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Como trabalhar clássicos da literatura no Fundamental

Compartilhar leituras, apresentar curiosidades, fazer relações com a realidade atual são algumas das estratégias para encantar os jovens leitores

POR:
Anna Rachel Ferreira
Para fazer com que as crianças se apaixonem pela literatura, os professores podem comentar sobre o que estão lendo e promover a leitura compartilhada em sala de aula  Foto: Getty Images

“Clássicos são muito difíceis para as crianças”, “É melhor dar textos fáceis no Ensino Fundamental”, “Os alunos não gostam dos textos clássicos”. É bastante provável que você já tenha ouvido alguma dessas afirmações. Mas, será que elas são verdadeiras? Especialistas dizem que tudo depende de fazer uma boa escolha e intervenções eficientes em sala de aula. Na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), o campo artístico literário está presente em todos os anos do Ensino Fundamental e a melhor forma de explorar a literatura e formar o leitor literário é levando consigo o encantamento pelos clássicos.

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“Precisamos trabalhar a literatura a partir do prazer de ler e conhecer, desenvolvendo recursos para que esse prazer aconteça durante a leitura”, defende a especialista em Língua Portuguesa e formadora de professores Rosana El-Kadri. “Há um silêncio respeitoso, após uma leitura, de pura admiração pela obra de arte. Essa sensação deve ser trazida para a experiência do aluno”, defende o professor de Português e coordenador pedagógico do Colégio Santa Cruz Cláudio Bazzoni. Essa perspectiva do deslumbramento pelo texto literário, a criação do autor, é trabalhada pelas professoras Bárbara Passos e Marta Chiva Mangabeira, com suas turmas de 5º e 8º ano, respectivamente.

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No início do ano, Bárbara, que é docente da Escola da Vila, em São Paulo, leva seus alunos à biblioteca da escola e pergunta sobre seus hábitos de leitura. “Tento descobrir se eles já leem, o que leem, quando leem e quais são seus temas de interesse”, conta. Assim, ela incentiva que os próprios estudantes se estimulem mutuamente a ler, indicando suas preferências. Da mesma maneira, ela consegue apresentar aos estudantes novos autores e títulos baseando-se nas informações trocadas durante a conversa. Às vezes, há casos em que um aluno diz não gostar de ler e não ter interesse pelas sugestões dos colegas. Nesse momento, é essencial que o educador conheça o aluno para descobrir a melhor maneira de estimulá-lo. “Certa vez, tive um aluno que nunca pegava livros na biblioteca. Conversando, descobri que ele gostava de cavalos. Então, sugeri um livro com essa temática e, aos poucos, ele foi tornando a leitura um hábito”, conta Bárbara.

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A estratégia utilizada por Marta Mangabeira, professora da EMEF Antônio Carlos de Abreu Sodré, também na capital paulista, é a de compartilhar o seu amor pela leitura. “Eu sempre comento com eles sobre o que estou lendo e, algumas vezes, levo trechos desses livros para a aula, para que a gente converse rapidamente sobre nossas leituras”, diz. Ela também posta nas redes sociais os títulos que está lendo e os estudantes sempre fazem perguntas sobre os livros, autores e gêneros. “Eles não só me perguntam sobre o que leio, como também me pedem indicações e sugerem leituras”, comenta a professora.

A ideia de Marta foi fazer da sala de aula um grande clube de leitura em que todos se sintam à vontade para trocar experiências. O coordenador Cláudio Bazzoni acredita que essa é uma excelente estratégia. “O aluno ama o que o professor ama”, diz o especialista que completa afirmando ser essencial que o professor acredite genuinamente no prazer proporcionado pela literatura. 

Contextualizando o clássico
Os livros clássicos costumam ter uma linguagem distante da conhecida pelos alunos. Por essa razão, as adaptações literárias são boas alternativas para os primeiros contatos com essas obras. Porém, é importante ter o cuidado de procurar adaptações que mantenham a essência do texto e não o tornem simplório – com mudanças excessivas na linguagem. Uma boa maneira de garantir isso é escolher trabalhos realizados por autores consagrados. No caso de Bárbara, ela escolheu As Mil e Uma Noites, traduzido por Ferreira Gullar (160 págs., ed. Revan) e Marta escolheu Os Miseráveis, por Walcyr Carrasco (214 págs., ed. Moderna).

