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Alunos chegam ao Médio sem saber divisão e interpretação de texto

Para professores ouvidos por NOVA ESCOLA, deficiências apontadas pelo Saeb não surpreenderam

POR:
Flavia Nogueira
Foto: Getty Images

Iábita Azevedo, professora há 15 anos e atualmente lecionando Matemática para o Ensino Médio em Parnaíba, no Piauí, não se surpreendeu com os resultados do Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica), divulgados nesta quinta-feira

(30/08). De acordo com a avaliação, o Ensino Médio está “estagnado desde 2009” e, na avaliação de Matemática, cerca de 70% dos estudantes do país que participaram do Saeb apresentaram resultados insuficientes. O mesmo ocorreu em Língua Portuguesa.

O Saeb ainda revelou que, no ensino de Matemática, o Piauí está abaixo da Proficiência Média Nacional, de 270 pontos. Nesta disciplina, os alunos avaliados no estado alcançaram 261,7 pontos. Para fazer uma comparação, o estado que alcançou a maior pontuação foi o Espírito Santo, com 291,6 pontos.

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Em entrevista à NOVA ESCOLA, Iábita afirma que estes resultados são verdadeiros, mas o problema tem início antes do Ensino Médio.

“Eles chegam ao Ensino Médio com dificuldades da Matemática Básica. No meu caso, é uma (dificuldade em) interpretação de texto, contextualização", explica. "Não conseguimos avançar muito por causa dessa deficiência. Temos que tentar sanar esta questão para avançar com o conteúdo. Geralmente, esses alunos terminam o ano com essa falha.”

A questão da estagnação no Ensino Médio é o limite da Educação Básica, “coisas que foram acumuladas ao longo dos anos e, quando esse aluno chega ao Ensino Médio, se tornam evidentes”, diz a professora.

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“Os alunos falam: 'Ah, professora, não vi isso, não aprendi isso, não sei dividir'. São alunos de terceiro ano (do Médio). Agora mesmo estou com um projeto com alunos do terceiro ano para revisar matemática básica, em que estudo frações, divisões, expressões numéricas, porque eles apresentam algumas deficiências.”

Iábita afirma que enquanto existirem professores de Educação Básica “mal remunerados, cansados e sobrecarregados, que não têm tempo para planejar, não poderemos contar com professores criativos, que despertem no aluno o desejo de aprender, especialmente Matemática em um era pós-digital”.

“Atualmente desenvolvo um trabalho melhor porque busco uma melhor qualidade de vida, tenho tempo para desenvolver melhor o meu trabalho – tempo para planejar, adquirir conhecimento em capacitações relacionadas ao conhecimento teórico e práticas pedagógicas – e estar sensível às necessidades dos alunos.”

Deficiências graves

A professora Maria Gabriella Fonseca trabalha no Ensino Médio mas, até o ano passado, lecionava Língua Portuguesa para o sexto ano do Ensino Fundamental em uma escola de Manaus, no Amazonas. Ela também observou deficiências graves nos estudantes.

“No sexto ano, alguns alunos apresentam dificuldades em decodificar e interpretar o texto. É complicado um aluno chegar a essa etapa sem ter adquirido a competência leitora básica. Se um aluno chega a essa etapa sem saber ler, como vai adquirir outros conteúdos necessários? A competência básica de leitura – que é decodificar – deveria ter sido adquirida no terceiro, quarto ano.”

O Saeb revelou que, em Língua Portuguesa e no quinto ano do Ensino Fundamental, a Proficiência Média Nacional foi de 215 pontos, ou seja, nível quatro. O estado que mais pontuou foi o de São Paulo, com 230,3 pontos. O Amazonas não alcançou a média, com apenas 202,3 pontos.

Para Maria Gabriella, essa deficiência mais grave (não decodificar os textos) não atinge a maior parte dos alunos, mas de modo geral há muita dificuldade em interpretação do que se lê.

“Esses casos pontuais com os quais me deparei são muitos graves, pois a criança vai precisar de aptidão de leitura em todas as matérias escolares e em seu cotidiano fora da escola. ”

Tempo X planejamento

João (que prefere não dar o nome verdadeiro) é coordenador pedagógico de uma escola de Ensino Fundamental do interior da Bahia, e aponta uma precarização no trabalho dos professores como um dos fatores que pesam nos resultados.

