"A Constituição Federal deve nortear a nossa vida"
Como um projeto criado pelo advogado Felipe Neves e premiado pelo Ministério da Justiça e pela Fundação Obama está tentando transformar a realidade dos jovens a partir da Carta Magna
POR: Felipe Neves
Em 2018, a nossa Constituição Federal comemora 30 anos de existência, mas qual o papel dela na vida do jovem brasileiro?
Eu conheci a Constituição Federal em 2009, quando entrei na Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica (PUC), em São Paulo. Com 21 anos, nosso relacionamento ainda era tímido nessa época: tinha que estudar alguns artigos, ler conceitos, mas nada que chegasse a mudar a minha vida.
Até que em 2014, já trabalhando em um grande escritório de advocacia, fiquei sabendo de uma escola pública que não tinha professores suficientes para manter os alunos nas salas de aula. Os pais tinham medo que, por causa disso, seus filhos ficassem nas ruas e se envolvessem com drogas e com a criminalidade.
(A Constituição Federal, em seu artigo Art. 205, diz que a educação é um direito de todos e dever do Estado. Como pude ver ao longo dessa jornada, não foi a primeira e nem será a última vez em que algo está previsto na Constituição, mas não acontece na prática.)
Diante desse cenário da falta de professores, eu tinha duas opções: (i) escrever algo nas redes sociais, afinal é muito comum as pessoas acharem que apenas falar sobre um problema social ajuda a resolvê-lo; (ii) tomar a iniciativa e fazer algo a respeito. Decidi escolher a segunda opção.
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Entrei em contato com a escola pública em questão e me ofereci para dar aula como voluntário, no horário em que precisassem. A direção da escola aceitou e lá fui eu. Decidi explicar como funcionavam as leis do nosso país, com enfoque na Constituição Federal, que serve como base para todas as outras leis e que quase sempre é foco de discussão nos jornais e na televisão. A ideia era explicar em linhas gerais como funcionavam o nosso governo e as leis do Brasil.
O desconhecimento e o interesse dos alunos nessa primeira aula fizeram com que eu decidisse criar um projeto social. O Projeto Constituição na Escola iria de escola em escola, passando noções básicas sobre a nossa Constituição, política e civilidade, sem qualquer influência ideológica ou de partido político.
Ao conhecer as leis, eu acredito que o jovem assume um papel crítico na sociedade: ele passa a defender seus direitos, entender o que está acontecendo e começa a fiscalizar e cobrar ações dos nossos políticos.
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De acordo com a pesquisa que fizemos em 2017, consultando mais de 2.000 alunos da rede pública, esse é o atual cenário do conhecimento dos estudantes do Ensino Médio sobre a nossa Constituição Federal:
- Apenas 4% conhecem mais de dez artigos da Constituição Federal;
- 83% não sabem quantos artigos tem a Constituição Federal;
- 91% não sabem o que são Cláusulas Pétreas;
- mais de 70% não sabem o que é uma PEC.
Hoje em dia, mais de que nunca, os direitos e garantias individuais estão em evidência no cenário nacional.
O princípio da presunção da inocência, previsto no Art. 5º, LVII da nossa Constituição Federal, é uma das grandes discussões jurídicas e aparece em todos os noticiários quando falamos da prisão de condenados em 2ª instância, como no caso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
O direito à manifestação, também previsto na Constituição e tão comentado nos últimos anos – das passeatas contra e a favor do governo federal, manifestos em apoio à Lava Jato, os protestos de sindicatos, professores e movimentos sociais –, representou um marco na história do nosso país.
Finalmente, quando falamos de ensino público, não podemos esquecer das inúmeras ocupações que aconteceram em São Paulo, em que escolas foram ocupadas por alunos e membros da comunidade como forma de protesto à PEC do Teto dos Gastos. Não entramos no mérito da causa defendida, mas se os alunos estão se manifestando contra uma PEC, não seria necessário, ao menos, saber o que significa a sigla “PEC”?
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Por mais que o tema seja interessante, o início do nosso projeto não foi fácil. A maioria das escolas públicas para as quais eu ligava não me conhecia e era difícil achar horários vagos para que eu pudesse dar minhas aulas. Mas algumas disseram sim e eu decidi tentar, mesmo que fosse só com poucas escolas. Segui dando aula em 6 escolas por 2 anos, até que em 2016 eu inscrevi o projeto para a premiação “Young Leader of America”, promovida pelo governo dos Estados Unidos.
