Crie sua conta e acesse o conteúdo completo. Cadastrar gratuitamente

O que o mais importante instituto de tecnologia do mundo tem a ver com a sua aula

Na primeira semana de maio, um grupo de dez brasileiros viaja para os Estados Unidos para aprender – e ensinar – sobre aprendizagem criativa, um conceito que tem as primeiras origens no construtivismo de Jean Piaget

POR:
Raissa Pascoal
Grupo de dez brasileiros participa do Desafio de Aprendizagem Criativa, no Media Lab, departamento do do Instituto de Tecnologia de Massachussets (MIT, na sigla em inglês) / Crédito: Raissa Pascoal

Quando se fala em tecnologia, o Instituto de Tecnologia de Massachussetts (MIT, na sigla em inglês) é sempre lembrado como a referência número 1. Aprender nessa universidade, localizada em Cambridge, nos Estados Unidos, costuma ser um sonho de quem estuda Computação e Engenharia. Pouca gente sabe, no entanto, que também é do MIT uma das maiores frentes de estudo sobre aprendizagem criativa, liderada pelos pesquisadores do grupo Lifelong Kindergarten (jardim de infância por toda a vida, em tradução livre), do MIT Media Lab.

O coração do conceito é simples: o aluno aprende melhor quando ele está engajado em construir algo significativo (saiba mais no quadro abaixo). A ideia não surgiu do nada, foi baseada no construcionismo, uma teoria de aprendizagem criada pelo matemático e professor sul-africano Seymour Papert (1928-2016), um dos fundadores do Media Lab. Papert foi inspirado por ninguém menos que Jean Piaget, com quem trabalhou na década de 1960. Biólogo, Piaget investigou como as crianças aprendem e criou uma teoria para explicar que o conhecimento não é transmitido, mas construído ao longo da vida. Era o início do construtivismo.

A aprendizagem criativa é baseada em princípios como criatividade, troca de ideias, colaboração, engajamento e experimentação. Nessa perspectiva, a pessoa que está aprendendo é convidada a pensar, agir e produzir para solucionar um problema ou atingir um objetivo. Muitas vezes, esse tipo de aprendizagem acontece com o apoio da tecnologia. Mas não só. Toda atividade que incentiva o aluno a colocar a mão na massa, criar mesmo algo, já trabalha com aprendizagem criativa.

Teve quem achasse que era coisa de maluco quando Papert (saiba mais sobre ele aqui – link em inglês) propôs que crianças utilizassem computadores (estamos falando da década de 1960!) e programassem para aprender conceitos de Matemática e exercitar a criatividade e inovação. Acontece que não era e tem gente fazendo isso com sucesso até hoje (conheça oito projetos no final da reportagem). Em 1967, o matemático criou o Logo, a primeira linguagem de programação para crianças. Quatro décadas depois, Mitchel Resnick, diretor do Media Lab, grupo fundado por Papert, criou o Scratch, linguagem com a qual é possível fazer animações e jogos sem precisar ter conhecimentos prévios sobre o assunto.

LEIA MAIS

Os três parágrafos acima foram para dar um gostinho de qual é o ambiente que dez brasileiros (conheça um deles no vídeo abaixo) vão frequentar durante sete dias, numa intensa programação de conversas, troca de experiências e desenvolvimento de projetos. Eles foram escolhidos para participar do Desafio de Aprendizagem Criativa 2017, resultado de uma parceria entre o MIT Media Lab e a Fundação Lemann, mantenedora da Associação Nova Escola. “O objetivo da parceria é fomentar projetos de aprendizagem criativa na Educação pública do Brasil. Queremos ajudar a construir uma capacidade local de desenvolver novas ferramentas e iniciativas. O desafio tem um aspecto de formação de professores, para que as pessoas saibam o que é aprendizagem criativa e a adotem na escola e na sala de aula”, diz Leo Burd, diretor do programa de Aprendizagem Criativa do laboratório.

Para Cambrigde, vão pessoas de todo o Brasil, desde Liliane Mendonça, de Cataguases, interior de Minas Gerais, representante de um projeto que alia teatro à tecnologia, a Celicina Azevedo, de Mossoró, no Rio Grande do Norte, com a proposta de disseminar uma metodologia científica para exploração de questões em diversas áreas do conhecimento.

Dos 189 projetos inscritos no Desafio, oito foram escolhidos por critérios como viabilidade, potencial de impacto, diversidade geográfica e inovação. Cada grupo, formado por até duas pessoas, receberá 3 mil dólares (um pouco menos de 10 mil reais) para serem utilizados nas atividades do projeto. Todo mês, a turma vai se reunir virtualmente para conversar sobre o andamento das propostas. A semana no MIT é para conhecer iniciativas que acontecem por lá e, claro, mostrar para os americanos o que é feito no Brasil.

