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Livro não precisa ter uma moral

Para especialista, literatura deve provocar em vez de dizer o que é certo ou errado

POR:
Bruna Escaleira e Lívia Perozim

MARÍA TERESA ANDRUETTO

Premiada escritora argentina, autora de Por uma Literatura sem Adjetivos. Dedica-se à formação de educadores em literatura e de leitores

Qual o papel da literatura infantil?

MARÍA TERESA A literatura deve provocar, e não nos dizer o que é certo ou errado. Quando ela não se torna apenas um instrumento da moral, da Educação ou de qualquer outra área da cultura, pode oferecer um espaço de liberdade para nos encontrarmos com nós mesmos. Isso vale para adultos e crianças. Quando professores e pais assumem um papel paternalista, como mediadores da leitura, eles tornam as crianças dependentes de ideias sobre o que é bom, mau ou o que deveriam aprender com um texto. É a leitura desinteressada que faz com que aprendamos.

 

A literatura deve promover um aprendizado de modo direto?

Não, para isso temos todas as outras disciplinas. O objetivo da literatura é fazer com que nos encontremos com nós mesmos e, ao mesmo tempo, distanciar-nos de nós mesmos para ver como é o mundo do ponto de vista dos outros.

 

Por que não devemos buscar um sentido único ou a moral de uma história?

Não sou totalmente contra contos com moral da história, se eles têm um trabalho de linguagem rico e aberto a sugestões. Contos e fábulas baseadas nesse tipo de moral sobrevivem até hoje devido à qualidade literária inquestionável. Reprovaria livros que, sem essa riqueza de linguagem, constroem histórias superficiais e maniqueístas para facilitar a vida do leitor.

 

Quais as características de uma boa obra? E de um bom leitor?

Um bom livro fica em nossa memória e não se basta em uma só leitura. Já um bom leitor se faz com todo tipo de materiais, bons ou não. Ele precisa de diversidade e livros de qualidade que elevem o nível do que ele considera bom, porque, à medida que se lê mais, melhor será a leitura.

 

Como o professor pode explorar a literatura com os alunos?

Penso que se pode criar na escola um espaço-tempo dedicado exclusivamente à leitura. Um lugar onde se possa oferecer livros de diferentes características, estilos, gêneros e qualidades. Esse espaço deve estar separado do ensino de língua, e as leituras devem ser orientadas com base no interesse dos alunos. Pode ser que, com essas leituras, surjam atividades e se produzam textos ou imagens. O eixo, porém, é sempre a leitura.

 

Como a escrita pode ser trabalhada?

É interessante fazer oficinas de escrita criativa sem o objetivo de criar textos utilitários, mas textos literários. Ao soltar a imaginação, o aluno pode conhecer a si mesmo e a sua história. Nas regiões mais pobres, é especialmente importante. Os que menos têm são os que menos falam. Ao dar a palavra a crianças e adolescentes carentes, eles podem sentir o que aconteceu com eles e perceber o valor do que eles sentem no outro. Descobrir isso é possível pelo caminho dos livros.


Ilustração: Willian Santiago