PNE: onde o Brasil avança e tropeça na Educação
Entenda porque o atraso no cumprimento das metas e estratégias do PNE representa um risco ao plano de acesso à educação de qualidade no Brasil para a próxima década
POR: Laís SemisO Plano de Educação (PNE) define as diretrizes para que o Brasil atinja uma Educação de qualidade até 2024. O segundo Relatório de Monitoramento das Metas do PNE, publicado nesta quinta-feira (07/06) pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), traz um panorama frágil da Educação brasileira. O órgão faz um acompanhamento bienal dos dados.
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As metas são referentes a diferentes campos, como universalização das etapas da Educação Básica, equiparação entre nível de escolaridade entre negros e não negros, formação adequada de professores e ampliação das escolas de tempo integral. Embora o plano se desdobre até 2024, algumas metas já são previstas para serem alcançadas durante esse processo, como é o caso da universalização da Educação Infantil. A meta venceu em 2016 e o número de crianças atendidas na etapa é de 91,5% (veja abaixo como anda cada uma das metas do PNE).
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O atraso em determinadas metas, no entanto, pode comprometer o andamento de outras áreas do Plano. “As metas e estratégias do PNE foram construídas considerando uma agenda progressiva de cumprimento", explica Andressa Pellanda, coordenadora de políticas educacionais da Campanha Nacional pelo Direito à Educação. Segundo ela, isso acontece porque algumas metas são estruturantes "para que todo PNE seja cumprido”. Entre elas, Andressa destaca as relacionadas aos parâmetros de qualidade e financiamento em regime de colaboração. “Hoje temos uma situação em que os municípios e os estados do Brasil, que se encontram estrangulados financeiramente, não conseguem cumprir suas metas, como o cumprimento do piso salarial nacional do Magistério”.
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Como a execução do Plano Nacional de Educação exige investimento financeiro, políticas como a PEC do Teto também contribuem para que as metas não sejam atingidas. As consequências vão ainda mais longe, considerando que o Brasil passa por uma crise financeira e um momento em que temos a maior população de crianças e adolescentes em idade escolar. “Essa população acabará sendo afetada pelo não cumprimento do plano”, lamenta Andressa.
Para Ernesto Martins Faria, diretor-executivo do Portal Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional (Iede), embora o PNE deva ser valorizado e suas metas perseguidas, é preciso começar a pensar em novos caminhos. “Em paralelo ao PNE que está em vigência, o Brasil já deveria começar um novo plano", defende. "Não é um processo simples e isso deveria ser uma das agendas do novo presidente”, acredita tendo em vista o longo processo pelo qual passou o documento até ser homologado.
Além de garantir o processo democrático, como aconteceu no atual PNE, Ernesto também destaca que é preciso olhar melhor para os indicadores das metas. “O PNE e suas metas são bem frágeis. Cada meta deve ter três características: ser desafiadora, factível e legítima”, diz. Para ele, embora o plano seja legítimo, algumas metas não trouxeram indicadores factíveis de serem alcançados, considerando o histórico educacional brasileiro. “A meta que eleva a escolaridade média da população de 18 a 29 anos e iguala a escolaridade entre negros e não negros, por exemplo, já nasceu praticamente não batida”, diz (entenda os números no tópico Meta 8). No caso das metas de universalização, ele destaca que nem os países desenvolvidos atingem a margem de 100%. “Algumas metas conversam pouco com a realidade. Por isso, vejo mais a urgência de um novo plano. Temos que garantir que esses indicadores sejam, ao mesmo tempo, desafiadores e factíveis”.
Confira o andamento de cada uma das metas:
Meta 1 - Educação Infantil
O prazo para a universalização da Educação Infantil, estipulado pelo PNE, acabou em 2016. Embora o relatório analise o biênio 2016-2018, o último dado trazido pelo relatório é referente ao ano de 2016, em que 91,5% das crianças de 4 a 5 anos estariam frequentando a escola. O Inep estima que a meta poderá ser atingida entre 2018 e 2020, se a tendência de crescimento for mantida. No 1º relatório de monitoramento divulgado pelo Inep, esse número era de 89,6%. Além disso, a Meta 1 também prevê que o atendimento às crianças de 0 a 3 anos (creche) seja ampliada em 50% até 2024. Em 2016, esse número era de 31,9%. Para chegar ao índice desejado, o sistema educacional público brasileiro ainda precisa atender mais 1,9 milhão de crianças nessa faixa etária.
