Por que estamos discutindo mal o caso do Colégio Goyases
Para pesquisadora, reduzir a tragédia a explicações simplistas não ajudará a resolver problemas no ambiente escolar
POR: Caroline MonteiroUm adolescente de 14 anos, a arma da mãe, uma escola particular em Goiânia, dois colegas mortos, quatro feridos. Esses são os componentes da tragédia que assustou o Brasil na última semana. Na internet e na mídia tradicional, não faltam tentativas de encontrar um culpado. Há versões responsabilizando a escola, a família do atirador e também o menino que levou o primeiro tiro.
De acordo com a professora Telma Vinha, do Grupo de Estudo e Pesquisa em Educação Moral (Gepem), da Universidade de Campinas (Unicamp), a simplificação da tragédia como se fosse a sinopse de um filme não acrescenta nada à discussão sobre bullying nas escolas. "Há uma série de equívocos e abusos nas teorias sobre o caso. Não dá para fazer qualquer julgamento sobre o que de fato aconteceu, porque as informações ainda são parciais e reduzidas", diz.
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O primeiro passo seria pensar que o caso poderia ter acontecido com qualquer família e em qualquer escola, uma vez que um fato como esse sempre tem múltiplas causas. "É uma somatória de circunstâncias que levaram o menino a atirar, que vão desde a forma como ele pode ter lidado com conflitos familiares ao longo da vida até possíveis transtornos psicológicos. O bullying seria o gatilho", diz.
Veja abaixo uma análise da pesquisadora sobre como o caso de Goiânia poderia ser tratado.
1) A polarização é prejudicial
Para Telma, a discussão rasa que busca respostas reducionistas mostra uma visão muito limitada de um problema que é extremamente complexo. "Das discussões nas redes sociais nascem soluções simplistas, que não vão ter efeitos. O discurso de ódio acaba prevalecendo. A raiva aumenta", diz a especialista.
Segundo ela, é essencial que se compreenda o problema em toda a sua profundidade. Essa visão implica em ações sistêmicas que não são a curto prazo. "Tem que olhar para o lugar. O que ele está indicando? Por que a escola não está dando conta? Nós já tivemos o caso de Realengo, que também tinha o bullying como fator. Ou seja, a polarização é muito danosa."
2) A escola nem sempre sabe do bullying
O desconhecimento entre os gestores e professores pode acontecer porque o bullying é feito sem que eles vejam. Os adultos inibem a prática apenas quando estão por perto, mas ela acontece escondido. "Os colegas assistem, e os autores do bullying se sentem poderosos com isso. Traz status", diz Telma.
Por isso, a intervenção de um adulto funciona pouco. "Na visão dos jovens, levar o problema para os professores ou gestores só piora a vida deles. Por mais boa vontade, falta boa formação na equipe. Estudos mostram que a intervenção dos pares é 70% mais eficaz que a dos adultos", diz. Segundo Telma, é por isso que projetos antibullying, palestras esporádicas, criação de regras e punições tendem a não resolver. "As escolas ainda não estão preparadas. Elas precisam de muito mais cuidado", diz a especialista.
3) Como inibir o bullying com apoio dos colegas
Primeiro, são necessárias atitudes preventivas como compromisso coletivo. Os adolescentes que presenciam o bullying têm capacidade de ajudar psicologicamente o alvo das agressões e também de desestimular os ofensores. É um trabalho baseado no coleguismo e na amizade.
Por isso, não só a formação dos professores é importante. É necessário treinar e habilitar adolescentes que podem servir de ponto de apoio na escola. "São os alunos nos quais os outros estudantes mais confiam. Eles podem passar por formação com especialistas para desenvolver técnicas de empatia para prevenir e identificar problemas", diz Telma.
A pesquisadora explica que, quando se tem um grupo de ajuda eficaz, nem todas as situações precisam ser relatadas à direção. "Casos mais graves como abuso sexual, risco de suicídio, ameaça de violência ou envolvimento com drogas devem ser passados para um adulto, mas outros casos, como xingamentos, podem ser resolvidos e inibidos pelos próprios alunos, desde que eles tenham preparo", explica. "As escolas precisam proporcionar esse espaço de discussão, dar abertura para que haja cuidado com o outro. Um jovem que quer se automutilar não conta para a escola, conta para o colega. E esse colega precisa estar preparado para agir, para ajudar, para direcionar a orientação."
4) Papel da família
No caso do Colégio Goyases, Telma considera que a família tem um papel importante, pois não se sabe, por exemplo, se a violência era algo valorizado na casa do agressor e por qual tipo de conflitos familiares ele passou. São questões que podem ter influência no comportamento do jovem.
No entanto, apesar de muitas vezes os pais ou responsáveis terem algum tipo de influência, a escola não pode transmitir a eles toda a responsabilidade. "Tudo acontece no ambiente escolar. E a resposta também. Ele não atirou na rua, em um restaurante. Ele atirou na escola. Essa atitude tem um significado."
É por esse motivo que o olhar da escola tem que ser tão atento, inclusive para identificar a existência de questões familiares. "É delicado quando a escola aborda uma criança que tem transtorno com a família, mas isso precisa acontecer. Tem que ter sensibilidade", diz Telma. "O professor é capaz de perceber a mudança de comportamento, a alteração de humor, o desinteresse nas aulas."
5) Depois da tragédia
O assunto não pode virar tabu, nem no Colégio Goyases nem em outras escolas, que podem usar o caso como início para atitudes antibullying. "Tem que falar francamente com os alunos. Devemos perguntar ‘Será que poderia ter acontecido na nossa escola? Quais fatores levaram a esse fato? Isso ocorre com a gente?’", diz.
Telma defende o diálogo constante, para que toda a comunidade escolar repense a qualidade das relações e crie empatia e confiança. "Não dá para colocar embaixo do tapete. Tem que pensar nas relações de dominação, que geralmente são veladas. Não basta estar atento nem usar discurso de doutrinação, punição. Tem que conhecer, tem que ter instrumento."
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