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"Leciono desde os 14 anos e trabalho para valorizar a cultura indígena"

POR:
NOVA ESCOLA

Silva e dois de seus alunos, um cambeba como ele e outro não indígena. (Crédito: Manuela Novais)

 

Depoimento a Ana Ligia Scachetti

"Nasci em uma comunidade no Rio Solimões e vim com meus pais para a Área de Proteção Ambiental (APA) do Rio Negro em 1991, quando estava na 4ª série. Somos cambeba, e aqui há outras 13 famílias dessa etnia. Como eu era quem tinha um pouco mais de instrução, fui escolhido para ser o professor de 20 crianças.

Procuramos a Secretaria de Educação de Novo Airão, região metropolitana de Manaus, pois nossas casas estão na divisa desse município com a capital. Para poder me remunerar, fizeram um contrato em nome do meu pai até que eu completasse 18 anos. Com 14, passei a lecionar na sala de casa. Ensinava o que havia aprendido.

Algum tempo depois, concluí o Ensino Fundamental e o Médio no Programa de Formação de Professores em Exercício (Proformação). Em 2003, fui contratado por Manaus e fiz a graduação em Teologia, oferecida pelo município para os professores que não tinham Ensino Superior. Já na EM Três Unidos, continuei atuando e começamos a receber mais atenção, com orientações como a valorização da cultura de cada povo e a criação de um Núcleo de Educação Indígena.

Este ano termino mais uma graduação, a de Pedagogia Intercultural Indígena, na Universidade Estadual do Amazonas (UEA). Nas férias escolares, vou para Manaus e estudo dez horas por dia, de segunda a sábado. A maioria dos estudantes é indígena, de etnias diversas. Uma colega que não é indígena escreveu em um trabalho que os índios não têm capacidades e são selvagens. Como ela era do meu grupo, expliquei que estava errada. Hoje ela pensa diferente. Quando eu concluir a Pedagogia, pretendo continuar me aprimorando para ajudar o meu povo.

Hoje, dou aulas para 15 alunos do 3º ao 5º ano, três deles não indígenas. Nossa escola na APA tem boa estrutura e oferece da Educação Infantil ao 5º ano para 30 crianças. Desenvolvemos projetos que valorizam nossa história, as comidas típicas e os modos de caçar e pescar.

Temos um laboratório de informática e usamos a internet para complementar nosso conhecimento. Independentemente da disciplina, o conteúdo é apresentado primeiro em cambeba e depois em português. Todos da minha turma leem e escrevem nos dois idiomas. Os alunos que não são indígenas aprendem do mesmo jeito e, assim, sabem que é preciso respeitar qualquer povo. Já os indígenas estão se preparando para prosseguir os estudos em português no futuro."

Raimundo Cruz da Silva é professor da EM Três Unidos

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