As dez dúvidas mais comuns sobre inclusão
De legislação a relações pessoais, respondemos às dúvidas mais comuns dentre mais de 300 perguntas enviadas a NOVA ESCOLA
POR: Pedro AnnunciatoLEGISLAÇÃO
A quais recursos uma pessoa com deficiência tem direito na escola?
A lei garante o direito a todos os recursos necessários para o aluno aprender. De intérprete de Libras à biblioteca em Braille, de profissionais de apoio a banheiros acessíveis, há uma infinidade de especificidades cobertas pela lei. O documento A Consolidação da Inclusão Escolar no Brasil 2003-2016, publicado pelo Ministério da Educação (bit.ly/consolidacao-mec), descreve cada item a que os alunos têm direito. A Nota Técnica nº 4, de 2014, prevê que a escola deve criar um grupo de estudo que reúna a gestão e o corpo docente e o professor de Educação especial da rede ou da própria escola (se ela tiver). É esse corpo técnico que vai avaliar pedagogicamente caso por caso e levantar quais são os recursos necessários. Cada rede possui trâmites próprios para formalizar essas solicitações, mas a escola tem respaldo legal para fazê-las com base na Lei Brasileira de Inclusão, de 2015.
Um aluno com deficiência pode ser reprovado?
O aluno com deficiência está submetido às mesmas regras que qualquer outro, portanto, ele pode ser reprovado. O importante, porém, é não baixar as expectativas, exigindo deles o máximo, e repensar os processos de avaliação como um todo. “Currículo não é uma lista de conteúdos, mas tem a ver com as habilidades e competências que cada um desenvolve. Se a avaliação for conteudista, esses estudantes podem ficar em desvantagem, mas essa não é uma boa maneira de avaliar”,diz Biancha Angelucci, pesquisadora de Políticas de Educação Especial da USP. Além disso, a avaliação precisa ser acessível e respeitar as funcionalidades do aluno, isto é, a forma com que ele se organiza no mundo. Por exemplo: um aluno surdo não pode ser avaliado em Língua Portuguesa da mesma maneira, pois, para ele, o português é uma segunda língua e é desenvolvido apenas na forma escrita.
As salas que tenham alunos com deficiência devem ser menores?
Não existe um número de alunos preestabelecido. Segundo o Guia Prático: o direito de todos à Educação, publicado pelo Ministério Público do Estado de São Paulo (bit.ly/guia-mpsp), a recomendação é de que “cada município deve ser capaz de estabelecer números e parâmetros específicos”. Mais importante do que o número de alunos por classe, entretanto, é a proporção de alunos com deficiência em cada turma. Não se pode, por exemplo, colocar todos os estudantes com deficiência numa mesma sala, sob o risco de reproduzir o modelo de salas especiais segregadas - que até se aplica em alguns casos, como o das classes bilíngues para alunos surdos, mas não devem ser a regra. O guia sugere que uma proporção adequada poderia tomar como referência o número de pessoas com deficiência na população geral, que gira em torno de 10%. Ou seja, numa sala com 30 estudantes, três seriam com deficiência. E vale reforçar: a matrícula desses alunos jamais pode ser recusada.
CURRÍCULO
Qual é o papel do professor do Atendimento Educacional Especializado (AEE)?
O nome do cargo pode variar de rede para rede, mas a função é basicamente a mesma: o professor do AEE é um profissional que auxilia o corpo docente a fazer a avaliação pedagógica e a construir o planejamento. Parte do trabalho, portanto, é direcionada ao professor que convive com a criança diariamente, e não ao aluno. Em algumas redes, como a de São Paulo, o professor do AEE faz atendimentos na sala de aula em dias e horários combinados. E, em geral, é esse profissional que desenvolve, no contraturno, atividades mais focadas em certos objetivos. As redes não são obrigadas a contratar um professor especializado para cada escola. Cada município ou estado tem autonomia para desenhar a estrutura do AEE conforme as necessidades e possibilidades locais.
Como ensinar Língua Estrangeira para surdos?
