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Campos de Experiência na prática: como trabalhar “corpo, gestos e movimentos” na Educação Infantil

O segundo Campo de Experiência da BNCC propõe a exploração dos espaços, das sensações e brincadeiras como forma de descobrir possibilidades e limites corporais

POR:
Lucas Santana
Crédito: Getty Images

NOVA ESCOLA tem se dedicado a analisar a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) da Educação Infantil

e trazer uma série de propostas sobre como traduzir o novo documento em boas práticas na escola. Um dos trechos mais relevantes da BNCC trata sobre os Campos de Experiência, cinco pontos que instigam a reflexão dos educadores sobre quais são as experiências fundamentais para que a criança aprenda e se desenvolva integralmente – e que você pode complementar com curso sobre o tema e planos de atividade produzidos pelo nosso Time de Autores..

Nesta série, iniciada com "O eu, o outro e o nós", trazemos exemplos de atividades que professores de todo o país estão desenvolvendo com bebês e crianças tendo como base os Campos de Experiência. Desta vez, vamos tratar sobre o campo “Corpo, gestos e movimentos”.

GUIA DA BASE   Baixe o PDF do livro digital da BNCC na Educação Infantil

É importante apontar que, como ressalta a própria BNCC e diversos especialistas em Educação, as atividades podem e devem abarcar mais de um Campo de Experiência ao mesmo tempo, a depender da criatividade e proposta dos educadores. Aqui, buscamos destacar nos relatos dos professores aqueles campos que são preponderantes, enfatizando os impactos e possibilidades de cada um deles.

Conheça os 5 Campos de Experiência
Os 5 Campos de Experiência ocupam espaço importante do novo documento da Educação Infantil. São eles:
  1. O eu, o outro e o nós
  2. Corpo, gestos e movimentos
  3. Traços, sons, cores e formas
  4. Escuta, fala, pensamento e imaginação
  5. Espaço, tempo, quantidades, relações e transformações
Crédito: Getty Images

CAMPO DE EXPERIÊNCIA: CORPO, GESTOS E MOVIMENTOS

Com o corpo (por meio dos sentidos, gestos, movimentos impulsivos ou intencionais, coordenados ou espontâneos), as crianças, desde cedo, exploram o mundo, o espaço e os objetos do seu entorno, estabelecem relações, expressam-se, brincam e produzem conhecimentos sobre si, sobre o outro, sobre o universo social e cultural, tornando-se, progressivamente, conscientes dessa corporeidade. Por meio das diferentes linguagens, como a música, a dança, o teatro, as brincadeiras de faz de conta, elas se comunicam e se expressam no entrelaçamento entre corpo, emoção e linguagem. As crianças conhecem e reconhecem as sensações e funções de seu corpo e, com seus gestos e movimentos, identificam suas potencialidades e seus limites, desenvolvendo, ao mesmo tempo, a consciência sobre o que é seguro e o que pode ser um risco à sua integridade física. Na Educação Infantil, o corpo das crianças ganha centralidade, pois ele é o partícipe privilegiado das práticas pedagógicas de cuidado físico, orientadas para a emancipação e a liberdade, e não para a submissão. Assim, a instituição escolar precisa promover oportunidades ricas para que as crianças possam, sempre animadas pelo espírito lúdico e na interação com seus pares, explorar e vivenciar um amplo repertório de movimentos, gestos, olhares, sons e mímicas com o corpo, para descobrir variados modos de ocupação e uso do espaço com o corpo (tais como sentar com apoio, rastejar, engatinhar, escorregar, caminhar apoiando-se em berços, mesas e cordas, saltar, escalar, equilibrar-se, correr, dar cambalhotas, alongar-se etc.).

Trecho extraído do documento Base Nacional Comum Curricular

Embora a Educação remeta, em grande parte, ao desenvolvimento de competências psicológicas e habilidades cognitivas dos indivíduos, o corpo, suas sensações e todo o aspecto físico não podem ficar de fora do processo educacional das crianças e bebês. O segundo Campo de Experiência da BNCC foi fundamentado justamente nessas necessidades. “O corpo, na Educação Infantil, ganha centralidade por meio das diferentes linguagens, como a dança, a música, o teatro, as brincadeiras”, aponta Aline Castro, autora e coordenadora pedagógica. O campo coloca o foco na busca por descobertas sensoriais dos pequenos, com ênfase na interação da criança com o meio e com os outros. “Com gestos e movimentos, eles experimentam suas potencialidades e limites”, explica Aline. 

