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Por que você não sonha em ser ministra da Educação?

As mulheres são maioria entre professores de todas as etapas de ensino. Mas falta ocupar os espaços de poder

POR:
Paula Peres, Soraia Yoshida, Laís Semis
As mulheres dominam as salas de aula: conforme o nível, elas chegam a 20 para cada homem   Ilustração: Getty Images   Arte: Alice Vasconcelos

Quando Francine André, diretora do núcleo pedagógico da Secretaria de Educação de Ibitinga (SP), decidiu se formar em uma profissão, a mãe não foi a favor. Preferia que ela abrisse seu próprio negócio para ganhar dinheiro. O discurso mudou um pouco quando Francine optou pelo Magistério: "Já que vai estudar, você que é mulher tem que ser professora mesmo".

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Francine faz parte de um contingente que soma mais de 2,3 milhões de mulheres que atuam como docentes da Educação Básica. “No Magistério, no curso de Letras e por todas as escolas que passei, as mulheres sempre foram a esmagadora maioria”, diz Gina Vieira Ponte de Albuquerque, professora da rede público no Distrito Federal e coordenadora do Programa de Ampliação da Área de Abrangência do Projeto Mulheres Inspiradoras.

A “maioria esmagadora” se traduz em uma proporção quase quatro vezes maior na Educação Básica. Do total de 2.192.224 professores que lecionam do Fundamental I ao Ensino Médio, 1.753.047 são mulheres, frente a 439.177 homens, de acordo com o relatório Sinopse Estatística da Educação Básica, elaborado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), com base no Censo Escolar 2017. Na Educação Infantil, chega a ser covardia. Dos 320.321 professores de pré-escola, 304.128 são mulheres, contra 16.193 homens, um número quase 19 vezes maior. Nas creches, a proporção supera 40 vezes: são 266.997 mulheres e 6.642 homens.

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“Historicamente, as mulheres vão para essa profissão porque são mães, têm mais cuidado e mais jeito com criança, esse era o discurso e ainda vale hoje”, afirma Cleuza Repulho, especialista do Programa Formar e ex-presidente da União dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime). Segundo ela, esse é um cenário nacional, comprovado pelos dados do Inep. As mulheres são maioria em todos os estados. Olhando por regiões, a maior diferença está no Sul, em que as mulheres superam os homens em mais de 5,5 vezes, seguida do Sudeste, em que essa diferença fica pouco abaixo de 4,5 vezes.

Se formam a base na sala de aula, a proporção não se mantém à medida que avançam na carreira. As mulheres são predominantes até o cargo de direção, com 80% das vagas, de acordo com dados da Prova Brasil 2015. Já no nível das secretarias estaduais de Educação, a situação se inverte: são 19 homens para 8 mulheres, de acordo com dados do Consed deste ano. Ministros? Historicamente, apenas uma mulher entre as 58 pessoas que já ocuparam o cargo (incluindo os interinos): Esther de Figueiredo Ferraz, que ocupou a cadeira por 2 anos e 8 meses, durante o governo de João Figueiredo, ainda durante a ditadura militar.

Infográfico: Lucas Magalhães

Infográfico: Lucas Magalhães

Como chegamos até aqui

As mulheres formam a base dos educadores brasileiros há muitas décadas. Mas houve um tempo, no início de nossa história colonial, em que elas eram sequer autorizadas a frequentar a escola como estudantes. "Podiam, quando muito, educar-se na catequese", afirma Maria Inês Sucupira Stamatto, no artigo "Um olhar na história: a mulher na escola".

A partir do século 18, as meninas foram ganhando permissão para frequentar as escolas régias – específicas para o público feminino –, que já contavam com docentes mulheres. Abriu-se, assim, um mercado de trabalho feminino: o magistério público. Mas a presença masculina na docência ainda era grande.

