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Brincar de fazer arte: como ampliar o lúdico e a criação no cotidiano da Educação Infantil

Professoras experientes falam sobre a intersecção entre as brincadeiras e a expressão artística das crianças pequenas, dão sugestões de materiais e atividades

POR:
Camila Cecílio
Crédito: Getty Images

Arnaldo Antunes, músico e compositor brasileiro, cantou: “Saiba, todo mundo teve infância/ Maomé já foi criança, Arquimedes, Buda, Galileu e também você e eu”. Ao olhar para a letra da canção Saiba, fica fácil imaginar que as personalidades citadas brincaram quando pequenas, não é mesmo? Afinal, não importa o tempo, o espaço e as circunstâncias, essa é a ação principal das crianças. Mas brincar também se aprende e as experiências artísticas se ampliam conforme as oportunidades que os adultos oferecem. São elas que enriquecem o cotidiano da Educação Infantil.

“A brincadeira está muito entrelaçada com os processos artísticos da criança. Por isso, nessa etapa, não separamos aquilo que é expressivo e vem da arte do ato de brincar, porque a expressão da criança surge da ludicidade”, afirma Lucília Helena Franzine, diretora da Escola Grão de Chão, de São Paulo (SP), e coordenadora de Arte para de 1 a 6 anos. Ela conta que na escola, que segue a metodologia construtivista, baseada nas ideias de estudiosos como Jean Piaget (1896-1980) e Lev Vygotsky (1896-1934), os pequenos estão o tempo todo vivendo experiências artísticas. “A criança está brincando e construindo significados através do pensamento simbólico-imaginativo, e se introduz de forma lúdica nos processos artísticos quando desenha, canta, conta uma história...”

“Tudo isso contribui para acionar aprendizagens por meio das múltiplas linguagens, ampliar vocabulário e repertório e expandir questões corporais”, acrescenta a professora de Educação Infantil Lidiane Loiola, hoje coordenadora da EMEI Julio Alves Pereira, em Jaraguá, zona oeste de São Paulo. Com formação em Artes Visuais, a educadora foi uma das vencedoras do Prêmio Educador Nota 10 em 2013, com o projeto Paisagem sonora e exploração musical, em que levou sua turma de 5 e 6 anos a explorar sons de forma lúdica, tomar consciência da paisagem ao redor e ampliar seu repertório cultural. Para Lidiane, há infinitas possibilidades de se fazer isso. “Quando se trabalha com uma ciranda, por exemplo, é um repertório; uma dança circular é outro, e ele se expande ao acrescentarmos obras de arte com imagens de cirandas ou canções diferentes”, explica.

Outra vivência marcante foi o dia em que ela levou a turma para uma visita ao Museu Lasar Segall, em São Paulo, dedicado à vida e a obra do pintor lituano (1891-1957) radicado no Brasil. “Na época, estávamos trabalhando com cadernos de desenho, como o Lasar Segall tinha. Então, a atividade foi sobre fazer desenhos do cotidiano”, lembra. A professora deu um caderno para cada um e eles podiam desenhar livremente. Ainda no museu, os pequenos aprenderam sobre a história do artista admirando uma apresentação de fantoches.

Durante a pandemia, no entanto, um dos maiores desafios da Educação Infantil é manter a rotina brincante. Para Lidiane, o maior deles é a falta de interação entre as crianças. Mesmo a escola atendendo de forma escalonada, em que uma parte da turma tem aulas presenciais e a outra, remotas, cada criança tem seu kit de brinquedos e as brincadeiras em grupo mal ocorrem.

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Tão importante quanto o brincar, seja na escola ou em casa, é o olhar do professor para as brincadeiras e expressões artísticas. “A postura de olhar para a criança brincando, dentro da sua expressividade, é importantíssima porque é quando ela traz suas emoções mais íntimas”, avalia Lucília. Atento a isso, o educador pode entender melhor a criança, acolhê-la e ajudá-la a criar outras possibilidades expressivas e lúdicas.

Como todo mundo já brincou na vida, a experiência lúdica está mais presente na trajetória dos professores. O mesmo não vale para a experiência artística. Uma forma de aguçar esse olhar é por meio de formação continuada. “O interesse dos professores pela arte é o que movimenta esses fazeres artísticos”, sustenta. Para ela, quem não tem contato com as inúmeras possibilidades de arte dificilmente conseguirá levar a prática para o ambiente escolar.

