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Álgebra: conheça duas atividades para trabalhar nos Anos Iniciais

Propostas estão ligadas ao desenvolvimento do pensamento algébrico nas crianças desde o Fundamental 1

POR:
Selene Coletti
Foto: Getty Image

No meu último artigo abordamos o pensamento algébrico que está presente na Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Como escrevi, o texto foi um “spoiler” para que a curiosidade de cada professor e professora pudesse ser aguçada para o trabalho com este conteúdo. Também prometi que traria outras sugestões de trabalho com o pensamento algébrico.

São propostas “testadas e comprovadas” na prática que permitiram muitas descobertas tanto por mim, que estava descobrindo o trabalho com o pensamento algébrico à época, quanto para as crianças que puderam colocar em jogo muitos conhecimentos e construir outros.

Então, vamos lá?

1) Caça ao tesouro
Esta proposta permite trabalhar as sequências ou o “segredo” da fila de uma forma mais “simbólica”, possibilitando as crianças mergulharem no mundo da fantasia Proponha caçar um tesouro que está escondido na floresta. Para isso é preciso preparar o cenário dessa “caça”. Você pode usar qualquer espaço, mas como a ideia é atravessar uma floresta, o parque é uma boa opção.

Prepare algumas pistas que podem ser: atravessar um rio caudaloso, uma caverna escura e passar por um lobo muito feroz. Organize os espaços do parque imitando estes três “obstáculos”. Coloque um TNT azul no chão como se fosse o rio caudaloso. Depois use outro pedaço de TNT marrom imitando uma caverna e por fim pendure numa árvore um pedaço de corda, que será o lobo muito feroz.  Ah! Não se esqueça do tesouro escondido após esse obstáculo - pode ser um brinquedo que todos gostem, frutas ou doces. Fica por conta da sua imaginação.

Explique que as crianças terão de passar por estes “obstáculos” utilizando uma mágica que as deixam invisíveis diante dos perigos. A mágica é a organização de filas a partir de um padrão dado. Para isso, tire uma foto em que apareça um padrão para que as crianças construam a sequência, descobrindo o “segredo” e formando a fila.

Álgebra na BNCC: aprofunde seus conhecimentos

A Base traz o pensamento algébrico já nos Anos Iniciais, mas como ele está previsto? Como ele pode ser trabalhado para auxiliar na aprendizagem de conceitos mais elaborados, presentes também no documento dos Anos Finais da etapa? Neste curso de NOVA ESCOLA, você pode entender mais sobre o assunto e desse componente curricular na BNCC.

Por exemplo: para o rio caudaloso tire uma foto onde aparecem dois alunos abaixados e dois em pé.  Apresente-a para a turma que deverá se organizar, em uma fila, seguindo o padrão da foto. Com a fila formada, as crianças podem atravessar o rio.  

Para a caverna, você pode tirar uma foto onde apareça um menino e uma menina. As crianças terão que descobrir o segredo e formar a fila para poder passar pela caverna sem perigo algum. Dessa forma você apresenta diferentes desafios e “mágicas” para que possam descobrir os padrões.

O que fará a diferença são os questionamentos a serem feitos por você sobre a organização das filas: “Você pode entrar aqui (apontando o lugar)? Por quê?” ou “É a vez do João entrar na fila, como ele deve ficar? Por quê?”. Essas explorações são fundamentais para que as crianças compreendam o que estão fazendo e você também entenda o pensamento de cada uma delas. Evidente que o registro por áudio ou vídeo será importante para você fazer uma análise posterior e replanejar ações.

Quando fiz essa atividade disse para as crianças que “apesar dos muitos perigos não era preciso temer. Eu havia conversado com Uxa, a bruxa que estava num dia de fada, (havia contado a história da Silvia Ortoff - Uxa,  ora Fada ora Bruxa - que amo por sinal!) e ela havia me dado uma “mágica” que se descobríssemos o segredo poderíamos passar tranquilamente por estes perigos sem preocupações. Ficaríamos invisíveis a eles.” Fui apresentando as fotos e as crianças puderam, mergulhando no mundo da fantasia, descobrir todos os segredos que apareciam.