O professor pode aplicar a mesma estratégia válida para a Língua Portuguesa: limitar-se à expressão escrita da Língua Estrangeira ensinada, seja Inglês, seja Espanhol. A Educação para surdos é considerada bilíngue porque a Língua Brasileira de Sinais (Libras) é, como o nome diz, uma língua própria, distinta do português e própria do Brasil. Os americanos, por exemplo, possuem a American Sign Language (ASL), a sua própria língua de sinais. A Libras, portanto, não serve para comunicação com os estrangeiros.
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CUIDADOS
Minha escola é cheia de escadas e não possui banheiro adaptado. O que fazer?
A gestão da escola pode consultar a diretoria de ensino ou a secretaria de Educação a respeito da possibilidade de reformas. É importante saber que unidades escolares têm esse direito e recursos previstos em lei para isso. O Fundo de Manutenção da Educação Básica (Fundeb) repassa o dobro de verba por aluno para as matrículas de pessoas com deficiência, e o propósito é justamente garantir dinheiro para obras de acessibilidade e aquisição de equipamentos, como a máquina de escrever em Braille, por exemplo. Além disso, o catálogo do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) inclui obras didáticas e paradidáticas acessíveis, tanto impressas quanto em formatos audiovisuais. Cabe à escola incluí-las na lista, no momento de fechar a solicitação.
Posso deixar o estagiário cuidando do aluno com deficiência?
Não. A responsabilidade dentro da sala de aula é do professor. O profissional de apoio, estagiário ou não, pode dar uma assistência geral ao docente, ajudando na preparação de materiais ou no trabalho em pequenos grupos de alunos. O papel do auxiliar é facilitar a inclusão de todos, e não desenvolver atividades separadamente.
Como lidar com alunos agressivos?
O primeiro passo é descobrir quais situações disparam esse comportamento. Isso porque nenhum aluno “é” agressivo, mas reage com agressividade em alguns contextos. Ter isso em mente evita a rotulação, prejudicial à construção das relações entre o indivíduo, os educadores e os colegas. Uma vez identificada a causa da crise, pense em estratégias para eliminá-la ou minimizá-la e analise os resultados obtidos. Também pode ser útil conversar com a família para saber se a agressividade tem se manifestado em casa.
FAMÍLIA
O que fazer quando os pais não confiam na escola?
É normal que os pais de alunos com deficiência se sintam mais inseguros ao deixarem seus filhos na escola em um primeiro momento. Mais uma vez, o diálogo constante sobre o trabalho que será desenvolvido é fundamental. Leve os familiares para conhecerem todos os espaços da escola, apresente a equipe de funcionários - merendeiras, auxiliares de limpeza, funcionários da secretaria, por exemplo. Procure também contemplar as necessidades do aluno. Algumas escolas possuem agentes especializados em auxiliar esses estudantes com procedimentos de higiene, alimentação e até com algumas rotinas na administração de medicamentos - prescritos por profissionais de saúde, é claro. O importante é demonstrar que a escola se preocupa com a integridade física e moral do estudante, e que todos estão empenhados em garantir um ambiente sadio para todas as crianças.
Como se aproximar de uma família que não aceita o diagnóstico do filho?
É preciso ter muita sensibilidade para compreender que a chegada de uma criança com deficiência pode ser um golpe duro para alguns pais. Escutar atentamente as angústias dos pais e falar das potencialidades que o aluno apresenta podem ser caminhos interessantes para conduzir o diálogo. É importante, porém, não forçar a aceitação e não dar demasiado foco na deficiência.
Fontes: Eliana Cunha, coordenadora de Educação Inclusiva da Fundação Dorina Nowill para Cegos; Elaine Milmann, especialista em autismo do Centro Lydia Coriat, em Porto Alegre (RS); Cristina Inafuku, especialista em autismo do Instituto Lugar de Vida, em São Paulo (SP); Cristina Abranches, diretora do Centro de Atendimento e Inclusão Social (Cais), em Contagem (MG); Biancha Angelucci, especialista em Política Pública Inclusiva da USP; A Consolidação da Inclusão Escolar no Brasil - 2003 a 2016, do Ministério da Educação, 2016; e Guia Prático: O Direito de Todos à Educação, do Ministério Público do Estado de São Paulo, 2012