Meta 2 - Ensino Fundamental
O foco da meta é a universalização do acesso ao Ensino Fundamental e garantir que pelo menos 95% dos alunos concluam essa etapa na idade recomendada (16 anos) até 2024. Em 2017, 97,8% das crianças de 6 a 14 anos estavam matriculadas no Fundamental. Em 2014, ano de aprovação do PNE, esse número era de 97,3%. Porém, 600 mil crianças na faixa etária ainda estão fora da escola. De acordo com o relatório do Inep, o atendimento é considerado “praticamente universalizado”. Em relação à conclusão na idade recomendada, o último número é de 2015 e está em 75,9%. A partir do crescimento da última década, o Inep estima que, mantendo a variação, não será possível atingir a meta no prazo estipulado. “Cabe à política educacional, a partir das estratégias traçadas no PNE, focar nas causas do baixo progresso e buscar alternativas para gerar avanços mais robustos nos próximos anos”, cita o relatório.
Meta 3 - Ensino Médio
A meta de universalizar o acesso à Educação para a população de 15 a 17 anos deveria ter sido alcançada até 2016. Em 2017, a cobertura de acesso chegou e 91,3% – o que representa 900 mil adolescentes fora da escola. Além disso, a Meta 3 prevê que 85% dessa população de 15 a 17 estejam no Ensino Médio ou já tenham concluído a etapa de ensino. Hoje, o número é de 70,1%. O índice é influenciado pelas altas taxas de evasão dos jovens no Médio, que chegam a 11,2%, de acordo com o Censo Escolar. A estimativa é que, ao fim do prazo da meta, o Brasil consiga, no máximo, ter 80% da população de 15 a 17 anos na etapa recomendada para a faixa etária.
Meta 4 - Inclusão
A meta trata da universalização do atendimento educacional especializado (AEE) para a população de 4 a 17 anos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento (TGD) e altas habilidades ou superdotação. O monitoramento dela, no entanto, é limitado por falta de bases de dados oficiais. O indicativo já havia sido apresentado no 1º Relatório. Em 2017, com base no Censo da Educação Básica, 90,9% das crianças e adolescentes com deficiência estavam sendo atendidos em classes regulares.
Meta 5 - Alfabetização
O monitoramento de que todos os alunos estejam alfabetizados até o final do 3º ano do Ensino Fundamental leva em conta os dados da Avaliação Nacional da Alfabetização (ANA). A avaliação categoriza os alunos em quatro níveis de alfabetização, sendo apenas o nível 1 considerado inadequado pelo MEC. Em leitura, 78% dos alunos chegam ao fim do ciclo de alfabetização com nível considerado adequado pelo ministério. Em escrita, o número chega a 86%. Em Matemática, é de 77%. Os dados são referentes a 2016, última aplicação da avaliação. De acordo com o Inep, os menores resultados nas três áreas foram observados na rede municipal. Em comparação com 2014, o instituto considera uma "estagnação".
Meta 6 - Educação em tempo integral
Em 2017, os alunos em jornadas integrais na escola somaram 17,4%. Há uma queda em comparação com 2015, quando o número chegou a 18,7%. O PNE define que até 2024, a oferta de Educação em tempo integral nas escolas públicas deve ser de, pelo menos, 25%. "Os resultados demonstram que o país ainda está distante de atingir a meta de oferta de jornada de tempo integral", cita o relatório. Além disso, a meta também prevê que 50% das escolas públicas ofereçam a jornada de 7 horas diárias. Atualmente, o índice está em 28,6%. O maior percentual de alunos que estudam em tempo integral está na Educação Infantil.
Meta 7 - Ideb
Com foco na melhoria da qualidade da Educação, a Meta 7 propõe o aumento gradativo do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). Para os anos iniciais do Ensino Fundamental, até o fim da vigência do plano, é esperado que o país atinja a nota 6 do Ideb. Em 2015, o índice se encontrava em 5,5. A nota está 0,3 acima do fixado para o período. Para os anos finais, a meta é de 5,5 e o Brasil está em 4,5. O Ideb do Ensino Médio é o mais preocupante, já que nas três últimas avaliações ele se encontra estagnado em 3,7, quando a expectativa é atingir 5,2 até 2024.