Depois que as crianças encontrarem o tesouro, converse com a turma sobre o que foi realizado, retome os segredos e os questionamentos feitos. Solicite que  registrem em desenho  a atividade, podendo escolher uma das filas para representar.

Tabela com habilidades prioritárias da BNCC de Matemática

A edição de NOVA ESCOLA BOX trouxe materiais para te ajudar a priorizar as aprendizagens essenciais em um ano atípico como 2020. Conheça quais são elas, sugestões de atividades e um roteiro pensado para o gestor escolar. 

Acredito que representar através do desenho possa ser algo difícil, mas que mostra o quanto as crianças se apropriam da atividade. Trago aqui dois registros de quando realizei a proposta. No primeiro, o aluno tentou mostrar a sequência: dois abaixados e dois em pé, que era a “mágica” para se atravessar o rio. É possível ver em azul o “rio que atravessaram”, representado no parque pelo TNT azul.

O segundo registro representa a sequência: um menino e uma menina, a “mágica” para atravessar a caverna que no parque estava representado por um TNT amarelo, que pode ser visto no registro.

Foto de acervo

É muito significativo e rico para as crianças e por que não dizer para o professor? Gostou da ideia? Acredito que seja possível fazer uma adequação para estes tempos de ensino remoto. Você pode gravar um áudio ou vídeo propondo alguns “segredos” para que as crianças adivinhem. Faça fotos para que elas produzam as sequências, “as filas”. Nas fotos use objetos de casa, por exemplo, duas colheres, um garfo e peça para que continuem. As crianças poderão usar esses materiais para organizar as sequências, fotografar e enviar. Tente organizar, depois, um momento de discussão para que possam explicar como realizaram a proposta.

2) O quadro de números
Trabalhar o quadro de números com as crianças permite, além de (re) introduzir a sequência numérica, promover discussões para que a turma perceba o que há em comum entre as linhas e colunas, ou seja, perceba o padrão existente entre eles. Ter um quadro de números na classe ajuda bastante, como já mencionei em um outro artigo, quando falamos sobre a alfabetização matemática.

Comece discutindo com a turma o que aparece no quadro. Você se surpreenderá com as respostas, se der voz e vez para que expressem o seu modo de pensar. Ouvi-los atentamente permitirá, como já disse aqui, compreender como estão pensando e a partir daí propor outros encaminhamentos.

Depois que as crianças apresentarem suas ideias sobre o que estão vendo, pergunte como os números estão organizados a fim de trabalhar a questão da regularidade da sua formação. Trago para vocês a transcrição das respostas dos meus alunos a esse questionamento, por meio da qual é possível perceber a riqueza das descobertas das crianças e a importância das boas perguntas por parte do professor:

Professora: Como estes números estão organizados?
Lívia: Uma tabela.
Professora: Uma tabela grande, que tem quantas colunas (mostro onde era a coluna)? Alunos contam e dizem 10
Professora (mostrando as linhas): Quantas linhas temos aqui?
Alunos: 9,10
Professora conta com a classe: 1, 2...10. Tem 10 colunas e 10 linhas.

Em seguida, Lívia pontuou sobre como os algarismos aparecem, sendo complementada por Laura e Luara que observavam a regularidade na formação dos números:

Lívia: Tudo repetido!
Professora: Como?
Livia: Tem um monte de um. Mostra na primeira coluna e na segunda linha do quadro.

