Como um jogo de roleta pode ajudar na inclusão
Material pedagógico acessível desenvolvido por educadoras permite que todos os alunos descubram sílabas juntos
POR: Flavia NogueiraE se você tivesse um material pedagógico para sua turma de alfabetização que fosse realmente inclusivo, que todos os alunos pudessem usar juntos e ao mesmo tempo? Essa é a proposta do projeto Materiais Pedagógicos Acessíveis, lançado pelo Instituto Rodrigo Mendes (IRM) no portal Diversa, que consiste em uma série de recursos desenvolvidos por educadores para auxiliar o processo de ensino-aprendizagem em turmas compostas por estudantes com e sem deficiência.
LEIA MAIS Como pensar na inclusão durante a Educação Infantil?
Um desses materiais, a Roleta Silábica (saiba mais sobre o projeto aqui), foi desenvolvido em uma escola da zona sul de São Paulo, a EMEF CEU Três Lagos, pela professora Sandra Graziano, a professora da sala de recursos Karina de Souza e a coordenadora pedagógica Ana Paula Ferreira.
O projeto foi concebido para apoiar a alfabetização de estudantes do 2º ano da escola, em 2018. Era uma turma com estudantes com dificuldades de aprendizagem e um aluno com hipótese diagnóstica de Transtorno do Espectro autista não verbal. O objetivo do material pedagógico era avançar com o processo de alfabetização de uma forma que todos os estudantes da classe pudessem participar juntos.
LEIA MAIS Inclusão: “A teoria nem sempre dá conta”
“Era uma turma que já estava alfabetizada no 2º ano, mas algumas crianças tinham muita dificuldade. Todos estavam alfabéticos, alguns já tinham iniciado a alfabetização na leitura e na escrita e ele (o aluno com hipótese diagnóstica de Transtorno do Espectro autista), nem som tinha”, conta a professora Sandra Graziano.
Para outras disciplinas e todas as crianças
O modo e as estratégias de utilização, assim como as sílabas colocadas na roleta, podem ser mudadas de acordo com os conteúdos que serão trabalhados em aula. A roleta acomoda até figuras e números, por exemplo.
No caso da escola de Sandra, foi usada a história “Quando o Lobo tem Fome”, de Christine Naumann-Villemin, envolvendo as disciplinas Língua Portuguesa e Arte.
“Na roleta, cada um tinha sua vez de ir e girar. Eles tinham que dizer qual era a sílaba na qual o ponteiro tinha parado, dizer em voz alta. Eles reconheciam a sílaba, e as crianças, em dupla, com suas cartelas (distribuídas em sala de aula), tinham que procurar uma palavra para que aquela sílaba fosse preenchida adequadamente. E todos interagiram”, conta Sandra.
Para a educadora e pesquisadora especialista em inclusão de pessoas com deficiência Rosangela Nezeiro da Fonseca Jacob, o diferencial desse material é que ele serve para todas as crianças.
“Muitos materiais são produzidos especificamente apenas para a criança com deficiência o que ajuda e muito, mas não possibilita uma interação com as outras crianças. Então a impressão que tive foi que, de fato, é um material muito acessível, muito inclusivo e que possibilita que todas as crianças participem desse projeto juntas”, explicou.
Para Rosangela, o material pedagógico também tem outro ponto a seu favor: o planejamento envolvido em seu uso.
“Ele é associado ao planejamento de aula do professor, para poder contextualizar e fazer sentido. Não é um processo de roleta de alfabetização desvinculado de uma proposta pedagógica, não fica apenas um processo de juntar sílabas. Não é uma brincadeira descontextualizada.”
“Por outro lado, toda parte que entra o lúdico, que entra a construção, que entra o fazer, essa cultura mão na massa, o aluno acaba participando mais ativamente. Várias outras propostas podem partir disso, com a própria ideia da roleta”, explica Rosangela.
Segundo a pesquisadora, o uso da roleta no processo de alfabetização coloca o estudante como protagonista da aprendizagem.
“Acho que a proposta apresentada é importante porque respeita o ritmo de aprendizagem dos alunos e inclui todo mundo. Também temos a questão de o aluno aparecer muito mais no centro, o professor está ali só como mediador mesmo, o que é uma discussão grande na Educação hoje, de como o aluno passa a ser o centro da aprendizagem.”
Luzes e atenção
De acordo com a professora Sandra, a roleta com suas luzes chamou a atenção do aluno com transtorno do espectro autista.
“Quando chegou a vez dele, ele foi até lá, girou e pronunciou a sílaba, sentou de volta na mesa dele, a estagiária ajudou. O fato de ele estar participando junto com os demais e a roleta ter ajudado a desenvolver uma atividade que era de atenção, de localização, foi muito bom.”
Sandra já não está mais na EMEF CEU Três Lagos, agora ela trabalha na EMEF José Maria Pinto Duarte, na zona oeste da capital paulista. Mas ainda se informa sobre o aluno de sua antiga turma e recebe vídeos mostrando as atividades do estudante.
“Nesse ano eu descobri que ele já estava inclusive montando palavras, o que me deixou muito feliz”, conta.
Tags
Aprofunde sua leitura
Assuntos Relacionados