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Matemática na vida real: como ensiná-la em tempos de quarentena

Revisite algumas situações do cotidiano que podem ser utilizadas nas aulas de Matemática com adequações para fazer a distância

POR:
Selene Coletti
Foto: Getty Image

Quando conseguimos mudar o olhar para a Matemática, compreendendo a sua importância e presença no nosso dia a dia, mudamos também nossa relação com esse componente curricular. Isso colabora para nossa prática e estratégia em sala de aula. Já conversamos sobre isso no nosso primeiro encontro.

Retomando essa conversa, mas com uma nova lente é que trago algumas reflexões, porém com alguns parênteses pensando no atual cenário a nossa frente.

Pesquisar planos de aula para usar a distância

Diante da situação única que vivemos nesse momento por conta da pandemia do coronavírus, procurei trazer algumas adequações para que as propostas possam ser enviadas para casa. Oportunizando, assim, aos alunos a vivenciarem a Matemática que os cerca, já que a ideia do artigo é pensar nessa Matemática real que se encontra no dia a dia.

Caberá, depois, na volta à escola realizar os questionamentos oportunos, socializar as conclusões e registros a fim de promover reflexões e avanços na construção dos conhecimentos.  Para isso, será necessário um bom planejamento. Vamos lá?

De acordo com estudos da neurociência as crianças possuem capacidades matemáticas características da espécie, permitindo desenvolver algum conhecimento matemático antes da escolarização. Saber disso, implica, por exemplo, em trazer situações desafiadoras para que o conhecimento matemático evolua.

Mas que Matemática é essa?

Certamente não é aquela que se baseia em fórmulas, exercícios repetitivos ou atividades inócuas que não levam a lugar algum. Certamente, não é aquela que aprendemos.

Numa dessas discussões, em uma formação de professores, uma professora disse que a Matemática que ela aprendeu não é a Matemática que trabalha com seus alunos. A relação que estabeleceu enquanto estudante não é a mesma que estabelece enquanto professora. Que bonito ouvir isso!

Para desenvolver esse conhecimento matemático, mudar essa relação, a prática precisa estar pautada em estratégias que contenham, dentre outras propostas, jogos, brincadeiras, problematizações, desafios, usos de softwares. Em outras palavras, deve ser uma Matemática próxima da realidade vivenciada pela criança, atendendo as suas necessidades atuais e não as futuras.

Sugestão de atividades

Vamos a alguns recortes dessa realidade. Proponho pensarmos em situações reais para podermos construir conhecimentos matemáticos reais.

> Jogos e brincadeiras:

Os jogos e brincadeiras estão presentes no cotidiano das crianças fora da sala de aula. Além disso, possuem noções matemáticas que são vivenciadas por elas enquanto jogam ou brincam, só que esses conhecimentos ainda não foram sistematizados.

Assim, trazer os jogos e brincadeiras do universo infantil e peculiar a cada cultura, para serem jogados, analisados e problematizados pelo professor permitirão aos alunos apropriarem–se dos mesmos e dar um sentido ao seu contexto.

O jogo de dominó, por exemplo, é possível ser explorado nos diferentes anos escolares, compreendendo a necessidade de construir estratégias para ser o vencedor. Há também a possibilidade de utilizá-lo virtualmente por meio de sites nos quais é possível jogar “com o computador” como diziam meus alunos, o que torna a proposta um grande e delicioso desafio. Permite trabalhar as diferentes unidades temáticas e habilidades.

Sob essa ótica, a Matemática deve propor experiências que transformem o conhecimento trazido pela criança. Isso deve acontecer desde a Educação Infantil e aprimorado conforme o percurso escolar.

Para fazer em casa:

É possível propor para casa que os pais ensinem e joguem dominó com as crianças. Caso não tenham o jogo, poderão ser dadas as peças para serem construídas, recortando, montando. A tarefa já começa aqui. Envie as regras do como se joga, se por um acaso tenha alguém que não conheça (irão aprender juntos). Sabemos que é importante jogar muitas vezes para compreender o jogo. Jogando em casa, aprenderão diferentes estratégias com os familiares. Conforme a idade poderá ser solicitado que registrem o jogo por meio de um desenho, representem as partidas e resultados em tabelas, registrem como fazer para ganhar o jogo. Sempre trabalhei jogos como tarefa de casa, pais e crianças sempre gostavam... Mas esse pode ser o assunto de uma outra conversa.

A bolinha de gude, tão presente nas diferentes faixas etárias, que as crianças levam para brincar no recreio, permite trabalhar muitos conceitos - espaço, medidas, probabilidade, contagem – a partir de um olhar lúdico.  Por isso, levá-la para a classe trará um toque especial para a aula.

Sempre fazia com as crianças campeonato de bolinha de gude onde era possível explorar também as tabelas e os diferentes registros. Era um sucesso!

É possível fazer em casa já que muitas crianças deverão ter essas preciosas bolinhas de vidro. Solicite que “descubram” com a família como é o jogo e que aproveitem para brincar muito. Depois, peça que escolham uma forma de registrar o que vivenciaram: por meio de desenho, fotos, texto. Inclusive registrar as melhores jogadas ou ainda como fazer para ser um campeão da bolinha de gude.  

Existe um grande universo de tipos de jogos e brincadeiras que podem ser levados para a sala, ou mesmo utilizados na atual situação, porém dependerá das observações atentas do professor e de um bom planejamento.

