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Escolas brasileiras precisam deixar de lado a receita de bolo para ensinar ciências

Paulo Blikstein, professor da Universidade Stanford (EUA), apresenta tendências internacionais para trabalhar ciência, tecnologia, engenharia e matemática nas escolas

POR:
Marina Lopes, do Porvir, Vinicius de Oliveira, do Porvir
Foto: Getty Images

O papel da ciência mudou, e as escolas precisam acompanhar esse avanço. Se antes havia uma percepção de que o universo científico se restringia aos grandes feitos e descobertas da humanidade, como a criação de foguetes e novas tecnologias, hoje não resta dúvidas de que esse conhecimento está muito mais próximo da vida cotidiana do que parece. Para o engenheiro Paulo Blikstein, professor brasileiro da Universidade Stanford (EUA), as crianças não devem aprender ciência apenas como curiosidade, mas como algo útil para a tomada de decisões em diferentes áreas, que acompanham desde os efeitos do aquecimento global até o debate das eleições presidenciais.

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“Hoje a ciência é relevante, ela não pode ser deixada apenas para os cientistas”, afirmou Blikstein, que esteve presente durante o 7° Seminário Internacional do Centro Lemann, evento da Fundação Lemann realizado nesta quarta-feira (8), em São Paulo (SP). Diante da percepção generalizada de que havia algo de errado com o ensino de ciências e matemática, ele destacou que nos últimos anos as pesquisas acadêmicas ao redor do mundo começaram a impulsionar o redesenho de currículos e a revisão de conteúdos que realmente devem ser ensinado nessa área.

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Dentro dessa investigação, conforme citou Blikstein, pesquisadores também chegaram à conclusão de que os laboratórios escolares eram subutilizados. “As crianças iam para o laboratório, seguiam o que chamamos de experimento e escreviam um número no relatório, mas não entendiam o que estavam fazendo. Aquilo não era ciência de verdade. Aquilo era uma simulação de ciência, mas não tinha nada de investigação ou produção de conhecimento.”

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O ponto de inflexão veio em 2011, quando as descobertas acadêmicas começaram a apontar que o interesse de um aluno por ciência e matemática era mais importante do que as suas notas. “O ensino precisava ser mais motivante e menos receita de bolo. Um dos resultados desse diagnóstico foi que os currículos começaram a mudar radicalmente”, recordou, ao citar o caso da província de British Columbia, no Canadá, que incluiu no seu currículo uma disciplina de design, tecnologia e habilidades relacionadas para incentivar os alunos a criar protótipos, programar e aplicar ciência na vida cotidiana.

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Já nos Estados Unidos, o Next Generation Science Standards, que traz diretrizes para o ensino de ciências no país, levou engenharia para o ensino básico. De acordo o professor brasileiro, que está à frente do Centro Lemann, em Stanford, a integração entre as disciplinas e a adoção de novos conteúdos, que trazem tópicos das áreas de engenharia, biomecânica e computação, são tendências nos currículos de ciências.

Ao avaliar o cenário brasileiro, Blikstein apontou que a concepção curricular do país ainda trabalha em torno de disciplinas que não conversam entre si. Além disso, ele chama atenção para pontos da BNCC (Base Nacional Comum Curricular), que traz a “intenção e a ideia de colocar a tecnologia no currículo, mas isso não está dentro dos objetivos de aprendizagem”. Dentro das ponderações, ele ainda fez um alerta para a desigualdade presente no país. “O que acontece hoje em dia é que as escolas particulares estão adotando todas essas tendências internacionais de laboratórios, aprendizagem baseada em projetos, robótica e tudo mais. E as escolas públicas não estão conseguindo acompanhar. Isso vai gerar um brecha digital ainda mais grave no futuro se não nos mobilizarmos para lidar com essa situação.”

A reforma do ensino médio também foi citada por ele com algumas considerações e sinais de alerta. “Com os itinerários, temos o risco de gerar uma ‘opcionalização’ de tudo. Se o aluno não se identificar no primeiro ano com exatas, computação e engenharia, ele nem vai explorar essa área porque acha que não tem jeito para isso. Muitas vezes ele nem conhece essas áreas o suficiente para fazer essa opção”, disse. Ele ainda expôs a preocupação de que as escolas dificultem o acesso a esses itinerários porque são mais caros e têm menos professores.

Finalmente, diante dessas mudanças, ele ainda indicou a necessidade de rever o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), que hoje determinam como o conteúdo deve ser ensinado. “Esses exames nacionais são um desafio. Enquanto o Enem não estiver aberto a tendências internacionais de avaliação, as escolas não vão ter tempo ou interesse de fazer qualquer coisa que não atenda a essas demandas [da prova]”, indicou, ao citar exemplos de países que incluem entrevistas com alunos e portfólios de projetos nas avaliações.

Sobre as pesquisas

Durante o seminário, Blikstein também apresentou projetos que estão sendo desenvolvidos no Centro Lemann de Stanford. Um deles é o projeto GoGo Board, que consiste em uma placa robótica educacional. As primeiras versões foram construídas pelo próprio Blikstein e por seu colega Arnan (Roger) Sipitakiat, em 2001, quando eram estudantes de graduação no MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts). No modelo atual, as crianças podem usá-la para construir robôs, medir e registrar dados ambientais, conduzir investigações científicas, criar jogos ou instalações artísticas interativas.

Outra iniciativa é o laboratório na nuvem, ou seja, online, que rodam nos servidores Stanford transmitindo imagens captadas por uma câmera acoplada a um microscópio. O aluno pode acessar seu experimento de qualquer lugar do mundo, por meio do celular ou de um computador. “É uma forma lidar com as dimensões continentais do Brasil, de não ter um laboratório e também de não ter um laboratório de mentira. Este é real e o aluno pode acessá-lo remotamente”.

Outro projeto, Modelamento Bifocal, integra o aprendizado maker com as ciências. Em vez do aluno ter uma aula teórica e só uma semana depois pisar no laboratório, a metodologia privilegia a teoria e o laboratório ao mesmo tempo. Blikstein citou um experimento de difusão em que o aluno aplica a teoria de difusão em um modelo computacional e também no laboratório para entender as variáveis envolvidas no processo.

No Unfold Studio, o pesquisador Chris Proctor combina programas de computador que geram histórias com infinitas ramificações. Para cumprir esse objetivo, o estudante deve aprender a programar e desenvolver técnicas de narrativa. “O Chris criou uma linguagem de programação simples (Ink) que foi testada em muitas escolas públicas da Califórnia (EUA)”, diz Blikstein. “Ele chama isso de multialfabetização. Você aprende a contar histórias, a língua e também as ciências da computação. A ideia é trazer isso para o Brasil (traduzido para o Português) e ensinar computação de uma forma que não seja tecnicista”.

*Reportagem publicada originalmente no site do Porvir

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