Bettina Hannover fala sobre gênero e aprendizagem
Psicóloga e docente da Universidade Livre de Berlim, pesquisa as diferenças entre os sexos nas escolas e afirma: "É simplista dizer que o gênero explica o sucesso de um aluno"
POR: Wellington Soares, NOVA ESCOLAMeninos têm desempenho superior em Matemática e meninas se saem melhor nas tarefas e avaliações de Língua Portuguesa. Eles manuseiam ferramentas e objetos com maior destreza enquanto elas são mais dedicadas e caprichosas. Mesmo quando não verdadeiros, esses estereótipos podem ter grandes impactos na aprendizagem. De acordo com as pesquisas da alemã Bettina Hannover, a postura dos professores perante os sexos pode ser decisiva para que os estudantes tenham melhor ou pior aproveitamento escolar. "O comportamento de cada um é profundamente influenciado pelas expectativas que são depositadas nele pelos educadores. Em muitos casos, elas são moldadas pelo fato de se tratar de um garoto ou então de uma garota", explica ela. Para superar o estereótipo, é preciso sensibilidade dos docentes. Entender as questões de gênero dentro e fora da escola, engajar-se no assunto e, principalmente, refletir sobre a própria prática ajudam a garantir que ambos os sexos tenham oportunidade de aprender.
Realmente existem diferenças no desempenho de meninos e meninas em relação aos conteúdos escolares?
BETTINA HANNOVER Ao analisar dados como os do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), vemos que há uma tendência muito leve de os garotos se saírem melhor em Matemática. Mas os resultados variam de acordo com o país. Há lugares em que as diferenças são inversas e outros em que nem existem. O interessante é observar que, apesar da disparidade quase inexistente em determinados locais, a percepção dos estudantes a respeito do assunto é diferente: as garotas acreditam ser muito piores em Matemática do que os dados revelam e o mesmo acontece com os garotos no que diz respeito à leitura.
De onde surgem as percepções que os estudantes têm sobre si mesmos?
BETTINA As expectativas e os estereótipos que os professores carregam têm um papel importante e muitas vezes são transmitidos aos alunos sem que eles percebam. Uma atitude bem intencionada, como oferecer ajuda extra às meninas em uma aula de Matemática, pode resultar uma menor confiança delas no conhecimento que têm do conteúdo. Isso explica, em parte, as diferenças de desempenho: é comum que os estereótipos influenciem a ponto de os estudantes se saírem pior em uma avaliação do que poderiam.
Além da postura docente, que elementos impactam nos resultados da garotada?
BETTINA Os conhecimentos adquiridos pelas crianças fora da escola já são diferentes por causa da postura da sociedade. É comum que as meninas tenham aprendido mais sobre comportamento desde a infância, enquanto os meninos estejam ligados mais ao manuseio de ferramentas, por exemplo. Essas bagagens diferentes explicam facilidades ou ansiedades que cada um tem em relação a cada conteúdo abordado em classe.
Quais outros estereótipos estão presentes na escola? Algum é alvo de suas pesquisas?
BETTINA São muitos e se revelam das mais variadas maneiras. Por exemplo, quando se diz que as garotas têm mais talento para as artes ou que os meninos são melhores em esportes. Agora estou estudando como os garotos se tornaram um grupo discriminado em classe, devido à ideia antiga de que não são tão aplicados e caprichosos quanto as garotas. Descobri que, na verdade, é comum que eles aprendam em casa menos sobre essas habilidades e cheguem à escola menos preparados para lidar com o próprio aprendizado.
Como agir com essas diferenças para garantir que todos aprendam?
BETTINA O melhor caminho é oferecer compensações, ou seja, tentar neutralizar as diferenças originadas fora da escola. Por exemplo, instruir os meninos sobre como organizar as tarefas e estudar para as provas e dar às meninas oportunidades para lidar com ferramentas e outros objetos com os quais habitualmente não têm contato. Essas estratégias precisam ser precedidas de um processo de sensibilização do professor para questões de gênero. Ele tem de estar seguro da necessidade dos conhecimentos básicos serem passados a todos independentemente do sexo. É necessário, também, estar atento para identificar as diferenças que precisam ser trabalhadas.
Não se corre o risco de um tratamento diferenciado para neutralizar as diferenças acentuá-las ainda mais?
BETTINA É um paradoxo. Ao se conscientizar das diferenças, é possível contribuir com o aumento delas, principalmente se são mencionadas o tempo todo. O ideal é ter um professor sensível a elas e que evite acentuar os estereótipos. Ele deve focar na individualidade dos estudantes, não nos grupos. Cada um é mais do que o gênero a que pertence e a aprendizagem é influenciada por muitos fatores. É simplista dizer que o gênero explica o sucesso de um aluno.
Como saber se o docente está dando um tratamento justo a todos os estudantes?
BETTINA Existem pequenas reflexões que podem ser feitas cotidianamente. Ao final do dia, por exemplo, o docente pode se questionar quantos meninos e meninas ele chamou para participar da aula. Os garotos participam mais da parte de Matemática e as garotas da de leitura? É importante também pensar sobre a linguagem usada com a classe, se a rigidez é igual com os dois grupos e se os modelos apresentados reproduzem estereótipos de gênero. Outro exercício interessante é listar as profissões a que ele prevê que cada criança vá se dedicar na idade adulta. Analisando as próprias respostas, é necessário refletir: quantas meninas ele colocou em profissões tipicamente masculinas? Com base em tudo isso, às vezes descobrimos preconceitos que nem imaginávamos ter.
Há uma faixa etária com a qual seja mais apropriado discutir questões de gênero?
BETTINA O assunto pode ser discutido sempre que surgir oportunidade. Com crianças pequenas, ao falar de profissões, por exemplo, o educador pode perguntar quem conhece mulheres que são médicas e homens enfermeiros - carreiras geralmente consideradas mais masculinas e femininas, respectivamente. Mas é notório que os alunos no início da puberdade estão mais abertos para discutir e pensar a respeito disso.
Em desenhos animados e contos de fadas muitas vezes os gêneros são representados de maneira conservadora. Como lidar?
BETTINA É verdade que boa parte da produção cultural infantil apresenta pontos de vista antiquados. Diversas pesquisas mostram que isso pode afetar a construção de identidade das crianças. Mas, justamente por isso, é ótimo usar esse material para abordar o tema. Por que não discutir o porquê das princesas sempre estarem esperando a chegada de um príncipe encantado?
Nos momentos de brincadeira, é comum que os garotos se unam, tal como fazem as garotas. Essa separação é problemática?
BETTINA É natural que aconteça, por exemplo, quando eles brincam de carrinho e elas de boneca. Isso acontece em muitos países. O professor deve garantir, então, que haja convívio entre os dois grupos, sugerindo agrupamentos mistos e propondo atividades interessantes para ambos os gêneros. Além disso, o educador também pode sugerir aos meninos que participem de brincadeiras típicas de meninas. É possível que eles estranhem ou reclamem. Caso respondam algo como "ah, mas isso é uma brincadeira de menina!", é papel do docente conversar com a turma sobre os porquês dessa opinião e tentar desconstruí-la. Outro ponto vital para romper a dualidade é o próprio docente se engajar em ações não características ao gênero a que pertence. Quando uma professora joga futebol ou um professor realiza atividades manuais, por exemplo, mostra às crianças e aos jovens que todos podem fazer essas atividades.
Tags