O lúdico e lúcido na relação dos adultos com os pequenos
Reflexões de Lino de Macedo
POR: NOVA ESCOLALino de Macedo,
Professor aposentado do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP)
Educar ou cuidar de crianças com menos de 3 anos supõe a intervenção de adultos lúcidos, mas igualmente lúdicos em suas relações com elas. Por que lúcidos e lúdicos?
Lúcidos porque pesquisas indicam que o futuro delas e o da própria sociedade é consequência de como são cuidadas. Crianças pequenas dependem do melhor que os adultos puderem fazer em favor da vida delas agora e amanhã. Bem estimuladas e valorizadas, aprendem e se desenvolvem no ótimo de suas possibilidades. Mas para isso não basta dar comida, cama, banho, remédios e vacinas. Além do nosso amor, elas precisam de tempo, paciência e conhecimento. A rede de cuidados exige esgoto e água tratados, formação e reconhecimento dos educadores e gestores, visitas domiciliares e orientação às mães. Trata-se, portanto, de um projeto complexo e caro. Até mesmo por vivermos um fato aparentemente paradoxal: as famílias têm cada vez menos filhos, mas a sociedade cada vez tem mais crianças para cuidar.
Lúdicos porque é com essa linguagem que melhor podemos nos comunicar com elas. Consideremos dois exemplos: o brincar e o comer. Os pequenos brincam de empurrar, bater, esconder e encontrar, empilhar ou chacoalhar objetos. Se você quiser se deliciar com isso, leitor, procure vídeos no youtube pelas palavras Cesto de Tesouros ou Treasure Basket. Brincando umas com as outras, as crianças aprendem a compartilhar, imitar, medir forças, observar. Mas também precisam brincar com adultos. É com eles que aprendem a sorrir, cantar, ouvir histórias, imitar gestos, conhecer as palavras e os modos de viver em sua cultura.
Um adulto lúdico compartilha seus modos de aprender a conhecer sabores, consistências, temperatura e cheiro e a se alimentar.
Os adultos podem, igualmente, ser lúdicos em situações do cotidiano, como a hora de comer. Para isso precisam enfrentar o desafio de alimentá-las não somente com papinhas manejadas por colheres que só eles sabem usar, e sim propor situações em que a criança explora a comida sozinha. Uma técnica conhecida como Baby-Led Weaning (BLW) oferece os alimentos picados a partir dos 6 meses ao bebê, incentivando sua autonomia durante as refeições. Trata-se de reconhecer que, na sua fase sensório-motora, ele precisa sentir e agir sobre a comida segundo suas próprias possibilidades e interesses. Um adulto lúcido cuida para que a criança esteja bem nutrida. Um adulto lúdico compartilha seus modos de aprender a conhecer sabores, consistências, temperatura e cheiro e a se alimentar.
Situações do cotidiano são excelentes momentos de o adulto conversar com a criança dizendo-lhe o que está fazendo, dando nome para os objetos e as coisas, antecipando ações, enfim, comunicando-se de modo a favorecer o valor da conexão entre os dois. Nessa idade, ela ainda não sabe brincar de faz de conta. Quem faz de conta para ela são seus pais, os educadores e outras pessoas que lhe são caras. Todas essas oportunidades geram o entendimento de que as crianças pequenas podem fazer trocas e ter uma postura ativa.
Sendo lúcidos, os adultos podem agir em nome do que julgam melhor para o desenvolvimento delas. Sendo lúdicos, podem utilizar ou reconhecer um modo de comunicação que entendem e gostam. E entender e gostar é tudo o que precisamos para criar as bases de um futuro com menos ignorância e desgosto.
Foto: Ramón Vasconcelos