Vale lembrar que há também muitos jogos no ambiente virtual, uma alternativa para enviar para casa e que posteriormente poderá ser trabalhado em classe na volta, com muitos desafios e questionamentos. Dois exemplos disponíveis aqui no site de NOVA ESCOLA são o Daqui pra cá, de lá pra cá e o Feche o Caixa – depois poderão ser trabalhadas as questões que envolvem o jogo.

> Mercadinho, lanchonete, lojinha:

Brincar de mercadinho, lanchonete, lojinha permite que os alunos tragam suas vivências reais para a sala de aula. É uma forma do professor desenvolver inúmeras situações problemas e posterior problematizações nas quais os alunos estarão mobilizando conhecimentos e habilidades que ajudarão nas suas demandas cotidianas.

Para “brincar” de mercadinho sempre propunha que os alunos primeiramente organizassem o espaço com o objetivo de classificarem os produtos, depois colocassem preços a partir do uso de folhetos de supermercado.

Com o ambiente “arrumado” combinava quem seria o caixa, quais crianças fariam as compras. Para isso, as cédulas, notas do nosso dinheiro e a calculadora estavam sempre presentes. Os papéis precisavam ser revezados. O interesse sempre imperava, independente da turma!

Proposta para ser feita em casa:

Utilizando os próprios produtos ou suas embalagens. Descreva o como “brincar” e as possibilidades, sugerir o uso da calculadora, do dinheiro para aprimorar a “brincadeira”. Depois proponha que registrem a brincadeira por meio de fotos ou mesmo contar como realizaram, o que acharam da experiência, com quem brincaram. Certamente, você encontrará inúmeras outras sugestões.

Outra possibilidade é brincar de lanchonete onde também os alunos podem fazer cálculos e uso real do sistema monetário. Usava uma lanchonete que foi de minha filha, que por sinal adorava quando pequena. Possuía os lanches, sucos, refrigerantes, cardápios aos quais acrescentei preços. No 1º ano propunha que trabalhassem em grupos de 4 alunos, combinando quem seria o caixa, o atendente e os clientes, cujos papéis também deveriam ser revezados pelo grupo. Deixava disponível a calculadora, cartão de crédito e cédulas. Era interessante ver como traziam as suas vivências!

> Calendários:

O calendário está presente no dia a dia das crianças e trazê-lo para a classe permitirá aprimorar a noção de tempo por elas construída. Uma possibilidade de trabalhar é permitir que as crianças construam os próprios calendários e registrem a seu modo os acontecimentos importantes como aniversários, eventos da escola, passeios.

Eis outra possibilidade para ser aproveitada em casa:

Solicite que construam o calendário da “quarentena” registrando o que fizeram em cada dia. Na volta, os registros renderão boas rodas de conversa.

> Receitas:

Permitir que os alunos coloquem a mão na massa e produzam as receitas pesquisadas, por exemplo, implicará em colocar em prática muitos conceitos relacionados as medidas. Evidente que esse momento precisa ser realizado pela criança, ela é a protagonista, e não ficar observando o professor realizar a proposta como acontecia em práticas passadas.

Sugestão para fazer a atividade em casa:

Peça para que a família converse com a criança sobre como é feito o arroz, o feijão, os legumes, a carne ou uma sobremesa. Solicite que escolham uma receita para que a criança seja a “cozinheira” com a supervisão do adulto. Peça que registrem a experiência por meio de fotos, os relatos enriquecerão a proposta.

Depois solicite que escrevam a receita para trazer para a escola no retorno. Uma sugestão é pedir que discutam em casa e anotem as conclusões para a seguinte pergunta: Onde está a Matemática na receita? Na volta, ao explorar o que trouxeram, será possível mudar alguns olhares sobre a riqueza da Matemática que nos cerca.

Então, esse é o nosso grande desafio: planejar as aulas trazendo as experiências que vivenciamos diariamente. Desta forma, as crianças também podem participar de maneira transformadora, sistematizando os conhecimentos trazidos, estabelecendo uma relação de compreensão com uma Matemática real e próxima a sua vida.

Nesses tempos de quarentena, outro desafio pela frente, é descobrir as novas maneiras de ensinar, de aprender e de planejar boas propostas para serem feitas à distância da sala de aula.

E quanto ao nosso desafio maior, você, professora e professor, a Matemática que está presente em sua sala de aula está próxima da realidade e das reais necessidades de seus alunos?

Quem sabe essa situação poderá ajudar você e seus alunos a descobrirem essa deliciosa Matemática que nos cerca. E ao voltarmos, podermos estar mais conectados com ela. Afinal nada é por acaso.

Até a próxima,

Selene

Selene Coletti é professora há 39 anos na rede pública. Atua na Educação Infantil e foi alfabetizadora por 10 anos tendo trabalhado do 1º ao 5º ano. Recebeu, em 2016, da Fundação Victor Civita, o Prêmio Educador Nota 10 com o projeto “Mapas do Tesouro que são um tesouro”, na área de Matemática. Foi diretora de escola e recebeu, em 2004, o Prêmio “Gestão para o Sucesso Escolar”, do Instituto Protagonistes/Fundação Lemann. Atuou como coordenadora do Núcleo de Formação Continuada do município. Atualmente é formadora da Educação Infantil, na Prefeitura de Itatiba.

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