A educadora Lidiane acrescenta que o professor da Educação Infantil ainda tende a considerar apenas as artes visuais na prática pedagógica quando, na verdade, a exploração pode – e deve – ir além. “Na música, por exemplo, muitas vezes o professor coloca apenas faixas do cotidiano infantil, como Galinha Pintadinha e outras do gênero, mas é possível trabalhar também trilhas contemporâneas, clássicas e eruditas”, sugere.

Tanto a arte quanto a brincadeira têm muito para ser explorado, conforme frisa Lucília. “Além do campo sensorial e intuitivo que é estimulado no processo artístico e no brincar, em algum momento vale acrescentar algo para complementar esse fazer lúdico, e é aí que entram a intencionalidade e o planejamento do professor”, destaca a especialista. 

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Há 14 anos, Elaine de Medeiros Pinto é professora da Educação Infantil no CMEI Hermann Gmeiner, na zona oeste de Manaus (AM), uma das 21 escolas brasileiras que fazem parte do programa Escola Transformadora. A educadora de 56 anos cresceu na roça e usava a imaginação para transformar uma espiga de milho em boneca, uma das experiências determinantes para o trabalho que desenvolve hoje com sua turma de 3 a 5 anos.

Elaine adora dançar e cantar, o que vivencia também no ambiente escolar. “Acredito que as crianças sejam a própria arte, o próprio movimento. Então, quando elas se jogam, eu me jogo também. Em sala, me sinto criança também”, brinca. Mas não só de dança e canto se baseiam as brincadeiras propostas pela professora. Por conta da pandemia, a escola segue com o ensino remoto e, para aliviar a saudade dos alunos da escola, Elaine e outros educadores propuseram aos pequenos a criação de jamaxis, espécie de bolsa usada por povos indígenas, seringueiros e ribeirinhos, com materiais para brincadeiras e atividades.

“O objetivo é levar a escola para dentro da casa deles por meio do que colocamos dentro da jamaxi, como sementes, vagens, gravetos, folhas, tudo colhido no quintal do CMEI”, explica Elaine. Com esse kit, renovado semanalmente, os alunos têm a possibilidade de criar todo o tipo de arte: desenhos, pinturas, gravuras, tintas de pigmentação natural e também inventam histórias, batucam e dançam com os itens enviados. Gabriela Riker Sousa, coordenadora do CMEI, diz que as jamaxis refletem como o brincar aguça o desenvolvimento criativo dos pequenos e o contato com a arte. “Eles conhecem mais sobre o grafismo e a cultura indígena, mas não só. As criações feitas com as jamaxis envolvem reaproveitamento de materiais como garrafas pet e embalagens longa vida, além da exploração dos elementos da natureza”, conta.

Confira sugestões de atividades lúdicas para sensibilização artística que podem ser realizadas tanto no espaço da escola quanto em casa:

  1. Criação de tinta com pigmentos naturais
    Utilizando café, açafrão, urucum, beterraba, cenoura, espinafre etc., proponha investigar alimentos in natura ou sementes que, trituradas e misturadas com água (e quem quiser com cola também), possibilitem a descoberta de novas cores e texturas para as pinturas.
  2. Arte com elementos da natureza
    Com elementos naturais coletados nos espaços da escola ou da casa (folhas, galhos, flores e sementes), as crianças podem brincar de desenhar, organizando espacialmente os elementos naturais no chão. No fim da atividade, peça para que recolham e guardem os materiais para serem usados em outro dia. A coleção pode crescer e, a cada dia, ficar mais rica. 
  3. Brincadeiras sensoriais
    A ideia é pegar saquinhos transparentes (resistentes) e colocar dentro um pouco de arroz, água e anilina. Sugira que, como o saquinho fechado, a criança passe a mão para misturar bem a anilina com o arroz. Esse procedimento de tatear é muito prazeroso. Depois, com o arroz tingido e seco é possível fazer lindas colagens.  
  4. Brincadeira de luz e sombra
    Proponha que a criança direcione uma fonte de luz (lanterna ou abajur) para a parede e brinque de fazer sombra com as mãos ou o corpo. Ao cobrir a lanterna com papel celofane colorido, a luz ganha cor e outra pesquisa se inicia. Criativamente, outros materiais podem ser acrescentados na brincadeira, como um lençol pendurado para criar um teatro de sombras.
  5. Para produzir sons
    Tubos de papelão, latinhas, potes com sementes, tampas de panela e outros são instrumentos e objetos que podem produzir sons. Aqui, a sugestão é fazer uma cesta e deixar que a criança explore cada um deles.

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