências Naturais

Ana Espinoza

POR:
Ana Espinoza, Adriana Casamajor, Cynthia Aziz
Ana Espinoza. Foto: Raquel do Espírito Santo
A autora Pesquisadora e professora na área de Ciências da Educação, da Universidade de Buenos Aires (UBA), na Argentina. Área de estudo Didática das Ciências Naturais. Contato

Tentamos comunicar nestas páginas reflexões originadas de uma pesquisa1 que há dez anos estuda as possibilidades de a leitura e a escrita se tornarem ferramentas para o aprendizado das Ciências Naturais e das Ciências Sociais. Nosso trabalho é planejar sequências para o ensino de conteúdos específicos de cada uma dessas áreas e o estudo de seu desenvolvimento em sala de aula. Focaremos a análise nas formas em que as situações de escrita são propostas em Ciências Naturais.

A escrita em Ciências Naturais

Durante muito tempo na escola, os alunos escrevem e em diversos momentos: copiando, respondendo a perguntas, resolvendo exercícios, fazendo relatórios de experiências, resumindo, anotando. Supõe-se, geralmente, que essas situações permitem ao professor captar o que eles aprenderam e constatar se estudaram ou cumpriram uma tarefa. Entendemos que nessas propostas está subjacente uma versão restrita da escrita ao não considerar os complexos processos envolvidos, permitindo que ela constitua o modo preferencial pelo qual o conhecimento é averiguado.

Escrever não é traduzir o pensamento em palavras, em uma simples passagem da mente para o papel. A composição de um texto envolve organizações, reorganizações e categorizações de ideias e, graças a esses procedimentos, pode ser uma ferramenta para análise e construção do conhecimento. Isso nos leva a retirar a naturalidade e a problematizar as situações em que os estudantes são confrontados a expressar ideias no papel e, assim, repensar os caminhos para ajudá-los a aprender e a escrever.

Repensando as situações de escrita

A possibilidade de a escrita ser uma ferramenta de aprendizagem (função epistêmica) é afetada pela situação em que é concebida (para que se escreve e com que interesse) e pelo contexto (onde, com quem, em que ponto de uma sequência de ensino). O propósito e o contexto devem favorecer a revisão dos conhecimentos em um ir e vir entre pensar, escrever, ler, repensar, corrigir, buscar informações, ampliar, reler...

Entendemos que, para poder implantar esse procedimento, é necessário problematizar o que se diz e como se diz. A situação deveria levar o autor a considerar se seu texto será entendido, se é isso o que ele quer dizer, se é necessário incluir exemplos ou dados, ampliar ou aprofundar as ideias, incluir questões, alterar o título ou adicionar subtítulos. Entre as representações internas (o que é pensado) e as representações externas (o que é escrito) se estabelece uma interação dialética que permite mudanças em ambos os planos. É provável que pessoas experientes desenvolvam esses procedimentos sem consciência do processo. Mas é quase impossível os alunos se apropriarem deles espontaneamente.

Para ampliar o conhecimento sobre como propor a eles a realização de textos de maneira que a construção do conhecimento em Ciências Naturais seja favorecida, começamos por reconhecer três dificuldades relacionadas a situações de escrita em sala:

- Encontrar propostas que promovam situações de escrita genuínas e com certo grau de exigência que permita a eles aprender e reconhecer em que consiste escrever sobre esse campo. É necessário estabelecer essas práticas na escola e acabar com as antigas. Como propor situações de escrita para a tarefa adquirir significado e não funcionar só como um trabalho para satisfazer o professor? Que situações propor?

- Gerir a aula para que a intervenção seja uma ajuda eficaz para a produção de texto e a aprendizagem. Como observam Aisenberg e Lerner (2008), notamos que as orientações dos docentes são geralmente dirigidas às características formais do texto ou a conteúdos específicos, mantendo ambos os aspectos dissociados, fato que não contribui para a aprendizagem da ciência nem para a escrita sobre esse campo. Como deveria ser a intervenção para auxiliar os estudantes nessa tarefa difícil?

- Reconhecer que às vezes o texto dos alunos mostra menos do que as ideias que eles expressam oralmente, como apontam outros autores (Torres e Larramendi, 2009). Devemos aceitar que o fundamental não está no texto final, mas nos intercâmbios, nas revisões, no pensamento ativo? Uma vez que, em todo o texto há omissões, é legítimo supor que elas correspondem, ao menos em parte, ao que eles acham importante ou selecionam sob outro enfoque conceitual?

