Tem uma feira atrás da escola. Vamos lá!
Os estudantes aprenderam sobre relações de trabalho e a trajetória desse comércio popular
POR: Jacqueline Hamine, Beatriz Vichessi e Anna Rachel FerreiraSe você pensa que a feira é só um espaço a céu aberto com barracas que vendem produtos hortifrutigranjeiros, está na hora de ampliar as ideias. Ela é muito mais que isso. Especialmente quando se trata das que ocorrem nas ruas nordestinas, como a Feira Livre do Bugio, na periferia de Aracaju. O espaço ocupado por esse comércio é tão grande que, olhando do início da feira, atrás da EE José de Alencar Cardoso, nem se enxerga o Mercado Municipal Governador Miguel Arraes. São mais de 250 metros, com cerca de 320 barracas, organizadas em três filas paralelas.
PALOMA
Geógrafa licenciada pela Universidade Federal de Sergipe (UFS).
"na faculdade, aprendi que a Geografa só faz sentido em consonância com a comunidade. Gosto de levar a classe para o mundo lá fora, para que os alunos vivenciem a teoria e desenvolvam olhar CRÍTICO."
Para mudar a percepção dos alunos do 7º ano sobre a feira e estudar conteúdos de Geografia, a professora Paloma Santos desenvolveu uma sequência didática. "Trata-se de um ponto rico da cultura popular. Além de vendedores de frutas, verduras, legumes e peixes, tem raizeiros (que comercializam raízes, sementes e folhas medicinais) e cantores", diz Bartolomeu de Souza, professor da Universidade Federal da Paraíba (UFPB).
Os alunos sabiam pouco sobre a Feira Livre do Bugio, apesar de ela ocorrer todos os domingos atrás da escola. E alguns tinham certo preconceito com quem frequentava ou trabalhava no local. "Eles achavam que os vendedores ganhavam 300 reais mensais e que só gente pobre comprava os produtos de lá", ela conta.
Para começar a explorar o tema, Paloma apresentou aulas expositivas sobre feiras livres. À medida que novas informações eram apresentadas, ela procurava fazer a turma refletir. "Por que existem feiras até hoje?" foi uma das questões. A hipótese levantada pela classe era a de que o preço menor que o dos supermercados era o motivo que levava as pessoas a preferirem comprar ali.
Aprender sobre esse tipo de comércio a céu aberto deixou os alunos surpresos e interessados. "Não imaginava que tinha feira na Europa nem que, no passado, a base de negociação era a troca de produtos", diz Lucas da Silva, 14 anos. No decorrer das aulas, os estudantes aprenderam sobre a importância da Feira do Bugio. Muitos não sabiam que ela teve início na rua, na década de 1980, e que o Mercado Municipal Governador Miguel Arraes foi inaugurado em 2005 para acomodar os feirantes. Mas a obra não adiantou por muito tempo: o número de barracas aumentou demais, o prédio ficou pequeno e muitas delas tiveram de voltar a ficar na rua.
Para ampliar a discussão, Paloma convidou os estudantes a pensar sobre uma questão importante e presente no local: o trabalho infantil. É comum ver crianças ajudando nas barracas ou "fazendo carrego", expressão que significa vender produtos no carrinho de mão. Para abordar o assunto, ela apresentou a Constituição Brasileira e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). "É delicado tratar disso, pois é algo tão próximo dos alunos que eles podem considerar normal. É importante apresentar esses acordos sociais, em forma de lei", diz Sueli Furlan, doutora em Geografia Física pela Universidade de São Paulo (USP) e selecionadora da área do Prêmio Educador Nota 10. O trabalho infantil em feiras, assim como em pequenos sítios familiares, foi ponto de destaque porque as crianças não são empregadas nem remuneradas. Elas auxiliam os pais. Porém, ainda podem ser prejudicadas. "A maioria dos feirantes começou na função quando tinha minha idade e acabou não estudando", conta Caroline de Oliveira, 13 anos. Também foi alvo das conversas o trabalho informal: a Consolidação de Leis Trabalhistas (CLT) não regulamenta esses profissionais, já que eles atuam em um comércio informal. Ademais, muitos não têm carteira assinada. "O que isso muda para eles?", perguntou a professora. "Eles ficam sem os direitos", responderam vagamente os alunos, sem saber exatamente o que estavam falando. Ela, então, conversou sobre aspectos garantidos por lei, como licença-maternidade, 13º salário e seguro desemprego.
Por fim, a turma estudou os setores da economia e a relação da cidade e do campo, ligados pela feira. Entenderam que ela faz a produção da zona rural ser vendida na área urbana.
Fotografar e entrevistar para aprender
Depois de muitas aulas teóricas, chegou a hora de a turma visitar a feira. "Na Geografia, o trabalho de campo é método. Por meio dele podemos mergulhar na situação, entender suas especificidades e problematizá-las", diz Sueli. A expectativa era grande. Alguns nunca tinham ido até lá, mas a aluna Larissa Ramos, 14 anos, ajuda a mãe, que é feirante, com a venda de macaxeira, desde os 6 anos. Antes da visita, os alunos fizeram um questionário de entrevista voltado aos feirantes e outro para conversar com os compradores. "É essencial orientar sobre como se portar e se apresentar, o que observar, de que forma anotar e tratar as informações depois", diz Valéria de Marcos, professora de Geografia Agrária da USP.
No domingo marcado, os alunos estavam na rua às 8 horas da manhã. Alguns entrevistaram os fregueses, outros os feirantes. Um terceiro grupo foi designado para fotografar, usando as câmeras dos próprios celulares, cenas que mostrassem o processo de limpeza da rua, as manifestações culturais ocorridas ali e o trabalho infantil.
De volta à escola, as equipes compartilharam impressões e o que tinham descoberto com as entrevistas. Depois, os estudantes fizeram desenhos que representavam o que haviam visto na Feira Livre do Bugio. "Esse tipo de atividade é uma oportunidade para estudar cartografia. O professor pode trabalhar com a padronização e sugerir que sejam criados símbolos e legendas", explica Valéria. Eles também elaboraram uma encenação sobre a feira e relatórios com os dados coletados, como a faixa salarial dos trabalhadores.
Além de tantas aprendizagens, a garotada passou a compreender o papel que cada um pode exercer no entorno. "Quando entendemos o que acontece a nossa volta e mostramos para as outras pessoas, podemos ajudar a melhorar a situação das coisas. Há muito o que mudar na feira, como a limpeza da rua", diz a estudante Larissa.
Fotos: Roberto Schmalb