Com o tempo e a abertura de novos cursos de formação superior exclusivos para homens, que ofereciam remuneração mais elevada, as mulheres foram se tornando maioria na área. A docência se instituiu como uma “porta de entrada” natural para aquelas que queriam seguir uma carreira. “Durante o Império, a oportunidade para as mulheres de continuarem a estudar se dava pela Escola Normal”, diz Sandra Unbehaum, pesquisadora da Fundação Carlos Chagas (FCC), uma das autoras dos estudos "O Gênero nas Políticas Públicas no Brasil" e "Tesauro para Estudo de Gênero e Sobre Mulheres". Eram os tempos em que “ser professora era bonito”, mas em que também se ouvia muito que “lugar de mulher direita era em casa”.

Maria Helena Guimarães de Castro,
secretária-executiva do MEC 
Foto: Agência Brasil

“Mas seu marido deixou você trabalhar?”

Maria Helena Guimarães de Castro, atualmente a mulher com o cargo mais elevado na Educação brasileira, tem uma extensa carreira na Educação – foi docente na Unicamp, secretária municipal de Campinas, estadual de São Paulo, presidente do Inep e, atualmente, secretária-executiva do Ministério da Educação (MEC), presidente do Comitê Gestor da Base Nacional Comum Curricular e ministra substituta –, mas enfrentou o desafio da resistência masculina, dentro e fora de casa.

Quando se casou, em 1965, ainda havia desaprovação sobre a atuação feminina fora do lar. “Meu marido já tinha uma carreira na medicina e eu só fui fazer faculdade depois de casada. Comecei a trabalhar só depois do nascimento dos filhos, em meados da década de 1970”, relembra. Como muitas mulheres de sua geração, sua escolha enfrentou oposições. “Além da resistência do meu marido, havia a do meu pai, que achava que mulher não deveria trabalhar, mas cuidar dos filhos”.

Quase quatro décadas depois, há, ainda, homens que não conseguem lidar com a autonomia profissional de suas esposas. Gisele Ferreira Carneiro, de 38 anos, é recém-formada em Pedagogia. Aos 15, estava matriculada na Educação de Jovens e Adultos (EJA), mas largou os estudos e logo se casou. “Lidei com uma mentalidade conservadora, em que os papéis do homem e da mulher eram muito bem definidos: o homem era o provedor, e a mulher tinha que ficar em casa, ser mãe”. Voltou a estudar somente aos 24 anos, e mesmo assim contra a vontade do marido. “Tive que ameaçar me separar para ele entender que eu não ia desistir de concluir os estudos e fazer faculdade”, lembra.

A visão de que a responsabilidade por criar os filhos ainda deve ficar com as mulheres, assim como a maior parte das tarefas domésticas, também foi uma combinação que empurrou as mulheres para o magistério. A possibilidade de articulação entre trabalho e família fazia da profissão de professora uma atividade “perfeita”. “Era comum a ideia de que a docência era uma vocação ligada à maternidade, e o cuidado está muito associado ainda ao espaço doméstico”, aponta Amélia Artes, também pesquisadora da FCC, onde integra o Núcleo de Relações de Gênero, Direitos Humanos, Raça e Etnia. Há um estranhamento quando os homens optam por aulas na Educação Infantil e nos primeiros anos do Fundamental. “Para eles, é maior o desafio de superar essas questões e entrar no curso de Pedagogia, em especial para atuar no Infantil”, diz Amélia. “Há uma ideia de que não é lugar do homem trocar fralda de bebê”.

O fato de estar associada ao feminino teria um peso, inclusive, na remuneração e valorização da categoria. “A remuneração do Magistério é desigual quando comparada a outras categorias que também têm formação superior”, afirma Macaé Evaristo, ex-secretária de Educação de Minas Gerais. “Isso acontece porque a forma como o Magistério é tratado no país sofre influência do machismo na sociedade”.