Depois de um processo seletivo extenso e inúmeras entrevistas sobre o impacto que poderia gerar nas escolas públicas, fui um dos 250 jovens da América Latina e do Caribe selecionados para viajar aos EUA e receber a premiação. Fiz um estágio de quatro semanas na casa que pertenceu a James Madison Jr., quarto presidente norte-americano e redator da Constituição em 1788. Hoje, a residência funciona como um centro para capacitar professores em ensino de Direito Constitucional, a fim de que eles possam dar aulas sobre a Constituição. Depois fui a Washington para receber o prêmio das autoridades do Departamento de Estado dos EUA e voltei ao Brasil.
Nessa experiência conheci um pensamento deixado por James Madison Jr. que eu nunca mais esqueci: “Knowledge will forever govern ignorance; and a people who mean to be their own governors must arm themselves with the power which knowledge give”. Em uma tradução livre: “O conhecimento sempre prevalecerá sobre a ignorância; e um povo que quer ser seu próprio governante, precisa se armar com o poder do conhecimento”.
Essa frase foi escrita há mais de 200 anos, mas se encaixa perfeitamente no cenário político e social que temos hoje. Precisamos formar cidadãos conscientes e atentos para que novos casos de corrupção nunca mais aconteçam no país. Nós temos de acompanhar e fiscalizar nossos políticos tendo em mente que eles trabalham para nós.
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De volta o Brasil, começamos a recrutar novos voluntários para aumentar nosso alcance para mais escolas. Além disso, criamos a 1ª Olimpíada Constitucional do Brasil, uma competição entre jovens da rede pública, com perguntas e respostas sobre a Constituição Federal, Política e Civilidade, premiando os participantes com laptops e bolsas de estudo para cursos pré-vestibular. Alinhamos o ensino da Constituição Federal com oportunidades de estudo aos alunos, fazendo-os entender que a educação pode, sim, ser uma ferramenta para mudar a realidade em que vivem.
Em nossas aulas utilizamos uma metodologia própria desenvolvida juntamente com professores da PUC-SP e consolidada após quatro anos de experiências dentro de sala de aula. Ela estimula o ensino e a participação dos alunos, o que aumenta a atenção e a absorção do conteúdo ensinado em classe.
Os reconhecimentos que tivemos são resultado da necessidade do ensino da Constituição Federal nas escolas públicas, alinhada a uma metodologia que tem como único objetivo passar a informação correta e imparcial aos alunos para que eles possam entender seu papel na sociedade e se tornarem cidadãos conscientes que vão contribuir com o desenvolvimento do Brasil. Um dos nossos focos está em ensinar a importância do exercício do voto. Na época da Ditadura Militar, os jovens lutavam pelo direito de voto. Atualmente, o direito de voto ao jovem entre 16 e 18 anos previsto na Constituição Federal não é exercido: somente cerca de 10% dos alunos das escolas públicas que visitamos têm título de eleitor e votam nas eleições.
Em 2017, o projeto ganhou nova dimensão quando fui eleito um dos 11 jovens líderes brasileiros pela Fundação Obama. Participei de uma reunião com o próprio ex-presidente Barack Obama para explicar o nosso projeto e nossos objetivos. Esse reconhecimento nos mostrou que estávamos no caminho certo e serviu de motivação para ampliar o Projeto Constituição na Escola.
Hoje contamos com mais de 70 advogados voluntários e promovemos aulas presenciais para mais de 25.000 alunos em mais de 100 escolas públicas em três estados brasileiros – e crescemos a cada semestre.
No entanto, acredito que a maior conquista foi ter encontrado as pessoas certas para me ajudar nessa jornada. São jovens advogados que, assim como eu, cansaram de reclamar e decidiram fazer alguma coisa para mudar a realidade política do Brasil. Jovens que acordam cedo, cruzam a cidade para dar aula em diversas regiões, que dedicam seu tempo livre e, muitas vezes, chegam atrasados em seu trabalho simplesmente para tentar melhorar a educação do Brasil. E por que fazemos isso?
Porque se não nós, quem?
Se não agora, quando?
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