Como as habilidades socioemocionais podem melhorar a convivência?
Práticas democráticas associadas ao desenvolvimento socioemocional e ético promovem um clima escolar mais saudável
POR: Tory OliveiraA neurociência e os conhecimentos da natureza cognitiva das emoções mostram que o desenvolvimento das habilidades socioemocionais e afetivas impactam direta e positivamente na aprendizagem. Mas há outro ponto a favor do trabalho com as emoções: a melhora no clima escolar e na convivência entre os estudantes. Assim, ao abrir os olhos para a dimensão sociomocional e ética de crianças e jovens, em um contexto em que as práticas são democráticas, aumenta-se a probabilidade de que conflitos, casos de violência e de bullying sejam equacionados por meio do diálogo e melhorem as relações na comunidade escolar.
Aprender a se comunicar melhor, cooperar em prol de um objetivo trabalhando em grupo, dialogar e negociar um conflito de maneira construtiva, saber oferecer e pedir ajuda, por exemplo, melhoram a capacidade do sujeito de lidar com situações relacionais difíceis de forma mais competente. “Se eu parto para a agressão, é porque não encontrei uma saída mais construtiva. Ao aprender essas habilidades, amplio o meu repertório para lidar com situações de conflito”, explica a psicopedagoga Alcione Marques. Com isso, há uma relação direta entre essas habilidades e a maneira como os jovens lidarão com o conflito no ambiente escolar. Para a doutora em Psicologia pela PUC-SP, Denise de Camargo, que estuda o tema das emoções desde 1998, quando o afeto e a empatia são valorizados na escola, a instituição fica mais leve, mais flexível e mais tolerante, com mais espaço para a diversidade. “Quando você valoriza as emoções, o que ganha é o clima da escola, que passa a ter valores de convivência mais saudáveis entre as crianças”, diz a professora da Universidade Tuiuti do Paraná. No entanto, o trabalho precisa ser feito de maneira intencional e sistemática, e não aleatória e pontual, para dar bons resultados. Para Telma Vinha, pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação Moral (Gepem) e professora da Unicamp, a ideia é que a escola planeje as ações sobre competências socioemocionais como qualquer outro assunto no currículo. Trabalhar com competências emocionais não é só emoção, vai além. É um conjunto de habilidades que precisam ser desenvolvidas para viver melhor. Embora ainda seja alvo de debates no campo educacional, o desenvolvimento dessas habilidades na escola foi incorporado pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC). De acordo com o documento, as habilidades precisam ser trabalhadas em todas as disciplinas e de forma transversal. No Brasil, as duas linhas teóricas mais difundidas sobre o assunto são a desenvolvida pela organização americana Collaborative for Academic, Social, and Emotional Learning (Casel), de Chicago, e a do Big Five Factors (Cinco Grandes Fatores de Personalidade). A primeira atua com cinco aspectos: autoconhecimento, autorregulação, sociabilidade, competências de relacionamento e tomada de decisão responsável. Já a Big Five explora cinco domínios: extroversão, amabilidade, abertura a novas experiências, conscienciosidade e neuroticismo. A ideia é que os alunos possam aprender a cooperar, ouvir o outro e a decidir com base em princípios éticos.
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Entre a razão e a emoção
Historicamente, explica o professor da USP Ulisses Araújo, o currículo escolar embasou-se na ideia do desenvolvimento educacional vista estritamente do ponto de vista da razão. A emoção era vista como algo negativo, que deveria ser controlado na escola e cujo desenvolvimento ficaria a cargo da família. No entanto, a partir da década de 1990, com estudos de Howard Gardner e de Daniel Goleman, a discussão passou a ser permeada novamente pela importância da dimensão socioemocional.“As emoções são parte essencial da vida. Da mesma forma que aprendemos matemática, precisaríamos saber a lidar com as emoções. Por que não aprendemos o que é tristeza, alegria, raiva e como solucionar conflitos, questiona Ulisses. Ao olhar para as competências socioemocionais e trabalhá-las com intencionalidade, incluindo formação de professores e associada a práticas de gestão democrática, a escola ajuda os alunos a falar sobre o que estão sentindo e a observar criticamente a realidade, dando ferramentas para atuarem de forma ética.
Desde 2015, a EMEF EJA Maria Pavanatti Fávaro, em Campinas, desenvolve o projeto Viva Ética, cujo foco é melhorar o clima escolar e fortalecer a convivência democrática. Para isso, a escola, que abriga 780 alunos, adotou uma série de princípios, que incluem o respeito, a justiça, a responsabilidade e a convivência ética. “De certa forma, todos esses princípios dialogam com as competências socioemocionais”, reflete o orientador pedagógico da unidade, Robson de Moraes.“Ao tomar as decisões coletivamente em todos os segmentos - entre os alunos, os professores, os funcionários e os gestores -, a questão do diálogo, do respeito e da empatia acaba se desenvolvendo de forma mais coesa”, acredita o educador. A diretora, Sandra Schafirovits, conta que contemplar as emoções sempre fez parte do seu trabalho como educadora.“Mesmo quando ministrava matemática, meu interesse era o aluno antes de qualquer coisa. Na época, as pessoas tinham uma visão muito ruim sobre isso”, lembra. Para Danila Di Pietro, mestranda em Educação pela Unicamp e pesquisadora do Gepem, um bom caminho é trabalhar as questões emocionais associadas às sociais, sempre olhando para a construção de uma sociedade mais democrática para todos.“Saber reconhecer as emoções e manejá-las serve para uma melhor resolução de conflitos, mas, se isso não está a serviço da democracia e esse paradigma da ética não está na escola, colaboramos para a construção de uma juventude submissa, que não dá conta de reivindicar os próprios direitos”, analisa.
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E o professor?
Embora o foco maior seja no aluno, estudos recentes mostram que se o professor não desenvolve essas competências em si mesmo, o ensino dessas habilidades fica comprometido. O problema é que 71% dos professores não tiveram orientações sobre o tema, aumentando a chance de recorrer ao senso comum. “O professor é um modelo para a criança na maneira como ele lida com o estresse e na forma como promove o clima emocional em sala de aula, por exemplo. É essencial que ele tenha na formação uma maneira de desenvolver os próprios recursos para que entenda o papel das emoções na aprendizagem”, diz Alcione Marques. Outro ganho para o docente é dispor de mais ferramentas para entender as motivações e o comportamento da turma, deixando de levar atitudes e ações negativas ou desrespeitosas para o lado pessoal e ampliando o repertório para lidar com esses desafios. Um aluno mais agressivo, por exemplo, pode estar querendo chamar a atenção para algo. “O desenvolvimento dessas habilidades promove a saúde mental do professor e do aluno”, diz a psicopedagoga.
AS EMOÇÕES NA PRÁTICA
Confira cinco dicas para trabalhar as dimensões emocional e ética na escola
- Busque formação sobre as competências socioemocionais para sair do senso comum. A temática deve dialogar com as práticas da própria instituição.
- O tema deve fazer parte do currículo e ser trabalhado de forma transversal, não se concentrando em aulas “especiais”.
- O momento mais propício é com crianças de 7 aos 12 anos de idade, o que não impede um trabalho ao longo da vida.
- Um bom projeto precisa ser de longo prazo, sistematizado, intencional e avaliado pela escola.
- Associe as habilidades socioemocionais a uma perspectiva democrática, dando espaço para os alunos resolverem coletivamente suas questões.