Como a escola pode usar a internet para discutir saúde mental
Metade dos 30 mil atendimentos anuais recebidos no chat do CVV são de jovens de 13 e 20 anos e 50% falam em morte e suicídio
POR: Laís SemisÉ possível ensinar aos “nativos digitais” como usar melhor a internet? Há quem não tenha dúvidas de que sim. “Às vezes, a gente confunde usar intensamente com saber usar e ter capacidade de desfrutar inclusive das oportunidades que essas tecnologias trazem”, diz Rodrigo Nejm, diretor de Educação da SaferNet Brasil e doutor em psicologia. Para ele, o próprio uso do termo “nativos digitais” é perigoso porque mascara uma ideia de que a tecnologia é nata às novas gerações. “Acabamos atribuindo uma série de habilidades e competências que não são automáticas para as gerações que nasceram em época de abundância de tecnologia. Eles sabem usar muitas vezes por tentativa e erro”, explica. O tema foi discutido no evento Saúde Mental na Escola, realizado pela NOVA ESCOLA, com apoio do Facebook e Instagram.
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Nem sempre crianças e adolescentes dominam recursos como gerenciamento de configurações, padrões de conduta ou a pesquisa em fontes confiáveis quando navegam pela internet. E é nesse contexto que a escola pode contribuir. Para Rodrigo, mais do que uma tarefa do professor de informática ou um trabalho pontual dentro de um componente curricular, esses temas precisam ser trabalhados de forma diluída como competências básicas de habilidade de vida social. “São noções cívicas básicas que ninguém aprende sozinho só porque nasceu depois dos anos 2000”. Professores e alunos poderiam complementar e fundir suas aprendizagens no ambiente digital.
IDENTIDADE E COMPORTAMENTO
Um dos primeiros passos para falar de internet com os jovens é ter uma mudança de olhar sobre as redes sociais e outras plataformas da internet. Não é o paraíso que se proclama, mas também não é o vale perdido que tantos temem. “Em muitas discussões, essa questão é colocada de maneira antagônica: seriam as redes sociais algo bom ou ruim para essas novas gerações?”, diz Natália Paiva, gerente de políticas públicas do Instagram para a América Latina. No entanto, outras leituras poderiam ser feitas. “Elas podem ser vistas como uma realidade, uma extensão muitas vezes do espaço social em que os jovens estão. É um lugar de socialização, expressão e de conexão”. Assim, da mesma maneira que acontece na convivência fora do espaço virtual, podem refletir comportamentos de todas as naturezas.
Pelo alcance e exposição, um assunto, um post, um pensamento podem ganhar uma repercussão ampliada. “Na mediação digital, eu posso me sentir mais forte para expressar algumas coisas e mais frágil para outras”, diz Rodrigo Nejm. Por isso, o diretor de Educação da SaferNet Brasil acredita que a escola pode usá-lo como espaço de autorreflexão e crítica sobre o próprio uso. “Esse momento de refletir sobre meus preconceitos, contradições é muito interessante porque abre um espaço de cidadania e do meu lugar no mundo”.
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E a cidadania digital é o caminho para garantir uma convivência responsável e saudável na internet. Assim como acontece no mundo real, a construção de cidadãos conscientes no mundo digital é a garantia de que haja ética e segurança para os usuários, com respeito às regras de conduta. A escola pode contribuir para esta conscientização ao levá-los a se questionar sobre determinadas ações e reações na vida online, ao apresentar informações e recursos que permitam um melhor uso e mais qualificado desse espaço.
Um meio de fazer isso é usar situações reais recorrentes. “Se houver um comentário ofensivo, como eu reajo a isso?”, exemplifica Natália. Questionar como os adolescentes se sentem nesses espaços, como usam e como se sentem afetados por acontecimentos que podem surgir neles pode ser uma oportunidade para orientá-los. Confira abaixo algumas dicas de perguntas do Instagram para começar uma conversa com um adolescente sobre redes sociais:
- O que você gosta no Instagram?
- Quais são as principais contas que você gosta?
- O que você gostaria que eu soubesse?
- Em que você pensa antes de publicar algo?
- Se você pensa antes de publicar algo?
- Como as curtidas e comentários afetam como você se sente?
- Como você se sente em relação à quantidade de tempo que passa online?
- Você conhece seus seguidores: e se um desconhecido entrasse em contato por direct?
- Você já sentiu algum desconforto com algo que viu ou com alguma experiência que teve online?
- O que você faria se visse alguém sofrendo bullying? Conhece os mecanismos de denúncia?
Ao ter conhecimento das diretrizes cidadãs e dos diferentes recursos disponíveis para combater comportamentos impróprios, é possível fazer algo para mudar determinadas situações, como o bullying ou a pornografia de revanche. Na plataforma do Instagram, também há dicas de como denunciar casos de bullying ou comportamentos abusivos (acesse aqui).
