De professor a gestor: um historiador no jardim de infância
Ao entrar em um segmento diferente, estabelecer parcerias com professoras e coordenadora pedagógica é fundamental para se integrar à nova realidade
POR: José Marcos Couto JúniorComo boa parte das pessoas da minha geração – nascida entre os anos 1980 e 1990 –, passei longas horas da minha adolescência contemplando clássicos da Sessão da Tarde, como Os Goonies, Loucademia de Polícia e Curtindo a Vida Adoidado. Mas um deles apresenta uma situação parecida com a minha experiência como gestor de uma escola de Educação Infantil e anos iniciais do Ensino Fundamental: o filme Um Tira no Jardim de Infância. O longa de 1990 é protagonizado por Arnold Schwarzenegger e conta a história do detetive Jonh Kimble, que se disfarça como professor em uma escola de Educação Infantil. Sem compreender bem aquele universo, ou as demandas daquela geração, Kimble passa por apuros até conseguir entender as crianças, conquistá-las e tornar-se o professor preferido da classe.
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Desde fevereiro, quando assumi a gestão da EM Professora Ivone Nunes Ferreira, aqui no Rio de Janeiro, acabei me tornando um historiador no jardim de infância. Passei dez anos atuando como professor de História nos anos finais do Ensino Fundamental e, ao entrar em contato com a realidade do trabalho com alunos mais novos, precisei descobrir novos vocabulários, presenciei problemas inimagináveis, e vivenciei situações que me deixaram sem reação por valiosos segundos: passei a ser chamado de “tio” com frequência, tive de ajudar a dar banho em um aluno que estava com diarréia, encontrei uma calopsita escondida na mochila de outra criança, passei a pular elástico e a tocar violão pelas salas, presenciei choros descontrolados porque uma aluna dizia que não seria mais amiga da outra.
No entanto, os maiores desafios nem estavam nessas situações inesperadas, mas sim na necessidade de pensar a configuração de uma Educação de qualidade voltada para sujeitos em uma faixa etária tão diferente daquela para a qual fui formado e com quem eu estava habituado a interagir e dialogar por mais de uma década.
Foco na parceria: professoras e coordenadora como aliadas
Já tinha algum conhecimento trazido da graduação, nas aulas de didática ou sobre grandes pensadores como Vygostky, Piaget e outros grandes pesquisadores do desenvolvimento infantil. Logo, estava mais preparado que o Jonh Kimble, mas não posso negar que aquele ambiente parecia inóspito no começo.
Minha primeira preocupação foi ter a abertura para pensar sobre as especificidades da Educação Infantil e do Fundamental I. Como professor de Fundamental 2, poderia cair no equívoco comum de pensar que os estudantes eram mini protótipos de adultos ou dos alunos com quem eu já estava acostumado. Porém é importante lembrarmos e frisarmos que crianças, desde a primeira infância, são sujeitos plenos, com direitos, deveres e demandas que são próprias de suas idades. Assim, elas precisavam de um atendimento adequado para a faixa em que estavam.
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Sem o domínio sobre como ensinar aos pequenos, preciso constantemente de auxílio no cotidiano escolar. Aqui entram as educadoras nota 10 da Ivone Nunes. As professoras Tatiane Pio, Deni Cristina, Vanessa Cruz, Jacira Pontes, Alaíde Rodrigues, Sheila Sobral, Tatiane Amorim, Melissa Herrera e Karen Fernandes são as responsáveis, junto com a coordenadora pedagógica Tatiana Moura, por materializar, adequar, ou simplesmente me chamar à realidade da inviabilidade de uma ideia, ou um projeto para a escola.
Elas são as grandes responsáveis pelo sucesso da Ivone Nunes. Quantas vezes não me peguei admirado ao observar a capacidade destas profissionais de educarem e construírem alicerces tão preciosos para as nossas crianças? Em alguns (raros) momentos, tive de assumir turmas por conta de alguma emergência. Usando uma famosa gíria carioca, é de "pedir arrego" nos primeiros dez minutos, o que me causa até vergonha diante da competência das profissionais com quem trabalho.
Mas as dificuldades também não anulam as contribuições que posso fazer com minha formação e minha experiência. Como professor do segundo segmento, sempre compreendi a escola como espaço de construção de identidades, de fomento da criticidade e da apresentação de novas ferramentas argumentativas e conceituais aos discentes. Todos esses aspectos se aplicam também a meu novo contexto.
E explico isto citando o projeto As Caravanas, Limites da Visibilidade. Desde que fui indicado como Educador do Ano em 2018, em toda entrevista ou palestra me perguntam sobre ele. O projeto é lindo e teve continuidade na Áttila Nunes, escola em que foi desenvolvido. Na Ivone Nunes há outro contexto, os alunos possuem outra faixa etária, a comunidade escolar apresenta outras demandas. Desta forma, não há sentido que o Projeto seja replicado em minha nova escola.
No entanto, alguns paradigmas que defendi em sala de aula e que permearam o Caravanas estarão presentes em qualquer lugar em que eu atuar – ou melhor, militar – pela Educação. Continuo buscando a criação de identidades em todo território educativo, que temos construído coletivamente. Insisto na ideia de que os alunos devem valorizar a sua cultura ao mesmo tempo em que dialogam com outros espaços e ideias, e creio que, realizando este processo em crianças menores, auxiliaremos no movimento contínuo da aprendizagem delas.
E quando eu não souber como falar a língua dos pequenos, ou mesmo lidar com eles, sei que sempre vai ser haver uma professora qualificada me salvando, quase que como uma intérprete. Afinal para haver diálogo basta o entendimento e a compreensão entre os interlocutores.
Um forte abraço.
José Marcos Couto Júnior é formado em História e Mestre em Educação pela Faculdade de Formação de Professores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Em 2018, foi eleito Educador do Ano no Prêmio Educador Nota 10. Servidor da Prefeitura do Rio de Janeiro há 10 anos, atua desde fevereiro como diretor na Escola Municipal Professora Ivone Nunes Ferreira, no Rio de Janeiro.
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