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A inclusão de alunos com deficiência na escola regular

Foram décadas até a consolidação da Educação especial nas turmas regulares – direito que corre risco com o Decreto nº 10.502

POR:
Raphael Preto Pereira
três garotas abraçadas e sorrindo para frente
Foto: Getty Image

Tauani Donizetti Barbosa, tem 18 anos e é surda. Ela estuda no 3º ano do Ensino Médio do Colégio Municipal Tenente General Gaspar de Godói Colaço, em Barueri (SP). Apesar de se comunicar pela Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS), ela já antecipa: “Minha maior dificuldade não é com a Língua Portuguesa, mas com História”. Em 2020, devido ao isolamento social causado pelo coronavírus, Tauani não conseguiu acompanhar o conteúdo curricular. Mas, mesmo estando no último ano da escola, ela não planeja perder a oportunidade de recuperar o que ficou pra trás. “Pretendo estudar esta série de novo porque a covid não deixou fazer nada neste ano”.

Hoje, Tauani tem a possibilidade de se formar em uma turma regular em uma escola pública, mas nem sempre foi assim para os estudantes com deficiência. “Durante muito tempo, a regra para as pessoas com deficiência era ficar em casa”, relembra Helena Alice Barcelos, que é professora de Tauani e conta com o auxílio de uma intérprete de LIBRAS na sala de aula. Helena teve seu primeiro contato com o tema quando viu o desafio na família nos anos 1970 para que sua prima com hidrocefalia pudesse estudar. “Ela sempre estudou em escola especial e era muito complicado conseguir vagas.  Com o tempo, minha tia resolveu tirar ela da escola”.

A consolidação da inclusão de crianças e adolescentes com deficiência no sistema regular de ensino foi um processo longo. Em 1989, a Lei nº 7.853 tornou  obrigatória e gratuita a oferta da Educação Especial em escolas públicas. A legislação previa que “pessoas portadoras de deficiência capazes de se integrarem no sistema regular de ensino” pudessem se matricular na mesma sala que outros alunos sem deficiência no sistema público e privado de ensino, mas ainda considerava as escolas especiais como principal opção. Um ano mais tarde, o Estatuto da Criança e do Adolescente,  apontou que o atendimento especializado deveria ser feito, preferencialmente, na rede regular de ensino para garantir a integração cultural e social desses estudantes. 

Como a gestão escolar pode ajudar na inclusão?

Os gestores escolares tem um papel fundamental na Educação inclusiva. Proporcionar espaços de troca de experiências entre os professores é uma forma de apoiá-los na missão de garantir que nenhum estudante fique para trás. Leia mais dicas abaixo:

Nas décadas seguintes, políticas como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência e o próprio Plano Nacional de Educação (PNE) foram consolidando e reafirmando a escola regular como o principal espaço para os alunos com deficiência. O Censo Escolar de 2019 indica que 87,2% desses estudantes estão, hoje, matriculados em salas regulares, enquanto 12,8% estudam em escolas especializadas.   

Adriana Pagaime, uma das autoras do estudo “Educação Inclusiva em Tempos de Pandemia”, realizado pela Fundação Carlos Chagas, explica que, até algum tempo atrás, muitos educadores entendiam os alunos com deficiência como uma responsabilidade exclusiva do professor do atendimento educacional especializado (AEE). “Mas, a pesquisa revela que os professores que atuam nas classes comuns, têm assumido o ensino desses estudantes assim como dos seus demais alunos. E esse avanço vem acontecendo em decorrência da continuidade da política de Educação na perspectiva inclusiva”, aponta a pesquisadora.  

Os benefícios não são apenas para os estudantes com deficiência. Além de criar maior valorização da diversidade, o convívio entre alunos com e sem deficiência favorece desenvolvimento cognitivo e socioemocional de todos os estudantes. Para os alunos que são incluídos, estar numa sala regular amplia as chances de conclusão do Ensino Médio e de ingressar, de forma independente, no ensino superior ou no mercado de trabalho.

No estudo da Fundação Carlos Chagas, os pesquisadores identificaram que a maioria dos professores possui cerca de 10 anos de experiência no trabalho com inclusão. E, há mais ou menos o mesmo tempo, em 2009, o Brasil começou a implementar a convenção dos direitos das pessoas com deficiência da Organização das Nações Unidas (ONU), que passou a vigorar com força de emenda constitucional a partir do decreto 6.949/2009. “A política privilegiou que a inclusão aconteça em escolas regulares comuns e, quando necessário, que haja o atendimento educacional especializado no contraturno”, explica Adriana. Neste período, houve também um avanço do entendimento sobre o trabalho com os alunos com deficiência. 

Damares Ferreira, professora de Língua Portuguesa também do  Colégio Municipal Tenente General Gaspar de Godói Colaço, relata que uma das grandes dificuldades encontradas foram as práticas de avaliação, especialmente com os alunos surdos. “Eu tinha uma visão de dar a nota mínima para todo estudante com deficiência. Até que a coordenadora me questionou sobre qual era o meu critério avaliativo, e eu não soube responder”, relembra. Foi então que ela reviu o seu processo de avaliação para considerar a realidade que ela tinha em sala de aula.  “Quando a gente trabalha com alunos com deficiência, a gente aprende por exemplo, a individualização dos resultados de cada estudante”. 

Saiba mais sobre inclusão

Conheça iniciativas de professores da Educação Infantil, Fundamental 1 e 2, e Ensino Médio, e possibilidades para garantir uma Educação inclusiva mesmo a distância.

Os aprendizados trazidos pela diversidade são de diversas ordem: sociais, emocionais, cognitivos, de reflexão e prática. Mas a inclusão dos estudantes com deficiência em turmas regulares está em risco desde que o governo federal editou o Decreto nº 10.502, de 30 de setembro de 2020, que flexibiliza a política nacional de Educação especial e permite  escolas e turmas específicas para os estudantes com deficiência, separados dos demais alunos. “É importante compreender que as crianças aprendem umas com as outras, estabelecem relações na busca de conhecimentos, nas diferentes formas de comunicação e aprendizagem”, destaca Adriana. “Os avanços vêm da perspectiva inclusiva e nisso não podemos retroceder”.

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