Direito à língua materna
Para ler e escrever em paiter-suruí, os alunos criaram seu próprio material de estudo
POR: Beatriz Vichessi, Maggi Krause e Victor MaltaE la se deparou com uma situação delicada: os livros didáticos entregues na EIEEFM Sertanista Francisco Meirelles, na zona rural de Cacoal (RO), chegaram em português - que seus 15 alunos indígenas não dominavam. Para contornar a situação, os estudantes foram desafiados a produzir o próprio material didático. "Planejei alfabetizá-los em paiter-suruí com base na produção deles", conta a professora Elisângela Dell-Armelina Suruí. As crianças escolheram itens do cotidiano da aldeia para representar as letras do alfabeto. Ao ler, escrever e ilustrar o livro, além de traduzi-lo para o português, todas avançaram em suas hipóteses de escrita nos dois idiomas. A ideia impressionou Miruna Kayano, selecionadora do Prêmio Educador Nota 10. "As crianças pesquisaram o significado e a história de cada palavra. Com isso, o projeto valorizou o uso dos termos da cultura indígena", diz ela.
Com idades variadas e cursando do 1º ao 5º ano, as crianças tiveram assegurado o direito de aprender a própria língua, ao mesmo tempo que registravam suas pesquisas sobre temas como nahd omãh nãh (quem sou eu) e adoh (cesta paiter). Tal qual defende Emilia Ferreiro, Elisângela encarou a diversidade como vantagem pedagógica. "Os mais velhos foram desafiados a compor textos e organizar os saberes para trabalhar com os mais novos, que começaram a reconhecer letras, sons e palavras", explica a alfabetizadora.
PARA FAZER UM MATERIAL DIDÁTICO
As ações desta turma multisseriada podem inspirar a sua prática
PESQUISAR
Os alunos escolhem termos diversos e de uso comum e consultam a família e os sabedores (mais velhos) para descobrir a história por trás de cada palavra.
SOCIALIZAR
De volta à sala, trocam ideias com os colegas sobre as descobertas.
ESCREVER
Alunos do 4º e 5º anos produzem textos e ajudam a mediar a aprendizagem dos colegas em fase de alfabetização.
ILUSTRAR
Todos se dividem na tarefa de representar as palavras com desenhos, respeitando os talentos.
ORGANIZAR
Considerando colegas surdos de outras aldeias da etnia, os alunos inserem no material o sinal de Libras para cada figura e letra do alfabeto. Tudo é reunido em uma pasta para formar o livro.
Foto: THIAGO FLOR