A escrita na sequência de ensino

Em 2010, nosso grupo, que trabalha na área de Ciências Naturais, elaborou e desenvolveu em sala uma sequência de ensino2 com várias situações de escrita: o registro de observações feitas durante uma experiência realizada em pequenos grupos, a descrição dos procedimentos realizados e as interpretações propostas para explicá-la, o ditado para o professor com base nos textos realizados coletivamente3, a elaboração de gráficos com legendas e, ao final, a reescrita em duplas do texto ditado ao professor.

No planejamento, contamos com a perspectiva proposta por Anne Vérin (1988, 1995), que determina o potencial epistêmico dos textos durante os estágios iniciais de uma sequência, a serem propostos em ambientes sociais de produção que permitem aos estudantes conceber as situações como exploratórias para escapar, pelo menos por um tempo, do peso da avaliação. A autora argumenta que, para usar a escrita como uma ferramenta de aprendizagem, é preciso distanciá-la da rotina escolar, que parece tê-la transformado em um objeto em si mesma. Ela propõe fazer uso de situações de escrita nas quais os textos sejam curtos, constituindo um ponto de partida e de apoio para discussão em sala.

A situação ditado para o professor

O que queremos indagar com essa modalidade de escrita? Precisávamos propor uma situação em que os estudantes voltassem a usar as anotações feitas em grupo durante a experiência para mostrar, na prática, a importância de ter uma boa memória do que ocorreu porque reconhecemos que é difícil observar e registrar, conceber e discutir ideias sobre o que está ocorrendo e, além disso, escrever.

Queríamos incentivar a participação dos alunos em uma situação de escrita e entendemos que as trocas podem ocorrer entre eles e o professor durante o ditado, permitindo criar um clima de debate que os motivaria intelectual e emocionalmente, questão na qual acreditávamos já na proposta experimental. Por sua vez, o educador teria mais oportunidade de se aproximar das ideias dos estudantes, na medida em que eles pudessem expressar o que estavam pensando e intervir perguntando, reperguntando, orientando sem julgar, problematizando, socializando e promovendo acordos conjuntos para decidir o que seria escrito. Consideramos que, dessa forma, o professor pode ajudar a turma a entender que o desenvolvimento de um texto requer pensar na melhor maneira de expressar ideias, que não se diz a mesma coisa quando se escreve de uma maneira ou de outra... Compreender o que é escrever escrevendo.

Achamos que a escrita coletiva poderia aliviar a responsabilidade individual, incentivar os alunos a fazer sua palavra ser ouvida e que o envolvimento do professor (usual destinatário) poderia reduzir a ideia de avaliação. Dado que esse texto seria reescrito em um momento avançado da sequência, parecia provável que a proposta também auxiliaria a turma a compreender a natureza temporária.

Alguns progressos

Com base na análise de registros de aula, das produções dos estudantes e de trocas promovidas pelo docente, podemos dizer que o trabalho de escrita não só foi favorecido pela experiência como também se tornou uma ferramenta para facilitar a interpretação do significado que a própria experiência apresenta: qual a finalidade dela? O que eu deveria aprender com ela? Qual relação pode ser estabelecida entre o referencial teórico e o empírico?

Vejamos trechos de registros de uma aula em que ocorre a discussão, durante uma situação de ditado ao professor, sobre quando determinado material (vela) derrete continua sendo cera ou se se transforma em água. O educador recorre ao que foi observado durante uma experiência (referencial empírico) para embasar suas afirmações.

Docente (D): Martín, pode repetir o que disse?

Aluno 1 (A1): Sim, quando esquentamos, o material ficava menor e ia derretendo. Era como se fosse transformado em líquido.

D: E o que você acha do que Martín disse, Seba (A)?

A1: Eu diria que mudou de estado, ficou líquido.

D: Derreteu, mudou de estado, ficou líquido. Como vocês perceberam que mudou de estado, que ficou líquido?

A3: Virou uma aguinha.

D: Quando derreteu, disse Nahuel, virou uma aguinha. Aconteceu isso? Derreteu e virou água?

