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Jogue fora as regras prontas

O diálogo aberto evita conflitos com a equipe

POR:
Jacqueline Hamine, Karina Padial e Fernanda Salla

Uma lista de 40 regras. Era essa a bagagem que o diretor Adriano Rolindo levava para cada escola que assumia. Na EE Manoel Alexandre Marcondes Machado, em Campinas, no interior de São Paulo, não foi diferente. Em 2007, quando chegou por lá, foi logo despejando esse bando de normas nos professores durante a reunião de planejamento. O texto incluía apagar o quadro antes de sair da classe e planejar as aulas toda semana. Havia até regra sobre as próprias regras: todos deveriam colá-las em seus cadernos. "É cada coisa que a gente faz achando que está acertando, né?", brinca o gestor, hoje ciente de que essa não era a solução para os problemas enfrentados.

Adriano Rolindo, diretor de escola estadual, em Campinas

Na prática, a medida não funcionou. Pior, deixou o gestor com uma imagem ruim diante dos professores. "Quando ele começava a ditar um por um os itens, a gente se entreolhava, pensando que aquilo não tinha condição de dar certo", conta Ligia Regina Giacomello Sobral, educadora do 5º ano. Ao adotar uma nova postura, mais democrática, a relação com os docentes mudou para melhor e o clima na escola também. Até chegar nisso, ele teve de conviver com olhares de reprovação. "Percebia uma oposição velada e conversas de corredor, mas não sabia a causa", conta.

O conjunto de normas não tinha surgido do nada. O diretor havia passado por oito instituições de ensino e acreditava que criar padrões era a forma de lidar com as questões recorrentes. No entanto, a falta de envolvimento da equipe tornava a estratégia frágil. "Reações negativas nem sempre significam resistência. Elas podem surgir quando as pessoas não veem sentido no ato ou se não forem consultadas", diz Antonio Carneiro, mestre em desenvolvimento de recursos humanos pela Universidade de São Paulo (USP).

Durante uma formação sobre Educação em valores, na Federação das Entidades Assistenciais de Campinas (Feac), o diretor refletiu sobre sua prática e entendeu que, para mobilizar os educadores, era preciso envolvê-los nas decisões, levando em conta a realidade da escola. "Dificuldades de comunicação influenciam negativamente a percepção docente sobre o ambiente de trabalho", afirma Ana Cristina Prado de Oliveira, do grupo de pesquisa sobre Gestão e Qualidade na Educação da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Caiu a ficha: o boicote da equipe não era perseguição, mas um descontentamento provocado pela forma inadequada como o processo tinha sido conduzido até então. 

Hoje, o diretor Adriano faz brincadeira com a enorme lista de regras que levava a cada escola

Estudo e trabalho coletivo

O primeiro passo do diretor foi compartilhar com todos o que ele tinha visto na formação. Gestores e professores passaram a estudar, nos horários de trabalho coletivo, textos de especialistas da área de convivência, ética e princípios, como Yves de La Taille, da USP. Em seguida, deram início, junto com o conselho escolar, à elaboração de outro documento norteador de atitudes na escola. Concluíram que as ações não deveriam ser pautadas por regras, mas por valores. "Se balizamos o trabalho no respeito, por exemplo, é desnecessário dizer que o professor precisa organizar a sala após a aula, para que o colega não a encontre bagunçada", exemplifica o diretor. O avanço foi visível e os conflitos na equipe diminuíram.

As regras eram apenas a ponta do iceberg que desencadeou uma transformação na instituição. Segundo Antonio, é importante garantir espaço para que as pessoas coloquem suas angústias e as questões que gostariam de ver atendidas. "Quando identificamos um problema que é coletivo, o levamos para as reuniões, para encontrarmos uma solução em conjunto", diz Adriano. 

 

O que pode gerar conflitos com a equipe 

  • Distanciamento A criação de vínculos de confiança é essencial para um trabalho harmonioso. Organize também encontros  com grupos de docentes e pergunte sobre os desafios que eles enfrentam, como avaliam os últimos meses e o que desejam.
  • Falta de diálogo Quando não há espaço para os professores serem ouvidos, as insatisfações se transformam em fofoca.  Crie formas institucionalizadas de diálogo, como um fórum  virtual, espaço para críticas, sugestões e elogios.
  • Informalidade nas comunicações Decisões informadas pelos corredores são um prato cheio para mal-entendidos. Comunique  as definições em reuniões em que sejam esclarecidas todas as dúvidas, e registre os combinados, para que possam ser retomados.

 

Ele conta que ainda há episódios de atrito, mas, com a nova dinâmica, a resolução é tranquila. No início do ano, por exemplo, por discordar de uma proposta definida na reunião de planejamento, uma professora usou o Facebook para desabafar. A postagem gerou uma discussão acalorada entre os docentes na internet. Então, o gestor reuniu a equipe, retomou a importância do respeito e o combinado de que insatisfações, dúvidas ou sugestões deveriam ser feitas na hora que surgissem. Afinal, as decisões eram tomadas em conjunto e um ponto de vista diferente sobre o tema poderia contribuir para outros encaminhamentos.

Na nova forma de trabalhar, há um esforço para um se colocar no lugar do outro. "Assim, tomamos consciência de nossas atitudes e evitamos cair nos mesmos erros", diz Adriano. O processo exigiu que o diretor reelaborasse seu papel dentro da escola, até, por vezes, contrariando a expectativa dos professores. "Percebia que, ao mesmo tempo que eles não queriam que eu fosse autoritário com a equipe, esperavam que colocasse limites nos alunos. Só que, para o trabalho ser coerente, não dá para ter posturas distintas com os dois grupos." Desse modo, as regras também foram rediscutidas com os estudantes e as punições substituídas por diálogo e sanções por reciprocidade (reparações que fazem o aluno refletir sobre suas ações e propor formas de consertar  os danos causados).

Em conjunto, docentes e gestores substituem as regras por valores para nortear o trabalho

 Hoje, o gestor sempre recebe os novos educadores para um bate-papo, em que compartilha os objetivos do trabalho, as conquistas, os desafios e também ouve o que esperam da escola. "Teve um que desistiu. Disse que não era para ele", conta. Nem todos estão dispostos a adotar a gestão democrática. Mas é preciso continuar tentando. 


Fotos: Marina Pekin

Ilustrações: João Montonaro