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Malala: “A Educação para as meninas deve ser prioridade no Brasil”

A ativista paquistanesa participou de um debate sobre Educação e empoderamento feminino em São Paulo

POR:
Paula Peres
A ativista paquistanesa Malala Yousafzai, em visita à capital paulista, participou de evento promovido pelo Itaú Unibanco, no Auditório Ibirapuera Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

“Uma das razões pelas quais eu vim ao Brasil é porque aqui há 1,5 milhão de meninas que não podem ter acesso à Educação, e vocês sabem que eu acredito na Educação”. A fala é da ativista paquistanesa Malala Yousafzai, de 21 anos, a pessoa mais jovem a ter recebido um Prêmio Nobel da Paz, na abertura do evento “Itaú apresenta: Malala”, que aconteceu nesta segunda-feira (9) no auditório Ibirapuera, em São Paulo, e marcou sua primeira visita ao nosso país.

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A história de Malala ficou conhecida pelo mundo quando, aos 15 anos, ela foi baleada por um membro do Talibã por se manifestar contra a proibição de educação para mulheres no Paquistão. Atualmente, sua fundação, Malala Fund, luta para garantir que todas as meninas do mundo tenham acesso a 12 anos de escolaridade.

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Sua fala funciona como um lembrete ao Brasil urbano, aquele das grandes cidades, que está acostumado a ver meninas e meninos juntos nas salas de aula de todas as escolas, que podemos não ter leis rigorosas que proíbem o acesso de nenhum grupo à Educação (ainda bem), mas ainda temos muito a avançar no que se refere a direitos educacionais. Em sua primeira visita ao país, Malala está lançando projetos sob a custódia de sua fundação: três brasileiras passam a integrar a Rede Gulmakai, uma iniciativa do Fundo Malala que apoia ativistas da área da educação de meninas e mulheres. As escolhidas são Denise Carreira (da Ação Educativa), Sylvia Siqueira Campos (Movimento Infanto-juvenil de Reivindicação) e Ana Paula Ferreira de Lima (Associação Nacional de Ação Indigenista).

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O debate promovido pelo Itaú envolveu, além de Malala, outras cinco mulheres com um histórico em ativismo e Educação no Brasil: a escritora mineira Conceição Evaristo; a educadora Tia Dag, criadora da ONG Casa do Zezinho no Capão Redondo; a ativista Tábata Amaral; Ana Lucia Villela, presidente do Instituto Alana; e a jornalista Adriana Carranca, autora do livro Malala, a menina que queria ir para a escola, que mediou a mesa.

As participantes falaram sobre quatro tópicos: benefícios da leitura, vínculos familiares, empoderamento feminino e diversidade na Educação. Ao final, jovens que se destacaram no ativismo pela Educação, que acompanharam o debate de um ponto de vista privilegiado, pertinho das debatedoras, puderam fazer perguntas diretamente a Malala. Veja, a seguir, os momentos mais importantes da palestra de Malala sobre Educação de mulheres no Brasil:

Educação das mulheres

“Eu também fui privada da Educação quando tinha 11 anos, quando os extremistas chamados Talibã vieram ao norte do Paquistão e proibiram as meninas de frequentar as escolas. Eles entenderam que o poder de uma mulher vem da Educação, por isso eles proibiram esse acesso. Educação tem a ver com emancipação das mulheres. Quero que as meninas tenham acesso a Educação de qualidade no mundo inteiro”.

“Mesmo em uma universidade importante, de prestígio como Oxford, em que há igualdade entre meninos e meninas, eu vejo diferenças de comportamento. Eles parecem superconfiantes, acham que sabem tudo, sempre falam o que pensam, se sentem muito à vontade, enquanto as meninas hesitam, não se sentem tão à vontade falando o que pensam. Mas nós temos que acreditar em nós mesmas”.

“Os homens devem entender que empoderar as mulheres também traz benefícios a eles, ajuda a economia, em termos de mais empregos, mais segurança. Uma mulher que teve uma boa educação tem mais chances de ter uma família saudável. As mulheres instruídas podem conhecer problemas como as mudanças climáticas e tantos outros temas, ajudar a resolver os problemas do mundo”.

Malala durante o evento em São Paulo: " Os homens devem entender que empoderar as mulheres também traz benefícios a eles"   Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

Empoderamento feminino

“Quando eu decidi lutar por meu direito à Educação, eu não era a única da minha região. Havia algumas meninas como eu, da minha classe, que queriam levantar a voz. E não é que eu fosse especial ou mais inteligente do que qualquer uma das meninas do meu vale, mas a diferença na minha história é que meus pais nunca me impediram de falar o que eu pensava”.

“Um dia, minha colega chegou atrasada para a escola e meu pai perguntou o por quê. Ela disse que os pais dela não a deixavam estudar, então ela tinha que esperar os pais saírem de casa para fugir correndo para a escola. Então, o papel dos pais no empoderamento feminino é extremamente importante. E quando a gente fala de empoderamento, não é só das mulheres, mas também dos homens, eles também devem participar, colaborar, fazer algo a respeito. Os homens têm a mesma responsabilidade”.

