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Como o Fundeb pode ajudar na equidade da Educação?

Fundo poderá deixar de existir em 2020 e precisa ser reformulado para ser mais efetivo na redução das diferenças entre estados e municípios

POR:
Dimítria Coutinho
Em um fundo branco, vários lápis amarelos com borrachas de cores diferentes na ponta, estão dispostos em posições levemente diferentes
Foto: Getty Images

Muito tem sido discutido a respeito do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação, o Fundeb. O fundo, existente desde 2007, tem prazo para terminar: pode deixar de existir no final de 2020. E é justamente por isso que o debate a respeito desse assunto está tão acalorado neste momento.

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Mas, mais do que lutar pela permanência do Fundeb, a discussão se dedica também a encontrar formas de reformulá-lo. A ideia é tornar o fundo mais efetivo em seu objetivo de trazer mais equidade para a Educação, a fim de reduzir ainda mais as desigualdades presentes entre os diferentes estados e municípios brasileiros.

Como o Fundeb funciona atualmente

Hoje, o Fundeb é o principal mecanismo de financiamento para a Educação Básica brasileira. Ele funciona através da junção de 27 fundos estaduais, que arrecadam verba através de impostos nos estados e municípios. A partir desse valor total, a União faz uma complementação de 10%. Ou seja, a cada real arrecadado por todos os estados juntos, dez centavos são acrescentados pela esfera federal.

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A distribuição dessa complementação da União é definida a partir do Valor Aluno/Ano, o VAA. Esse valor varia de estado para estado e é calculado dividindo o fundo estadual pelo número total de alunos matriculados ali. O acréscimo da União chega para diminuir a desigualdade, injetando verba nos estados que possuem VAA mais baixos. Hoje, 9 deles são beneficiados pela complementação da União.

Nesse sentido, o Fundeb tem sido muito importante para diminuir a desigualdade entre as diferentes localidades do Brasil. Antes do fundo, o município com maior VAA chegava a receber 100 vezes mais do que o município com menor VAA. Depois da criação do Fundeb, a cidade com maior VAA recebe 7 vezes mais que a com menor valor, segundo um estudo realizado pela Câmara dos Deputados.

“O Fundeb foi um avanço no sentido de diminuir as desigualdades. Isso não se resolveu, mas diminuiu”, afirma Catarina de Almeida Santos, professora da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília e membro da Campanha Nacional pelo Direito à Educação. Mariza Abreu, consultora de Educação da Confederação Nacional de Municípios, concorda com esse avanço, mas acha que mais medidas podem ser tomadas em direção a uma maior equidade na Educação brasileira. “O Fundeb tem efeitos positivos, mas eles podem ser potencializados”, diz.

Como o Fundeb pode garantir mais equidade na Educação?

Mas, afinal, o que vem sendo discutido para potencializar esses efeitos positivos do Fundeb? De modo geral, os debates giram em torno de três pilares principais: a manutenção do fundo, a ampliação da complementação da União, e a forma de distribuir os recursos.

A respeito da manutenção do fundo, é consenso nas discussões que ele se torne definitivo, ou seja, passe a fazer parte do texto permanente da Constituição Federal. Alessandra Gotti, doutora em Direito Constitucional, explica que “isso daria mais garantia da perenidade desse mecanismo de financiamento que é tão importante”.

Em mais de 85% dos municípios brasileiros, a renda vinda do Fundeb representa pelo menos 50% do gasto que a cidade tem por aluno a cada ano, segundo dados do movimento Todos Pela Educação. “Não existir o Fundeb é fazer com que a Educação brasileira vá para patamares terríveis”, enfatiza Catarina.

E, embora a maior parte dos especialistas concorde que o fundo dificilmente seja extinto, a professora aponta para a necessidade de entender que a situação ainda não está solucionada. “É preciso ter clareza de que o risco existe, para que a gente não deixe que isso aconteça. Se nós não lutarmos, pressionarmos e debatermos muito, o Fundeb pode acabar”.

Hoje, tramitam no Congresso Nacional três Propostas de Emenda à Constituição a respeito do Fundeb, duas no Senado e uma na Câmara dos Deputados. A PEC 15/2015, que tramita na Câmara, é a mais adiantada, e prevê aumento da contribuição da União e uma distribuição mais equitativa dos recursos do Fundeb. “Essa distribuição é uma ferramenta muito importante para que possamos fazer com que uma Educação de qualidade para todos seja uma realidade, não apenas uma utopia”, pontua Alessandra Gotti.

Com três PECs tramitando, a especialista aponta para a necessidade de foco, em um diálogo entre Câmara e Senado para um único texto. “Se cada casa avançar nos textos que estão em cada uma delas, isso pode acabar atrasando mais ainda a aprovação de um texto final. É muito importante que o Congresso se dê conta de que essa é a pauta mais emergencial que temos”, diz Alessandra.  

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A segunda grande pauta a respeito da reformulação do Fundeb é o aumento da complementação da União. Mariza explica que, hoje, há um consenso de que é necessário que a União aumente sua participação no Fundeb. A grande questão é quanto. A PEC 15/2015 prevê que inicialmente a contribuição aumente para 15%, e vá crescendo até atingir os 30%. Mas há quem defenda que essa porcentagem deve ser ainda maior - a PEC 65/2019, que tramita no Senado, por exemplo, pede que a complementação seja de 40%.

