De acordo com a Base Nacional Comum Curricular,
a Educação Física é o componente curricular que tematiza as práticas corporais em suas diversas formas de codificação e significação social, entendidas como manifestações das possibilidades expressivas dos sujeitos, produzidas por diversos grupos sociais no decorrer da história. (BRASIL, 2017, p. 213)
Sendo assim, entendemos que o movimento humano se relaciona com a cultura corporal, não sendo apenas um fim nele mesmo. A Educação Física na escola, como uma prática corporal, permite que o estudante experimente as vivências corporais por meio do movimento.
Desse modo, é possível “assegurar aos estudantes a (re)construção de um conjunto de conhecimentos que permitam ampliar sua consciência a respeito de seus movimentos e dos recursos para o cuidado de si e dos outros e desenvolver autonomia para apropriação e utilização da cultura corporal de movimento em diversas finalidades humanas, favorecendo sua participação de forma confiante e autoral na sociedade” (BRASIL, 2017, p. 213). A BNCC enfatiza a importância de fazer uma diferenciação entre jogo como conteúdo específico e jogo como ferramenta auxiliar de ensino.
Huizinga (2007) nos apresenta o jogo como um elemento da cultura humana que possui algumas características, como apresentar uma intenção lúdica e um fim em si mesmo; ocorrer dentro de certos limites de tempo e espaço (ou seja, ter início, meio e fim e organização espacial estimulada); ser um fenômeno cultural, que pode ser conservado e transmitido por gerações; organizar-se em regras e com resultado estabelecido, seja vencedor, perdedor ou empate.
Já Freire (1991), apresenta a categorização do jogo, baseado em Piaget, como jogo de exercício, de símbolos e de regras. Entende-se como jogo de exercício aquele onde a ação motora se constitui como atividade central. O jogo simbólico caracteriza-se pela possibilidade de se realizar tudo através do faz de conta. E o jogo de regras é considerado a forma mais evoluída de jogo, porque se apresenta com regras e é marcado pela competição.
Nesta sequência didática que apresentaremos a seguir, focaremos na experimentação das habilidades locomotoras, que são “aquelas nas quais o corpo é transportado em uma direção vertical ou horizontal de um ponto para outro” (GALLAHUE; DONNELLY, 2008, p. 57). Exploraremos, junto com os estudantes, os jogos de perseguição, que são muito comuns na infância e, provavelmente, nos momentos de recreio dos estudantes na escola. Os jogos de perseguição apresentam uma característica básica: a presença de, ao menos, um jogador que faz o papel de perseguir, e, pelo menos, um jogador que faz o papel de fugitivo.
Os jogos do contexto comunitário
Entendidos também como jogos populares, pois se inserem no contexto comunitário, eles possuem como objeto principal perpetuar as manifestações culturais passadas de geração em geração e que fazem parte da história de uma família, de um povo, de um determinado local ou de uma determinada cultura. Vivenciar esta prática corporal permite valorizar a história e a cultura de origem, resgatando os conhecimentos historicamente adquiridos e permitindo que as gerações futuras façam uso deste patrimônio, não deixando que ele caia no esquecimento.
Cumpre destacar que os jogos populares vivenciados pelos estudantes nos dias atuais muitas vezes não são mais os mesmos que seus pais ou avós praticavam. Reconhecer a valorização do patrimônio cultural do jogo é importante, mas aqui também cabe uma valorização das práticas atuais realizadas por nossos estudantes, que, também, um dia, farão parte da história. Não cabe a nós eleger os jogos tradicionais como os melhores, e minimizar os jogos culturais praticados por nossos estudantes nos dias atuais como se fossem de menor importância. Cada prática faz parte de um determinado tempo, uma determinada história, e isso é importante de ser enfatizado com toda a turma.