Neste campo, as atividades de caráter cultural podem render grandes experiências para educadores e alunos. “Tem a ver com conhecer e respeitar o próprio corpo e usar as diversas linguagens para se expressar”, destaca Andrea Ramal, consultora e doutora em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio).

Abaixo você pode conferir algumas atividades desenvolvidas por educadores com base no campo “Corpo, gestos e movimentos”. Inspire-se para reproduzir, adaptar ou criar uma nova proposta que coloque este campo em ação com as suas crianças. 

CURSOS   Grátis: Os campos de Experiência na Educação Infantil

RITMO LIVRE: PESQUISA SONORA COM OBJETOS DO COTIDIANO

IDADE: bebês (0 a 1 ano e 6 meses) e crianças bem pequenas (1 ano e 7 meses a 3 anos e 11 meses)

As crianças pequenas demonstram grande interesse em manusear objetos, produzindo e pesquisando sons. Desenvolvemos esta proposta com pequenos grupos de 8 crianças. O espaço foi previamente planejado, contendo itens que emitem diferentes sons, como colheres de pau, tocos de madeira e objetos metálicos.

Acompanhei o grupo em suas explorações e interações, deixando que fizessem as suas descobertas livremente. Cada grupo produzia seu próprio som e ritmo, por vezes observando o colega e imitando suas ações. Eles percebiam que era possível produzir diferentes sons com o mesmo objeto, por exemplo, batucando em diferentes surpefícies, como na madeira ou no alumínio. Também percebiam a intensidade e altura dos sons produzidos, despertando mais ainda a pesquisa e envolvimento do grupo.

Glaucia Aparecida Malfi Stopa, EMI Candinha Massei Fedato, São Caetano do Sul (SP)

 

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM TRABALHADOS

- Apropriar-se de gestos e movimentos de sua cultura no cuidado de si e nos jogos e brincadeiras (EI02CG01);
- Utilizar diferentes fontes sonoras disponíveis no ambiente em brincadeiras cantadas, canções, músicas e melodias (EI02TS03);
- Deslocar seu corpo no espaço, orientando-se por noções como em frente, atrás, no alto, embaixo, dentro, fora etc (EI02CG02).

APRENDIZADOS

Foi possível observar, por meio de alguns gestos e movimentos, que os bebês e as crianças reagiam aos sons produzidos. A proposta é de experimentação e ritmo livre, para que as crianças sintam e vivenciem os sons. Observamos que elas brincavam ao som da música, envolvendo seus corpos, gestos, descobertas, escuta, percepção, pesquisa sonora e interações.

BRINCANDO COM PAPEL HIGIÊNICO: UM CONVITE ESTÉTICO AO JOGO SIMBÓLICO E AOS MOVIMENTOS

IDADE: crianças bem pequenas (1 ano e 7 meses a 3 anos e 11 meses)

A proposta aconteceu dentro da sala de referência da turma. Organizamos o espaço com diversos varais de barbante e pedaços de papel higiênico presos no varal. As mesas, cadeiras e o chão foram cobertos por papel higiênico. Convidei cada uma das crianças para uma roda em que pudessem falar a respeito do que sentiram ao ver o espaço organizado daquela forma, o que sabiam sobre o material utilizado e como gostariam de brincar com aqueles objetos. As crianças disseram que daquela maneira, a sala parecia muito divertida e interessante e que gostariam de jogar tudo para cima e brincar muito. Outras argumentaram que talvez houvesse monstros morando no papel higiênico. As crianças afirmaram que o papel higiênico era usado desde a limpeza do nariz até higiene de suas necessidades fisiológicas ( xixi e cocô). Após a conversa, as crianças iniciaram a brincadeira com o material.