NOVA ESCOLA acompanhará todas as atividades dos brasileiros por lá e compartilhará aqui, no nosso site, no nosso Facebook e no Instagram. Abaixo, você conhece um pouco de cada um dos projetos. Alguns já podem inspirá-l@ a pensar em atividades diferentes para a sua sala de aula ou para sua escola.

 

Com a mão na massa

Conheça os oito projetos que vão participar do Desafio de Aprendizagem Criativa 2017

Mattics - Matemática e Games? Eis a questão!

Goiás

Os alunos de Greiton Toledo de Azevedo, da EM Irmã Catarina, apresentam sua criação digital (Foto: Raphaela Boghi)

O projeto foi criado quando o professor de Matemática e programador Greiton Toledo de Azevedo percebeu que os alunos não tinham só em interesse em jogar os jogos que ele programava para ensinar conteúdos da disciplina, mas construí-los. Tudo começou em encontros no contraturno, nos quais os alunos definiam e discutiam o tema do jogo, construíam o roteiro e começavam a programar, utilizando o Scratch. O trabalho com conceitos matemáticos aparece na hora de solucionar uma questão, como a movimentação de um personagem no jogo. “O projeto trabalha não somente o desenvolvimento cognitivo matemático, mas a motivação, a autonomia e o saber ouvir críticas”, conta o professor. Greiton e Silmara de Carvalho, vice-coordenadora do Mattics, querem ampliar as ações do projeto para mais escolas públicas e pretendem auxiliar no tratamento do mal de Parkinson, com jogos elaborados e construídos por alunos dos anos finais do Ensino Fundamental.


MUNDO MEU: formas animadas a partir de materiais reciclados, sucatas e dispositivos elétricos e eletrônicos

Minas Gerais

Avião e carrinho de papelão feito para uma peça de teatro do projeto Mundo Meu (Foto: Liliane Mendonça)

A proposta representada pela professora Liliane de Paula Mendonça alia teatro e tecnologia. O objetivo é o seguinte: realizar uma peça de teatro construída do começo ao fim pelos alunos. Tudo começa com a definição de um tema. Depois, os alunos partem para a criação do roteiro, dos personagens, para o desenho e a construção do cenário. Daí, já dá para ver que muitos conhecimentos – e professores de muitas disciplinas – podem se envolver. “Numa escola, o tema foi trânsito. Fizemos carrinhos de papelão que se movimentavam, o que demandou utilizar muitos conceitos de Matemática e robótica. Essas criações vão surgindo e se integram à narrativa”, conta Liliane. O objetivo é ampliar a autonomia do aluno e colocá-lo no lugar de protagonista. “O projeto tem um caráter cooperativo e colaborativo”, diz.


ELABORANDO - Laboratórios de inovação, criatividade e inclusão

Rio de Janeiro

Numa pesquisa sobre as melhores experiências no Rio de Janeiro sobre inclusão de alunos com Síndrome de Down, muitos professores disseram que o material utilizado com crianças com necessidades educacionais especiais era usado com todos os alunos, pois isso ajudava no avanço da turma inteira e ainda auxiliava na inclusão do aluno com deficiência. Isso foi o pontapé para Maria Antonia Goulart da Silva, especialista em políticas públicas de Educação Integral, pensar em ressignificar a sala de recurso das escolas, transformando-as em laboratórios de inovação, criatividade e inclusão. A ideia é que, nesses lugares, docentes construam com as próprias mãos estratégias e recursos multissensoriais. A produção é baseada nos princípios do desenho universal, um conceito que defende a elaboração de produtos e ambientes que podem ser usados por todos, sem necessidade de adaptá-los para uso de pessoas com deficiência.