O jogar na escola: considerando os espaços e tempos
O jogo na escola geralmente cumpre um papel apoiador para outras práticas e objetivos pedagógicos. Ele é aliado nos processos mais diversificados como ferramenta de aprendizado, como, por exemplo, jogos que auxiliam no processo de alfabetização, letramento e matemática. Não podemos deixar de lado o caráter intencional destas práticas pedagógicas, que são extremamente importantes, pois o uso do lúdico favorece a aprendizagem. Porém, neste plano de aula, nosso objetivo é valorizar o jogo como um patrimônio cultural da humanidade, sem a intenção de utilizá-lo como um recurso para outros fins e, sim, como uma prática corporal com amplo reconhecimento cultural.
Dessa maneira, julgamos necessária a valorização dos espaços e tempos de jogar na escola. Muitas vezes as aulas de Educação Física são o único tempo disponível para esta prática corporal ser experimentada pelos estudantes. Entendemos aqui que o jogo pode ser explorado nos mais diversos tempos e espaços, e estes momentos precisam ser mais possibilitados nas escolas, evidenciando o caráter lúdico desta vivência corporal.
O jogar: as habilidades motoras e capacidades físicas
Para a utilização dos gestos motores na prática corporal dos jogos, utilizamos as habilidades motoras, que são a capacidade que temos de movimentar o corpo. São três: habilidades motoras de locomoção, habilidades motoras de estabilização e habilidades motoras de manipulação.
Sobre atividades de locomoção, temos, por exemplo, o correr e o saltar. Essas habilidades são muito utilizadas nos esportes e nas brincadeiras. Já nas habilidades de estabilização, temos o equilibrar-se e o rolar. Nas atividades de ginástica e brincadeiras, utilizamos bastante esta habilidade. E nas habilidades de manipulação, temos o receber, o arremessar, o quicar, o rebater e o chutar. Essas habilidades estão presentes na maioria dos esportes. Nas brincadeiras, por exemplo, a queimada é um jogo em que utilizamos o arremessar.
Gallahue e Donnelly (2008, p. 52) descrevem a habilidade motora como uma série de movimentos “realizados com exatidão e precisão”. Ainda, para os autores, “uma habilidade motora fundamental é uma série organizada de movimentos básicos que implica a combinação de padrões de movimento de dois ou mais segmentos do corpo. Habilidades motoras fundamentais podem ser caracterizadas como movimentos de equilíbrio, locomotores e manipulativos”.
Um ponto de atenção que gostaríamos de colocar é que o objetivo principal do conhecimento dos estudantes a respeito das habilidades motoras não é o fato da execução perfeita dos movimentos, visto que, dentro de uma mesma turma, temos níveis diferentes de desenvolvimento. O que precisa ficar claro para os estudantes aqui é o reconhecimento das habilidades motoras e o uso que poderá ser feito com elas, nas atividades cotidianas, identificando que os jogos que experimentarão poderão estimular estas habilidades, além do simples fato de vivenciar a prática corporal. Fique atento a esta premissa, para que, no momento avaliativo, você não use critérios que acabem por discriminar os estudantes mais habilidosos dos menos habilidosos.
O jogar: as diferenças individuais de desempenho
As diferenças individuais e de desempenho, durante as experimentações de jogos, podem ficar mais evidentes entre os estudantes. Podem surgir problematizações a respeito dos estudantes mais habilidosos ou menos habilidosos e é importante estar atento e estimular os estudantes a respeitarem estas diferenças. Além de características relacionadas à habilidade dos estudantes, podem surgir ainda questões a respeito dos estudantes com mobilidades reduzidas, dificuldades de compreensão, e comparação de desempenho entre meninos e meninas.
Julgamos que cumpre às aulas de Educação Física propor reflexões aos estudantes sobre a participação de todos nas práticas corporais, independente das características de cada um. Proponha aos estudantes a reflexão a respeito da importância das habilidades motoras e das diferenças individuais e de desempenho entre meninos e meninas. Dowling (2001, apud SCHWENGBER, 2009, p. 1) acredita que “os profissionais da educação e da Educação Física desempenham papéis extremamente importantes para essa compreensão”.
As diferenças no desempenho motor entre meninos e meninas, habilidosos e menos habilidosos, continuarão a existir enquanto não problematizamos velhos preconceitos, e cabe à Educação Física ser um agente incentivador deste diálogo e compreensão.