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O advogado que está levando a Constituição para a sala de aula

Felipe Costa Rodrigues Neves queria ser voluntário na Educação pública. Ele acabou criando um projeto de cidadania reconhecido até por Barack Obama

POR:
Pedro Annunciato
Felipe Costa Rodrigues Neves, advogado e criador do projeto Constituição na Escola   Foto: Divulgação

O advogado Felipe Costa Rodrigues Neves, 28 anos, não tem preguiça de jornada dupla. Durante o dia, ele é o especialista em direito comercial do escritório de advocacia Lobo & de Rizzo, em São Paulo. Fora do expediente, é o Fundador e Presidente do projeto Constituição na Escola, que só este ano pretende alcançar 20 mil alunos de Ensino Médio – a maior parte na rede estadual paulista, onde tudo começou.

E tudo começou pequeno. Em 2014, quando ainda se formava em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Felipe desejava fazer algum trabalho social. “Não pensava em um projeto, ainda. Eu queria ser voluntário, mas não sabia exatamente como”, conta ele. Um dia, a diarista que trabalhava na casa dele teve que levar a filha para passar o dia lá porque a escola em que estudava estava sem aula.

Felipe, então, teve a ideia de ligar para a diretora e se oferecer para dar algumas aulas. O assunto? A Constituição Federal. Era o livro que ele tinha em mãos e que dominava. “E a resposta dos alunos às discussões sobre direito e cidadania foi muito legal. Foi aí que eu decidi estruturar um projeto”.
Felipe procurou o desembargador Antonio Carlos Malheiros, seu professor na PUC, e pediu que ajudasse na criação de um material didático e de um plano de aula que fossem tecnicamente corretos e, ao mesmo tempo, com uma linguagem próxima dos jovens.

Com tudo pronto, o advogado começou a ligar de escola em escola de Ensino Médio na região em que morava. Foram mais de trinta telefonemas, até que na EE Ministro Costa Manso, no Itaim Bibi, do outro lado da linha, ele encontrou o coordenador pedagógico Marcelo de Oliveira Léo.

Professor de Matemática e Física de formação, Marcelo desconfiou um pouco. “Abrir para alguém que bate na sua porta e você não conhece é difícil. Mas resolvi recebê-lo e fiz uma entrevista, na qual ele me explicou o que pretendia”, lembra Marcelo.

Quando o ex-presidente Barack Obama veio ao Brasil, em 2017, fez questão de se reunir com 20 jovens líderes para oferecer apoio de sua fundação. Felipe Neves é um deles     Foto: Arquivo Pessoal/Fundação Obama


Crescimento, prêmios e Obama

A fórmula criada por Felipe consiste em uma aula semestral em turmas do 3º ano, que pode durar de uma a três horas – dependendo da disponibilidade de tempo dos alunos. Ele começa apresentando conceitos básicos que aparecem na Constituição, como direitos e garantias individuais, e depois amplia a discussão para temas atuais, como racismo, combate à violência e liberdade de expressão, à luz dos artigos da Carta.

Os alunos podem expressar suas opiniões livremente, enquanto Felipe conduz a conversa. No ano passado, por exemplo, um dos assuntos mais presentes foi o conflito entre a gestão do prefeito de São Paulo, João Dória (PSDB) e os grafiteiros e pixadores. Afinal, de qual lado da briga estava a Constituição? “Procuramos sempre apresentar os argumentos de ambos os lados e fazemos com que os alunos reflitam sobre eles e formem suas convicções”, pondera Felipe.

O sucesso entre os alunos foi grande. “Depois das aulas, os alunos cercavam o Felipe para conversar, tamanho o interesse no assunto”, diz Marcelo. Aos poucos, o projeto foi crescendo.

No final de 2016, Felipe foi convidado para ir aos Estados Unidos receber o prêmio da Young Leaders of the Americas Initiative, programa criado durante o governo do presidente Barack Obama que pretende apoiar jovens lideranças que geram impacto social.
Quando voltou ao Brasil, o advogado sentia que era a hora de dar um salto. Ele tinha visto que, nas escolas americanas, aprender sobre direito e cidadania era assunto obrigatório, e que os alunos conseguiam debater assuntos complexos em alto nível.

Felipe recrutou mais quatro colegas e, com a ajuda de Marcelo, abriu portas em pelo menos mais seis escolas da região. O grupo realizou a primeira Olimpíada da Constituição, que premiou jovens que passaram por provas de produção de texto e de perguntas e respostas. No ano passado, mais um prêmio: o Innovare, concedido pelo Supremo Tribunal Federal à iniciativas inovadoras no campo do direito.

E foi também em 2017 que Felipe teve a oportunidade se reunir com o próprio Obama, na visita que fez ao Brasil, para falar do projeto. Com isso, Constituição na Escola ganhou recursos e ainda mais fama.

O impacto

Apesar de ficar em uma região mais abastada de São Paulo, a EE Ministro Costa Manso atende alunos de diversas regiões, especialmente da periferia da cidade, como Paraisópolis e Capelinha, na zona sul. “Muitos deles são da primeira geração da família que chega à escola e desconhecem seus direitos”, conta o coordenador Marcelo Léo.

Os temas do projeto, que se estendem principalmente nas aulas de Sociologia e Língua Portuguesa, têm incentivado uma maior participação dos adolescentes na vida escolar. As salas possuem lideranças que participam das decisões tomadas pela gestão, em reuniões periódicas para as quais todos são convidados. Além disso, o grêmio estudantil se fortaleceu e conta com mais de 20 alunos. “Eles passaram a reivindicar mais melhorias, a falar mais dos incômodos, e nós procuramos ouvi-los”, diz o gestor.

“A meu ver, a escola precisa formar o cidadão, não só preparar para o vestibular. Conhecer, discutir os próprios direitos é uma informação que ajuda o jovem a entender o papel dele na escola e na sociedade”, explica Felipe.

Agora, o desafio é levar o mesmo modelo para mais cem escolas no estado e para cidades como Rio de Janeiro e Salvador. E, segundo o site da organização, já são 31 colaboradores voluntários para essa missão. Para quem saiu de casa só com a Constituição nas mãos, Felipe foi longe e acabou por criar um projeto grandioso que coloca a cidadania na formação dos jovens.

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