Meta 8 - Escolaridade média da população
Essa meta prevê a ampliação da escolaridade média da população de jovens de 18 a 29 anos no campo e entre os 25% mais pobres para alcançar, no mínimo, 12 anos de estudo. "O valor registrado para o Brasil [entre a população jovem] está abaixo da meta estipulada para 2024", atenta o relatório. Entre os jovens de localidades urbanas, a escolaridade média chega a 10,5 anos. Na zona rural, é de 8,5. Entre os 25% mais pobres, o percentual é 0,1 mais baixo. A meta também estipula igualar a escolaridade média entre negros e não negros. Hoje, entre os não negros, a escolaridade é de 11 anos. Entre os negros, é de 9,6 anos.
Meta 9 - Erradicação do analfabetismo
O objetivo de ter 93,5% da população de 15 anos ou mais alfabetizada até 2015 está perto de ser atingido, mas com atraso. Em 2017, o número chegou a 93%. Para 2024, a proposta do PNE é que bata 100%. Sobre diminuir a taxa de analfabetismo funcional para um índice igual ou menor do que 9,2% em 2024, o Brasil ainda tem um longo caminho a percorrer: em 2016, a taxa ficou em 16,6%. "A taxa de analfabetismo funcional do grupo dos mais pobres é quatro vezes maior do que a do grupo dos mais ricos", aponta o relatório.
Meta 10 - Educação profissional na EJA
A oferta de matrículas da Educação de Jovens e Adultos (EJA) integrada à Educação profissional apresenta números preocupantes. Em 2015, ela chegou a 3%. Em 2017, o número caiu pela metade, sendo o pior percentual anual desde 2010. Pelo PNE, a oferta deve ser de, pelo menos, 25% até 2024.
Meta 11 - Educação profissional no Ensino Médio
A meta propõe triplicar o número de 1.602.946 matrículas da Educação profissional técnica de nível médio, dado de 2013. Hoje, o Brasil conta com 1.791.806 matrículas na modalidade. "Com base no avanço ocorrido desde 2013, verifica-se que o ritmo de crescimento foi de 47 mil matrículas novas por ano, nove vezes menor que o necessário", cita o relatório. "Esses dados sugerem que dificilmente o Brasil conseguirá triplicar o número até 2024". Em relação à expansão das matrículas em Educação profissional de nível médio no segmento público, a notícia é boa: o crescimento chega hoje a 82,2%, saindo de um patamar de 4,7% em 2014.
Meta 12 - Educação Superior
A taxa bruta de matrículas na Educação Superior em 2017 foi de 34,6%. A meta propõe a elevação desse número para 50% até 2024. Já a taxa líquida é de 23,2%, enquanto a proposta é atingir 33%. No quesito assegurar a expansão de pelo menos 40% de novas matrículas no segmento público, o país chegou em 9,2% em 2016.
Meta 13 - Mestres e doutores na Educação Superior
Até 2024, o PNE prevê ampliar para 75% o percentual de docentes com mestrado ou doutorado na Educação Superior, sendo 35% destes profissionais com doutorado. A meta foi ultrapassada já em 2015, como constava no primeiro relatório de monitoramento. No ano de 2016, o Brasil contava com 77,5% de docentes com mestrado ou doutorado, sendo 39,8% doutores. "Observam-se, no entanto, disparidades regionais significativas em relação à proporção de mestres e doutores na docência superior. A região Norte é a que possui o menor percentual (65,5%)", relata o Inep. O número de doutores é de 29,3%.
Meta 14 - Pós-graduação stricto sensu
Em relação ao objetivo de elevar o número de títulos de mestres e doutores concedidos anualmente para, respectivamente, 60 mil e 25 mil, o Inep prevê que se a tendência de crescimento se mantiver, a meta será batida dentro do prazo. Em 2016, os novos mestrandos chegaram a 59,6 mil, enquanto os doutores somaram 20,6 mil.
Meta 15 - Formação
A meta propõe assegurar a formação adequada de todos os docentes da Educação Básica na área de conhecimento que atuam. Esse trabalho deve ser feito em regime de colaboração entre a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios. A Educação Infantil apresenta o pior número: apenas 46,6% dos professores possuíam formação adequada à sua área de atuação. Nos anos iniciais do Fundamental, há um crescimento para 59%. No anos finais, o índice é 50,9%. O Ensino Médio apresenta o melhor número: 60,4%, com pouca diferença para os anos iniciais. O país ainda está muito longe do índice estipulado.