A: Sim.

A2: O mesmo líquido… O mesmo material, mas todo derretido.

D: O que vocês acham? Estamos vendo se é o mesmo material que virou líquido ou virou água e como vocês perceberam…

A2: Porque dava pra notar.

D: Imaginem que eu não faço ideia de como é o estado líquido. Não sei. Como é algo líquido? Como seria, Sol?

A3: Eu disse porque não tinha forma fixa.

A2: E fica com a forma do recipiente. Não tem forma própria.

D: E por que pensaram que era vela?

A2: Porque parecia com uma vela.

D: E o que fez você lembrar uma vela?

A2: O cheirinho.

D: Sol disse que não tem cheiro.

A: Tem cheiro, sim. Quando esquentamos, o cheiro fica mais forte.

(...)


D: Acho que a Camila está tentando justificar sua ideia. Escutaram por que ela pensou que era vela?

A4: Porque estava sólido e quando esquentaram, derreteu… A vela também derrete quando esquenta. E depois, quando tiramos do fogo, voltou a ser sólido. Ocorre isso com a vela também e com a água, não…

A análise nos leva a interpretar que há um esforço do professor para focar a discussão no referencial empírico e não se contentar com definições duvidosas, como os pedidos que fez para que os estudantes argumentassem: como percebem que algo está líquido, por exemplo. O argumento de Camila para explicar por que não é água líquida é forte: se retiramos o recipiente do fogo, o líquido começa a se transformar em um sólido esbranquiçado. Ela está usando a experiência para pensar e argumentar, questão que aponta para um aspecto central da atividade experimental: usar os dados da observação. "A experiência proposta pode ser uma ferramenta para mostrar a diferença entre descrever e explicar e, assim, compreender as relações entre a experiência e a teoria, questões que, muitas vezes, parecem completamente isoladas e, portanto, distorcidas" (Espinoza, 2010). Entendemos que essas questões, que constituem a aprendizagem de Ciências Naturais, são favorecidas pela necessidade de tomar decisões sobre o que e como escrever. Um aluno (A1) fala "diria" porque o debate se apresenta como uma situação de escrita coletiva. Entendemos, assim, que as condições em que a escrita foi proposta contribuíram para que os estudantes voltassem a pensar na experiência e parassem para refletir sobre os dados que embasam as interpretações, em um ir e vir entre a experiência e a escrita.

1 A pesquisa A Escrita e a Leitura no Ensino de Ciências Naturais e Ciências Sociais é dirigida por Delia Lerner e codirigida por Beatriz Aisenberg. A equipe que lida com o estudo de Ciências Naturais é formada por Adriana Casamajor, Egle Pitton, Silvina Muzzanti, Cecilia Acevedo, Cynthia Aziz, Carolina Lifschitz e Patricia Luppi e coordenada por Ana Espinoza.

2 A sequência foi criada para o ensino do conceito de descontinuidade da matéria para alunos de 12 e 13 anos que nunca haviam recebido Educação formal sobre o tema. Propõem-se a realização da experiência e a leitura de textos sobre esse campo, além das mais variadas situações de escrita mencionadas. Mais informações sobre a sequência podem ser encontradas em Espinoza e outros (2009). 

3 Destacamos em negrito a situação que no contexto da sequência que envolve várias situações de escrita selecionamos para desenvolver.

Bibliografia

- Aisenberg, B. e Lerner, D. (2008). Escribir para aprender Historia, em Lectura y Vida, Revista Latinoamericana de Lectura. Ano 29. Nº 3. P.24-43.

- Espinoza, A., Casamjor, A. e Pitton, E. (2009). Enseñar a leer textos de ciencias. Buenos Aires: Editorial Paidós.

- Espinoza, A. (2010). Ciências na escola. Novas perspectivas para a formação dos alunos. São Paulo: Ática.

- Torres, M. e Larramendy, A. (2009). "El papel de la lectura en la construcción del conocimiento histórico"; palestra. Universidade Nacional de Comahue.

- Vérin, A. (1995). Mettre par écrit ses idées pour les faire évoluer en sciences, em Revista Repères. Nº12 INPR. Paris.

- Vérin, A. (1998). Appendre a ecrire pour aprendre les sciences, em Revista Aster. Nº6. Paris.

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