Para ambas as docentes, o primeiro passo é apresentar o autor da obra e seu tradutor. Saber quem escreve é importante para compreender o sentido do texto e o papel do tradutor é essencial nessa interpretação, já que ele tem o poder de eleger o que contar e o que omitir da narrativa. Os alunos do 5º ano de Bárbara são apresentados a Ferreira Gullar, enquanto os jovens do 8º ano de Marta pesquisam sobre Victor Hugo e conversam também sobre Walcyr Carrasco. Marta ainda leva três exemplares da obra: um original, um do que eles lerão em sala de aula e outro em formato de história em quadrinho. “A ideia é que eles saibam que existem várias versões de uma mesma obra, de acordo com a experiência da pessoa que adaptou, e que eles podem ler todas”, diz.

Para entender uma produção literária, além de conhecer o autor é essencial se familiarizar com o contexto histórico. Marta fez uma parceria com o professor de História de sua escola para que os alunos lessem Os Miseráveis, logo após terem estudado a Revolução Francesa. “O fato de estar inserido em uma temática que eles haviam acabado de aprender fez com que se interessassem ainda mais pela obra”, comemora a professora. Bárbara Passos realizou essa contextualização apresentando imagens e conversando sobre as vestimentas, moradias, alimentos mais comuns, religião e cultura dos povos árabes. “As crianças fazem comparações com a atualidade e se surpreendem com as diferenças entre as culturas”, afirma a professora. 

Leitura compartilhada
Para a leitura do livro em si, uma estratégia bastante interessante é a leitura compartilhada. “Como os clássicos podem ter uma interpretação complexa, o papel do professor é essencial”, frisa Cláudio. Bárbara opta por ler um conto por aula e sempre traz uma discussão norteadora. “Identificamos juntos os muitos narradores presentes no texto e como a linguagem e as ênfases mudam conforme o narrador, notamos os estratagemas utilizados por Sherazade para convencer o Sultão a poupar sua vida, por meio das estórias contadas, e conversamos sobre a personalidade da protagonista que se diferencia das demais mulheres do livro – apresentadas com um perfil mais submisso – e sua relação com a contemporaneidade”, explica a professora. Segundo ela, essas relações discutidas em sala de aula são responsáveis pelo encantamento dos alunos com a narrativa.

Fazer a relação com os dias atuais também foi essencial para os alunos de Marta, na leitura do clássico francês. Os estudantes leram a obra em casa, mas a professora sempre perguntava em qual momento do livro eles estavam, lia trechos e os questionava sobre as reflexões que a obra trazia e como interpretavam as ações dos personagens. O aluno Guilherme Ferreira de Oliveira se admirou pela sensibilidade do autor. “Aprendi mais sobre como as pessoas podem ser insensíveis ao drama alheio. Victor Hugo deu visibilidade aos excluídos da sociedade”, afirma o estudante. “O livro denuncia injustiças que vem se repetindo em todas as épocas”, completa a adolescente Fernanda Furlaneto.

O uso das adaptações, contudo, não se esgota em si mesmo. O coordenador pedagógico Cláudio Bazzoni defende que os professores levem trechos dos originais e leiam os dois em sala de aula buscando semelhanças e diferenças com a versão adaptada. “Também é possível ler os originais de contos de Machado de Assis, por exemplo, sem a necessidade de adaptação”, afirma. Nesses casos, ele ressalta a importância da leitura compartilhada. “O aluno do Ensino Fundamental ainda não tem todo o ferramental necessário para fazer a interpretação desses textos sozinho”, afirma.

É necessário ter cuidado para não focar em questões gramaticais, deixando desaparecer a “magia” do texto. Para realizar esse trabalho de maneira eficaz, é preciso que o docente tenha total conhecimento da obra e seja amante da literatura. “Os clássicos trazem um leque imenso de temas universais para serem tratados em sala de aula e o professor bem preparado poderá conduzir os alunos a não só identificar esses temas, mas perceber a riqueza de linguagem e estrutura narrativa com os quais eles são contados”, ressalta a especialista em Língua Portuguesa Rosana El-Kadri.

 

 

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