“Como coordenador pedagógico, eu deveria estar conversando com meus professores, elaborando, cobrando algo mais lúdico. Só que eu não tenho como fazer esta cobrança. Eu teria que dizer para o professor trabalhar em casa para elaborar uma aula mais dinâmica. Pelo tempo que ele tem, ele (simplesmente) adota tudo o que tem no livro didático. É uma ferramenta boa, mas não é a única, poderia ter mais ferramentas para uma aula mais dinâmica.”

A Bahia ficou abaixo das Proficiências Médias Nacionais no Ensino Fundamental. Em Língua Portuguesa, no quinto ano do Fundamental, a Proficiência média nacional foi de 215 pontos, e a Bahia chegou aos 197,7 pontos. Em Matemática, no mesmo ano, a média nacional foi de 224 pontos e a Bahia alcançou 205,6. No nono ano do Fundamental, em Língua Portuguesa, a Proficiência média nacional foi de 258, e a Bahia chegou aos 242,1. Em Matemática, a média nacional foi de 258 pontos e a Bahia conseguiu chegar aos 241,2.

João afirma que ele não tem a hora atividade, “um terço da carga horária para atividade de elaboração, estudo e formação continuada”.

“Aqui, o aluno é liberado meio período na sexta-feira. Isso é totalmente insuficiente para um planejamento a contento, para que o professor possa pesquisar, montar uma aula diferenciada, mais lúdica. O professor leva o trabalho para casa, ele se sobrecarrega, o que não é bom. O fator tempo é o principal problema.”

João vai mais além. “Não tenho este tempo com os professores porque eles têm das 9h30 até as 11h30 para realizar um planejamento de uma semana”, diz.

Outro problema apontado pelo coordenador pedagógico é a lotação nas salas de aula. Em sua escola, que atende o Fundamental 1 e o Fundamental 2, a média é de 30 alunos por sala.

“Para esta quantidade de alunos, as salas de aula não têm um espaço físico em metros quadrados razoável, que dê esta condição. Na maioria das salas não tem como colocar todos os alunos em círculo.”

SAEB EM NÚMEROS

Mais de 70 mil escolas visitadas

Provas realizadas entre 23 de outubro e 03 de novembro de 2017

Mais de 5,4 milhões de estudantes avaliados

No 5º ano do Ensino Fundamental foram 2.193.137 estudantes

No 9º ano do Ensino Fundamental foram 1.805.181 estudantes

Na 3ª e 4ª séries do Ensino Médio foram 1.459.747 estudantes

Olímpicos

Ainda que no quadro geral haja poucas razões para comemorar, há bons exemplos até em estados que não alcançaram a Proficiência média nacional.

Na avaliação do Saeb para o quinto ano do Ensino Fundamental, a Proficiência Média Nacional em Matemática foi de 224 pontos. O estado de Alagoas chegou a 207 pontos. Já a Proficiência média nacional em Matemática para o nono ano do Fundamental foi de 258 pontos e Alagoas chegou aos 248 pontos.

Em Alagoas, no município de Coruripe, a professora de Matemática da Escola Municipal de Educação Básica Liege Gama Rocha, Katiene Santos Paes, conta que a Educação do Fundamental 1 e 2 do município vem se destacando há anos graças a um trabalho extenso que envolve professores e diretores.

“Há o empenho dos professores e também uma formação continuada. Temos um cronograma de encontros semanais na escola e, mensalmente, pela Secretaria de Educação. Nós discutimos as estratégias, temos estudos, desenvolvemos as aulas, temos o aulão e intercâmbio entre as escolas, não apenas entre professores, mas também envolvendo diretores.”

Como resultado, sua escola é recordista em medalhas em olimpíadas de Matemática. Katiene conta que os alunos começam a ser preparados no 2º ano do Fundamental.

“A partir do terceiro ano do Fundamental, as crianças participam da Olimpíada Canguru. Como é no começo do ano, eles são preparados já no segundo ano. E, a partir do sexto ano, já estão nas Olimpíadas Nacionais. Há um trabalho voltado para isso. A Matemática é vista com outro olhar. É mais fácil, pois começamos da base.”

“Desde o Ensino Fundamental 1 tem este trabalho voltado em avaliar as questões de Matemática. E, se preparar bem a base, o resultado vai ser melhor lá na frente”, conclui.

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