“É importante que as mulheres falem, que se expressem. Quando as mulheres ficam quietas e não se manifestam, como as pessoas podem saber o que elas acham? Você tem que quebrar essas barreiras que as mulheres enfrentam, e elas só fazem isso falando, se expressando, e tendo a colaboração dos homens e dos garotos”.

Relação com a mãe e com a leitura

“Na nossa família, não era minha mãe que lia para mim, eu que lia para minha mãe. Quando ela tinha apenas 6 anos, vendeu os livros e não pôde estudar mais. Agora, ela está aprendendo novamente, está lendo, e eu me sento ao lado dela para ajudar. Como filha, ler para a minha mãe é uma experiência maravilhosa porque há tanta coisa que podemos aprender com isso. Ela é uma inspiração para mim, uma das razões pelas quais eu continuo lutando porque ela me lembra todos os dias como a Educação é importante para as mulheres, que elas podem ser mais empoderadas e independentes”.

“Durante o meu tratamento, minha mãe teve dificuldade de fazer pequenas coisas, de se comunicar, ler o letreiro das ruas, todas essas atividades que são corriqueiras do nosso dia a dia, e nós assumimos como algo normal que pessoas que não têm acesso à Educação não tenham esse tipo de facilidade”.

" É importante que as mulheres falem, que se expressem. Quando as mulheres ficam quietas e não se manifestam, como as pessoas podem saber o que elas acham?", disse Malala durante a palestra em São Paulo   Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

Diversidade

“Para mim, a diversidade traz beleza ao nosso ambiente, ao lugar onde vivemos. A gente precisa de diversidade em todos os lugares, toda a população deve receber oportunidades iguais, especialmente nas escolas. A diversidade é importante para que as crianças saibam, através de livros e dos professores, que têm direitos iguais a todo mundo. Só porque a cor ou a religião é diferente, não significa que eles não podem ter o mesmo objetivo ou o mesmo sonho na vida. Então você tem que celebrar a diversidade no sistema educacional permitindo que os alunos acreditem neles mesmos e tenham acesso a essas oportunidades”.

“Muitas vezes, nós vemos os alunos pensando que certas coisas não são para eles, que eles não conseguem tal coisa, porque não pertencem a determinada raça ou a determinado gênero, mas nós temos que permitir que as crianças vejam seu futuro da maneira como quiserem. Não pode haver limites na maneira como as crianças vislumbram seu futuro”.

Educação no Brasil

“Recebi muitas cartas e bilhetes de apoio do Brasil, mensagens pedindo que eu viesse para cá. Era meu sonho vir ao Brasil e finalmente estou aqui, estou muito feliz. Minha meta era vir ao Brasil trabalhar junto com os ativistas locais, investir no Brasil para poder dar Educação a todas as pessoas que vêm das camadas menos privilegiadas da população. Esse país é rico em cultura, energia entre os jovens. O futuro que eles querem construir é um futuro sustentável. Eu sinto toda essa energia.”

“Uma das razões pelas quais eu quis vir ao Brasil é que há 1,5 milhão de meninas que não podem ter acesso à Educação. Minha esperança é que possamos encontrar maneiras de fazer com que essas meninas tenham acesso à Educação para que possam dar a sua contribuição ao país, não apenas individualmente, mas também ajudando a melhorar a democracia e trazer estabilidade ao país. Precisamos de melhorias no sistema educacional para garantir que estaremos dando às crianças uma Educação de qualidade. Porque quando terminarem seus 12 anos de educação, quando saírem da escola, poderão continuar suas vidas, seguir seus sonhos”.

“Eu quero trabalhar com todos os meninos e meninas que estão dispostos a trazer mudanças ao Brasil. Minha ideia de mudança não é de alguém da comunidade internacional que vem para cá querendo consertar tudo, pois isso jamais é uma solução. Quando queremos encontrar soluções, temos de ir às comunidades de base e trabalhar com as pessoas locais. Elas entendem os problemas e também sabem qual é a melhor maneira de resolvê-los. Eu estou aqui para aprender sobre o Brasil, aprender como podemos trabalhar em conjunto para garantir que todos tenham acesso à Educação segura de qualidade. Estamos juntos nessa missão”.

“Precisamos nos unir em prol da Educação das meninas para que elas não deixem de sonhar. Eu sei que vocês estão frustrados, com raiva por causa da política, da situação econômica, mas o seu ativismo, a sua voz tem o poder de trazer mudanças. Neste momento em que vocês terão eleições, é preciso garantir que a Educação das meninas seja prioridade. Eu espero que o Plano Nacional de Educação (PNE) tenha continuidade, que haja orçamento suficiente para custear a Educação, e que a evasão escolar seja reduzida”.

“Vamos anunciar nosso novo projeto daqui a 2 dias, estamos apoiando o ativismo local, mas também queremos criar um movimento de defesa a esses meninos e meninas, trabalhando junto com vocês”.

" Precisamos nos unir em prol da Educação das meninas para que elas não deixem de sonhar", disse Malala diante da plateia do evento no Ibirapuera   Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

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