Scopa Bits

São Paulo

Kit de baixo custo de prototipagem eletrônica (Foto: divulgação)

Boa parte dos produtos existentes para trabalhar com circuitos eletrônicos são caros, o que inviabiliza atividades de robótica em muitas escolas. Com isso na cabeça, a educadora e facilitadora de aulas maker Nara Brandão Schenkel e outros integrantes do Scopa Bits criaram um kit de baixo custo para prototipagem em eletrônica. “Nós queremos disseminar o trabalho. Inicialmente, criamos projetos e deixamos abertos para que as pessoas pudessem baixá-los e aplicá-los em sala de aula. Hoje, capacitamos profissionais dentro da escola”. A ideia é formar professores que também consigam produzir os kits


CRIAR - Criatividade e Inovação para uma Aprendizagem Revolucionária

Amazonas

Quem está em formação ou no início de carreira sabe o quão desafiador é propor e realizar atividades que engajem os alunos ao mesmo tempo que contextualizem o conteúdo. Ao se tornar professor na Universidade Federal do Amazonas (UFAM), Elio Molisani Ferreira Santos, mestre no ensino de Física, percebeu que os alunos de licenciatura da faculdade precisavam de subsídios para aplicar metodologias mais ativas em sala de aula. Por isso, criou, com Marisa Cavalcante, professora da PUC-SP, um projeto para formar esses professores, já na graduação, para trabalhar com projetos. “Eu e a Marisa trabalhamos com a ideia de formação científica, propondo o uso de programação com o Scratch e o Arduíno [um placa utilizada para programação]. Queremos trazer significado para o ensino da Física, da Química e de Matemática”, diz Elio.  O próximo passo é abrir a formação para docentes da rede pública e privada do estado.


SEED LAB - Implantação de Laboratórios de Produção Digital na Secretaria de Estado da Educação do Paraná

Paraná

Estudantes criam braço mecânico com protótipo feito em impressora 3D. A programação do braço foi feita com arduíno (Crédito: Divulgação/SEED Paraná)

Eziquiel Menta é professor de Matemática há 22 anos e, hoje, está à frente da diretoria de políticas e tecnologias educacionais da Secretaria de Estado da Educação do Paraná. “Num curso que eu fiz, ouvi falar do movimento maker [que incentiva que as pessoas construam coisas com as próprias mãos]. Comecei a pesquisar mais sobre isso. Não tínhamos nada parecido no Paraná”, diz. Com isso na cabeça, Eziquiel voltou para a terra natal com a proposta de criar um espaço para experimentar a atividade maker e fortalecer essa cultura entre os paranaenses. Daí surgiu o SEED LAB, que prevê a criação de espaços maker e o incentivo que professores e alunos da rede pública desenvolvam projetos aliados ao currículo no local. “Em Curitiba, já temos uma impressora 3D, kits de robótica, placas de arduíno e laboratórios de informática com Scratch. Os professores também já estão sendo formados para trabalhar nesses ambientes”, conta. Para baratear o custo e ampliar a proposta para a toda a rede, outro objetivo é construir kits de robótica com materiais alternativos.


MCAT - Metodologia Científica ao Alcance de Todos

Rio Grande do Norte

Alunos de EE Governador Walfredo Gurgel, da cidade de Antônio Martins, no Rio Grande do Norte, apresentam rádio que construíram com sucata numa feira de ciências internacional em Houston, nos Estados Unidos (Crédito Felipe Ribeiro)

Junto com os professores, os alunos realizam uma tempestade de ideias com perguntas que eles gostariam de investigar. As regras são: não pode criticar a ideia do colega, todas as propostas são anotadas e a dinâmica precisa ser rápida. Depois, a turma escolhe uma pergunta que guiará um trabalho científico. Daí, começa um processo de investigação para achar a resposta, que será compartilhada numa feira de ciências. Esse é o cerne da Metodologia Científica ao Alcance de Todos (MCAT), criada pelos professores universitários Felipe Ribeiro e Celicina Azevedo. “A feira de ciências não é só de Química, Física e Biologia. As perguntas que serão investigadas podem ser de Ciências Sociais também. Queremos incentivar que o aluno encontre uma dificuldade e busque como resolvê-la”, conta Celicina. A MCAT alcançou o status de tecnologia social, um método criado para solucionar um problema social que possa ser aplicável em várias realidades. O próximo passo do projeto é criar um manual de aplicação de metodologia, com detalhes sobre como deve ser a capacitação dos professores para realizar a tempestade de ideias e conduzir a investigação.


Robox (Powered by One Dollar Board)

Paraná

A proposta de ser um kit de programação de baixo custo fica clara quando a própria caixa que transporta o material vira a estrutura de um robô. O kit é composto por uma placa eletrônica que custa um dólar, que se conecta no computador via USB e carrega um manual para baixar o programa e ter acessos aos códigos de programação. Com o código finalizado, a placa pode ser acoplada no robô para que ele execute as instruções pensadas. A ideia é que o kit de baixo custo ajude a disseminar a robótica pelas escolas do país.

Você também pode encontrar mais informações sobre estes e outros projetos no site da Rede de Aprendizagem Criativa.

Tags

Guias