Catarina diz concordar com os 40%, mas Mariza acredita que é preciso ter alguns cuidados. “Eu acho que quanto mais (complementação), melhor. Mas a gente precisa ter tranquilidade da viabilidade fiscal. Não adianta colocar na Constituição alguma coisa que depois não vai ser cumprida. Temos que ter cuidado, porque quando discutimos uma coisa dessas, não é em relação ao governo atual. Queremos que o Fundeb se torne permanente, então é para todos os governos daqui para a frente”, opina.

Catarina afirma que aumentar a contribuição da união para o Fundeb é essencial para que se consiga atingir níveis de qualidade em todos os lugares do país. “Educação de qualidade custa, e não dá para fazer Educação de qualidade sem condições de financiamento”. E ela defende que esse aumento de financiamento deve vir da União justamente por se tratar do ente que mais arrecada, quando comparado a municípios e estados. “Se não houver maior participação da União, não há possibilidade de diminuir a desigualdade”, enfatiza.

A professora diz, ainda, que a forma de se pensar o Fundeb deve ser invertida. Se hoje se junta recursos para, depois, dividir entre os municípios, ela analisa que, em um Fundeb reformulado, se deva primeiro planejar quanto os municípios precisam e, a partir disso, pautar quanto deve ser aplicado ao fundo. “Hoje, quem vai definir qual é a quantidade e a qualidade de Educação que cada sujeito vai receber é a capacidade arrecadatória daquele ente federado. Na verdade, devemos pensar qual é a qualidade da Educação que nós queremos, para então dizer qual é a quantidade de recursos que nós precisamos”, justifica.

Para isso, a professora acredita que o melhor padrão de distribuição de recursos já está definido e deve ser levado em conta no novo Fundeb: o Custo Aluno Qualidade, o CAQ. O mecanismo calcula quanto o Brasil precisaria investir por aluno por ano, para que seja estabelecido um padrão de qualidade educacional, também levando em consideração a capacidade econômica brasileira. A partir desse valor, seria pautada a arrecadação do Fundeb (sobretudo o valor da complementação da União) e, então, a divisão seria feita. “Eu acho que o novo Fundeb precisa partir desse mecanismo, que já é um mecanismo legal no país”, opina Catarina. 

Como a distribuição dos recursos do Fundeb pode ser mais justa?

“Recurso é condição necessária para a qualidade, mas não é condição suficiente”. Mariza usa essa frase para explicar que, além do aumento da quantidade de recursos financeiros, é necessário também que haja uma boa gestão que vise diminuir a desigualdade entre os diversos estados e municípios. E, para isso, alguns aspectos sobre a distribuição de recursos do Fundeb devem ser revistos.

No modelo atual, os recursos do fundo são distribuídos por estados. Para Alessandra, esse modelo ainda não é suficiente para garantir a equidade na Educação. “Isso não tem sido eficiente para garantir de fato iguais oportunidades educacionais para todas as pessoas. Infelizmente, o local onde a pessoa nasce e sua classe social ainda têm sido determinantes para o acesso e a permanência nas escolas, e a gente precisa fazer com que esse cenário mude. A gente precisa conseguir garantir que exista uma educação com qualidade para todos, com equidade” afirma.

Na discussão sobre o novo Fundeb, se fala muito em repensar essa forma de distribuição. Dentro desse assunto, uma das propostas, levantada sobretudo pelo movimento Todos Pela Educação, é que se leve em consideração o Valor Aluno/Ano Total, o VAAT, na hora de pensar a distribuição do fundo. O VAAT considera a verba total que um município tem para destinar por aluno, somando o que vem do Fundeb e o que vem proveniente da arrecadação de outros impostos. Assim, cidades que têm grandes atividades econômicas e, portanto, possuem mais renda externa ao Fundeb para destinar à Educação, receberiam menos repasse do fundo do que cidades que não têm tantos recursos externos, ajustando para um valor total de recursos mais unificado. Hoje, os recursos externos ao Fundeb não são levados em conta na hora da distribuição.

Essa proposta se relaciona com a ideia de fazer a alocação de recursos por redes de ensino, e não por estados. Isso porque “há municípios ricos em estados pobres, e há municípios pobres em estados não tão pobres”, como explica Mariza. O modelo atual faz com que cidades que não precisariam de tanta ajuda acabem recebendo mais recursos, enquanto cidades com menos recursos não sejam beneficiadas pelo fundo. Se a distribuição for feita por redes de ensino, esse tipo de desigualdade tende a diminuir, já que a complementação da União iria diretamente para as redes mais pobres, independente do estado em que elas estão.

Outro critério levantado nas discussões a respeito da distribuição são os resultados escolares. Para Mariza, isso não deveria ser levado em consideração. “Se você der mais dinheiro para quem sai bem, você aumenta a desigualdade. Se você der mais dinheiro para quem sai mal, não estimula melhorar. Então, essas políticas nunca podem ser tão simplistas assim”. O que ela defende é que as transferências voluntárias da União (aquelas que extrapolam a porcentagem prevista pelo Fundeb) possam fazer uso desse critério, sendo destinadas a estados ou municípios que queiram implementar práticas que melhorem o rendimento e a qualidade.

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