Com os homens “provedores” migrando para outras atividades, a carreira foi se tornando alvo de uma “fragilização”, na opinião de muitos educadores. “Como outras profissões oferecerem melhores salários e uma estrutura de carreira mais atraente, muitos candidatos deixam de optar pela Educação”, diz Cleuza Repulho. O pensamento encontra eco. “As mulheres têm mais anos de escolarização, mas ainda estão segregadas a atividades de menor prestígio, salários diferenciados. É uma situação que depende de mudança cultural e que poderia começar na sala de aula”, diz Sandra.

Macaé Evaristo, ex-secretária de 
Educação de Minas Gerais 
Foto: Reprodução/YouTube

Coisa de menina

“A Educação de qualidade passa pela questão do gênero porque não é só garantir acesso igual a meninas e meninos”, afirma Joana Chagas, gerente de programas da ONU Mulheres, braço das Nações Unidas que promove oportunidades iguais para mulheres. De tanto ouvir que menina não pode praticar certos esportes ou que por pertencer ao gênero feminino não tem como se desenvolver em Matemática e Física, elas acabam acreditando como se fosse um fato. Dados do Observatório Brasil da Igualdade de Gênero apontam que em cursos de Ciências da Computação, os homens ocupam 77,54% das vagas, enquanto as mulheres são maioria em Pedagogia e Enfermagem. “O reflexo disso é que se vê mais mulheres na Educação e menos em Ciências e Tecnologia. E menos ainda em cargos de direção”, diz Joana.

Esse imaginário sobre os espaços que pertencem mais a um gênero do que a outro colabora para que situações de machismo se perpetuem em todas as instâncias: na vida pessoal, familiar, entre amigos, na escola e, posteriormente, na escolha profissional. “É tão naturalizado que a gente, muitas vezes, não se dá conta disso”, diz a pesquisadora Sandra Unbehaum.

Uma prática bem comum e considerada praticamente invisível é a deslegitimação das opiniões e falas de mulheres. A maioria de nossas entrevistadas nesta reportagem citou esse fato em várias instâncias e com diferentes níveis de resistências. Na vida pública, principalmente. “No início, eu senti grande dificuldade em defender minhas posições a respeito de financiamento e contratos, que eram áreas da prefeitura com maioria masculina”, relata Maria Helena Guimarães. Em seu caso, o chamado “sexo frágil” levou a melhor. “Felizmente foram poucas ocasiões difíceis, mais talvez pelo fato de ser muito decidida e sempre falar o que penso. De alguma forma, acho que eles se sentem um pouco intimidados por mim. Muitos até já verbalizaram isso”, diz.

Já no caso de Macaé Evaristo – que além de ser mulher, é negra – mesmo no estágio mais avançado de sua carreira, a disputa para afirmar suas posições é cotidiana. A desconfiança em relação à competência, afirma, começa pelo olhar condescendente. “Já participei de conferências em que, ao final, as pessoas vinham falar comigo para dizer que não davam nada por mim quando cheguei, mas que depois de me ouvirem falar, mudaram de opinião”, conta. E reforça: “Você tem que se provar porque é vista com desconfiança e desqualificação”.

Dá para mudar? Dá. Cleuza Repulho acredita que essa mudança começa ao agregar a comunidade escolar, formando um movimento que tenha força institucional e venha de dentro das secretarias para que as mulheres tenham as mesmas oportunidades em todas as instâncias. “A gente está subindo a escada, mas subimos dois degraus e descemos um”, diz. “O que a gente precisa mesmo é avançar. A pressão externa ajuda na cobrança dos direitos humanos, mas tem que partir daqui”. Não pode ser um movimento isolado: “Tem muitas pessoas se juntando em coletivos, os coletivos das mulheres, das mulheres negras, mães de filhos com deficiência. São pequenas ondas. A gente tem que formar uma onda grande, o ‘vamos e vamos todas juntas’. É essa ideia de que sozinho a gente não tem muita força, mas juntas nós vamos longe”.

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