Laura complementa: Se aqui tem 1 (mostra a 1ª linha), aqui tem 1 (mostra a coluna). Se aqui tem 2, aqui tem 2... (mostrando até chegar no 9).
Professora: E aqui (mostrando o 10) tem o quê?
Laura: O zero, zero, zero...até aqui (mostra o 100)

Diante desta descoberta, como percebi que faltavam as palavras, já que os gestos estavam se sobrepondo, procurei verbalizar o que haviam dito com os gestos:

Professora: A Lívia tinha dito que tinha aqui uma porção de um, ou seja, nesta coluna que tem o 1, na linha também tem. Se nesta primeira linha tem o 1, vai ter 1 na coluna inteira. O número que está na primeira linha da coluna repete na coluna inteira.

Heloisa vem mostrar que também tem um monte de 7, apontando o que Laura havia mostrado, mas mostrando “a linha deitada” como completou Miguel. Laura mostra a mesma coisa com o 8 e diz que “todos têm igual na linha e na coluna”. Aproveitei para pedir que observassem onde eles estavam. Luara pergunta “um segredo? ”. Ao que confirmei e indaguei “vamos ver se vocês conseguem descobrir o “segredo” desta organização? ”. Para ajudá-los, perguntei: como vai aumentando o número aqui em cima? (mostrando a primeira linha). Vejam do 1 vai para o 2. Quanto aumentou? Se eu tinha 2 e acrescentei 1, fiquei com ... (disseram 3). Olhem aqui 41 mais 1, 75 mais 1 (as crianças respondiam o total). Então, de quanto em quanto está aumentando?

Miguel: De 1 em 1
Professora: Na linha está aumentando de 1 em 1. Vamos olhar na coluna.
Miguel: Na coluna do 1 é tudo 1.
Professora: Mas na coluna não tem só 1. Tem 21,31,41...O 1 não muda. O que muda?
Laura: Aqui tem 1, 2, 3... (mostrando a dezena)
Matheus: De 10 em 10.
Professora: Olha onde ele olhou (mostrando a última coluna). Vamos olhar aqui no 6 (mostrando a coluna), se ele disse que é de 10 em 10, 6+10=16 (apontando para o 16), 16+10= ....

As crianças foram respondendo conforme eu ia mostrando. Acrescentei “se eu fosse continuar aqui no 96, quanto seria?”. Miguel respondeu 106. Para finalizar coloquei na lousa as conclusões: a coluna aumenta de 10 em 10 e a linha de 1 em 1.

É muita riqueza! Não acham? Depois dessa exploração, sugiro trabalhar o quadro com números faltando, proposta que sempre aparece nos livros didáticos e que ganhará um novo sentido, pois podem utilizar a regularidade “descoberta”.

Nestes diferentes momentos de atividades, as crianças estão em contato com situações nas quais colocam em jogo tudo o que sabem. Certamente, você já deve ter realizado a proposta do quadro de números e a atividade da fila (eu já fiz isso muitas vezes), mas sem conhecer profundamente o objetivo por trás de cada uma: o pensamento algébrico. Isso muda totalmente o nosso olhar e foco.

Sempre estamos aprendendo e é muito bom olhar para trás e ver que a vontade de descobrir e redescobrir não acaba, mesmo quando estamos quase finalizando o percurso, como foi o meu caso.

Fica o convite para que você, professor e professora, se aventure nessas descobertas. Os resultados serão surpreendentes!

Até a próxima,
Selene

Selene Coletti é professora há 39 anos na rede pública. Atua na Educação Infantil e foi alfabetizadora por 10 anos tendo trabalhado do 1º ao 5º ano. Recebeu, em 2016, da Fundação Victor Civita, o Prêmio Educador Nota 10 com o projeto “Mapas do Tesouro que são um tesouro”, na área de Matemática. Foi diretora de escola e recebeu, em 2004, o Prêmio “Gestão para o Sucesso Escolar”, do Instituto Protagonistes/Fundação Lemann. Atuou como coordenadora do Núcleo de Formação Continuada do município. Atualmente é formadora da Educação Infantil, na Prefeitura de Itatiba.