Jefferson Cardoso Felix, EMEB Fernando Pessoa, São Bernardo do Campo (SP)

 

OBJETIVOS DE APRENDIZADO TRABALHADOS

- Deslocar seu corpo no espaço, orientando-se por noções como em frente, atrás, no alto, embaixo, dentro, fora etc., ao se envolver em brincadeiras e atividades de diferentes naturezas (EI02CG02);
- Explorar formas de deslocamento no espaço (pular, saltar, dançar), combinando movimentos e seguindo orientações (EI02CG03);
- Desenvolver progressivamente as habilidades manuais, adquirindo controle para desenhar, pintar, rasgar, folhear, entre outros (EI02CG05).

 

APRENDIZADOS

Desenvolver a atividade foi uma grande diversão. Houve exploração e representações simbólicas, as crianças rasgaram e jogaram papel para o alto, colocaram sobre o cabelo, dançaram com ele, correram de um lado para o outro com bolas de papel na mão. Algumas imaginaram estar nadando e que um grande monstro estava comendo o papel higiênico. Ao final da proposta, as crianças relataram as sensações que tiveram com essa experiência.

O professor deve pensar nas especificidades do seu grupo de crianças, considerar a quantidade do material, pensar em um espaço que propicie interações e exploração ampla de movimentos. Deve organizar o material de forma investigativa. Na nossa atividade, penduramos o papel em barbante para que as crianças pudessem puxar. Colocamos muito papel pelo chão, mesas, cadeiras e não limitamos a exploração e significação das crianças durante a brincadeira. A melhor forma de preparar as crianças é promovendo o diálogo e a escuta. E isso pode acontecer por meio de uma roda de conversa.

BRINCADEIRAS ANTIGAS E POPULARES AO AR LIVRE

IDADE: crianças pequenas (4 anos a 5 anos e 11 meses)

A partir de um projeto sobre os quatro elementos da natureza, pude conectar os elementos água e terra com uma investigação sobre a cultura dos povos indígenas. Para contextualizar a temática e reforçar as evidências da importância e influência da cultura indígena para a construção da identidade brasileira, uma das atividades propostas foi a adaptação da brincadeira “Coelhinho sai da Toca” para “Indiozinho Sai da Oca“.

Convidamos mais uma turma, da professora Daiane Volkmer, para participar e ampliar a brincadeira. Dividi as crianças em grupos de três. De dois em dois, os jogadores davam as mãos formando uma oca com os braços. Outra criança ficava entre eles – dentro da "oca" – e era o indiozinho. Uma única criança ficou do lado de fora, que era o indiozinho "sem oca", portanto, sem moradia. Ao sinal de “Indiozinho sai da oca, um, dois, três”, as “ocas” levantavam os braços e os indiozinhos que estavam no centro trocavam de oca. E o indiozinho que estava de fora tinha que buscar uma oca para entrar. A criança que não conseguiam lugar em nenhuma oca ficavam de fora e a brincadeira recomeçava.

Jaqueline Allmer Quintão, Escola Municipal de Educação Infantil Olga Machado Ronchetti, Canoas (RS)

 

OBJETIVOS DE APRENDIZADO TRABALHADOS

- Criar com o corpo formas diversificadas de expressão de sentimentos, sensações e emoções, tanto nas situações do cotidiano quanto em brincadeiras, dança, teatro, música (EI03CG01);
- Demonstrar controle e adequação do uso de seu corpo em brincadeiras e jogos, escuta e reconto de histórias, atividades artísticas, entre outras possibilidades (EI03CG02);
- Coordenar suas habilidades manuais no atendimento adequado a seus interesses e necessidades em situações diversas (EI03CG05).

 

APRENDIZADOS

Do início da brincadeira até o encerramento, percebi nitidamente que em pouco tempo as crianças conseguiram ampliar sua compreensão sobre o objetivo da brincadeira, descobriram e elaboraram possibilidades e estratégias, expandiram as noções de tempo e posicionamento espacial, atenção e equilíbrio.

A diversão e o entusiasmo foram tão grandes que a brincadeira só terminou por causa do cansaço, e não pelo fato de terem perdido o interesse. Fiquei orgulhosa em perceber que essa brincadeira evidenciou e potencializou o espírito de cooperação, deixando o instinto de competição em segundo plano. Colegas que estavam na vez de ser “oca” indicavam aos "indiozinhos" onde ainda estava vazio para que não “perdessem” o jogo.