Meta 16 - Pós-graduação na Educação Básica
Em 2017, o Brasil contava com 36,2% dos professores que atuam na Educação Básica com pós-graduação. A meta do PNE prevê que esse número chegue a 50% no fim da vigência do Plano. Outra proposta é garantir a formação continuada na área de atuação para 100% dos professores. No ano passado, isso ocorreu com apenas 35,1% dos profissionais.
Meta 17 - Valorização docente
A equiparação salarial dos professores da Educação Básica da rede pública com a de outros profissionais com escolaridade equivalente ainda está distante de se tornar realidade. Em 2017, esse percentual atingiu 74,8%. No ano passado, apenas dois estados alcançaram o nível desejado: Paraná (com 101,3%) e o Mato Grosso do Sul (108,4%). O Maranhão, que atualmente paga os melhores salários docentes no Brasil, não entra na lista porque o piso foi alterado em março deste ano e os dados analisados no relatório consideram o período de 2017.
Meta 18 - Plano de carreira
A meta estabelece que os governos estaduais e municipais devem estabelecer planos de carreira para os profissionais do Magistério da Educação Básica. Em 2014, todos os estados e o Distrito Federal contavam com PCR. Em 2017, o Inep aponta que as tabelas de vencimento básico estavam de acordo com o Piso Salarial Nacional Profissional (PSNP) em 20 estados e no Distrito Federal. Em quatro deles, os professores e servidores da Educação recebem uma complementação salarial para que todas as posições recebam um valor igual ou maior do que os R$ 2.298,80 estabelecidos. Em relação ao limite máximo de 2/3 da carga horária para atividades de interação com os alunos, isso está previsto em legislação em 22 estados, ou seja, 81,5%. Para os outros cinco ainda não há previsão de implantação. Em relação aos municípios, 89,2% possuíam plano de carreira e remuneração em 2014. Dados preliminares do Simec indicam que 2.102 municípios já preveem o limite máximo de 2/3 da carga horária, enquanto 3.687 já cumprem a legislação do piso salarial. Do total, 2.667 atendem simultaneamente aos três quesitos da Meta 18, mas é importante lembrar que 1.253 municípios não ofereciam informações.
Meta 19 - Gestão democrática
Em 2017, 18 estados e o Distrito Federal já cumprem integralmente a Meta 19, ou seja, realizam eleições para escolha de diretores de escolas públicas. Amazonas, Roraima, São Paulo e Tocantins ficam de fora. Em 2014, apenas 328 dos 5.570 municípios brasileiros realizavam eleições. A indicação do diretor é a forma de nomeação que ainda prevalece, sendo praticada por 78,6% dos municípios - contra 16,6% que cumprem parcialmente a meta. Entre os municípios que realizam eleições e estabelecem critérios de mérito e desempenho nessas escolhas, o número cai para 6%. Em 20 estados e no Distrito Federal, é permitida a reeleição de diretores nas escolas da rede estadual.
Meta 20 - Ampliação do investimento financeiro
É uma das metas que está mais longe de virar realidade. A meta é aumentar o investimento em Educação pública para 7% do Produto Interno Bruto (PIB) até 2019 e 10% até 2024. Em 2015, o gasto público com o setor ficou em 5% do PIB. Para chegar aos 7%, o governo teria de colocar mais R$ 120 bilhões em recursos destinados à Educação pública, ou seja, o equivalente a 2% (corrigida a inflação do período). Em 2015, o total de gastos públicos em Educação foi de R$ 329.719.037.301,01, sendo que 91,4% dos recursos foram repassados a instituições públicas. Das despesas, a maior parte (69,7%) fica com salários e encargos sociais. O governo também não implementou o Custo Aluno Qualidade Inicial (CAQi). O valor repassado atualmente pelo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) por aluno está em R$ 3.016,67. Esse valor não garante o desenvolvimento da uma educação de qualidade no Ensino Fundamental, segundo grande parte dos educadores. Os gastos públicos em Educação são maiores no Fundamental, atingindo 48,9%, enquanto o Ensino Médio fica com 13,8% das despesas. Os gastos com Educação Infantil ficam em 12,5%, Educação Profissional com 4,9%.
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