Diversos sites oferecem instruções para quem presencia ou se envolve em crimes e violações contra os Direitos Humanos na Internet. O Facebook, por exemplo, disponibiliza em sua plataforma uma Central de Segurança, que reúne diversos desses materiais. “A gente tem uma equipe que trabalha 24 horas por dia, 7 dias na semana para revisar esses conteúdos denunciados e tomar ações concretas”, conta Daniele Kleiner, gerente de políticas e programas de segurança para a região da América Latina no Facebook. A SaferNet Brasil, além das cartilhas, oferece um serviço de recebimento de denúncias anônimas.
COMPORTAMENTOS DE RISCO
Grupos, sites e até brincadeiras perigosas (os chamados desafios) circulam temas ligados à automutilação e suicídio de maneira mais romantizada, incentivando comportamentos e até ensinam como praticá-los. Por mais assustador que possa parecer – especialmente se um adulto descobre que um aluno é praticante, por exemplo, de um desafio online que pode colocar sua vida em risco –, uma reação repreensiva ou desencorajadora por parte do adulto pode fazer com que esse jovem se feche para uma conversa mais sincera. “Como adultos responsáveis, nós precisamos dosar nossa reação emocional”, diz Rodrigo. A estratégia da escuta sensível pode funcionar melhor, garante.
Vale lembrar que esse lado tenebroso da internet é só uma de suas vertentes. E não é por isso que a internet precisa ser a vilã temida. “É a mesma metáfora do espelho: não adianta eu quebrar o espelho se eu me incomodo com a imagem que eu vejo refletida”, aponta o diretor de Educação da SaferNet Brasil. Há uma infinidade de possibilidades positivas que a internet proporciona, que podem inclusive apoiar muito a Educação. O grande desafio seria pensar estratégias para mediar o acesso. “Não é esconder completamente o risco, mas ter informação pras pessoas saberem quais são os riscos e evitar produzir dano a partir desse risco. Essa é uma estratégia importante”.
O mundo digital também é um espaço de promoção e prevenção de comportamentos abusivos e de risco. E não é preciso ir muito longe para se deparar com essas ferramentas. Basta explorar um pouco mais os próprios espaços que ocupamos, muitas vezes, diariamente. “O Facebook trabalha com a prevenção do suicídio há mais ou menos 10 anos”, relembra Daniele Kleiner. “Sabemos que o Facebook está em uma posição única para que as pessoas possam de fato dizer o que elas estão sentindo e possam ser de fato alcançadas por ajuda”. A plataforma desenvolveu um sistema inteligente, que foi alimentado com determinados comportamentos de risco e aprende determinados padrões. Quando a ferramenta identifica uma publicação de risco, ela envia opções para falar com um amigo ou entrar em contato com uma linha de ajuda. “As pessoas também podem e devem denunciar, caso alguém faça uma postagem que expressa sofrimento emocional”, diz Daniele.
A linha de ajuda indicada pelo Facebook é a do Centro de Valorização da Vida (CVV). O trabalho da organização, que conta com voluntários que se colocam à disposição para conversar e dar apoio emocional, começou com atendimentos pessoais e foi evoluindo pelos meios de comunicação. “Hoje, recebemos 2,5 milhões de ligações por ano e 30 mil atendimentos por chat”, conta Antonio Carlos Braga, diretor do CVV. Ele conta que a instituição questionava se o calor de uma ligação poderia substituir as palavras escritas pelo chat. “O susto que nós levamos foi que no chat as pessoas escrevem o que não falam. Ele entra direto no assunto "não aguento mais". É muito forte. Não tem aquecimento”. Outro susto são os números de quem pede ajuda online: 50% de quem entra no chat têm entre 13 e 20 anos e 50% falam em morte e suicídio.
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Com o público de adolescentes e jovens em alerta, o CVV está desenvolvendo com a ajuda de profissionais uma apostila e uma série de vídeos com foco em educadores e pais sobre o tema e com dicas para uma escuta acolhedora.
Para levar o tema desses espaços de risco e prevenção para a sala de aula, é preciso deixar os preconceitos, medos e moralismo do lado de fora. “Não funciona aquela coisa do ‘hoje vamos falar sobre os perigos da internet’. Não faça isso”, aconselha Rodrigo. A conversa pode ser levada por outras perguntas que disparem boas conversas e possam promover uma postura mais crítica. Falar sobre o que pode incomodar no espaço digital e quais são as vezes que temos reações emocionais negativas diante das telas pode ser o início dessa conversa.
O mito de que os “nativos digitais” já sabem tudo e os adultos não podem ensinar mais nada a eles precisa ser quebrado. Para Rodrigo, o uso entre adolescentes e adultos não necessariamente será o mesmo com a troca intergeracional de aprendizados. “A riqueza da internet é permitir vários usos. É a apropriação dela que vai fazer a diferença”, diz o especialista. “Precisamos pensar como a escola pode desenvolver a cultura digital como uma competência. Mais do que usar a tecnologia na escola ou na didática, a escola ser um espaço de reflexão na vida dentro e fora desse espaço”.
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