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Acolhimento: como fortalecer os vínculos e motivar os alunos a enfrentar os desafios impostos pela pandemia

A escuta ativa e propostas focadas no desenvolvimento de competências socioemocionais são estratégias para estimular crianças e adolescentes a permanecer na escola

POR:
Paula Salas
Crédito: Getty Images

A professora Marcela Saramela recebeu uma ligação com um pedido de ajuda da mãe de um dos seus alunos do 3º ano do Fundamental, da Escola Municipal Jael Da Silva Barradas, em Boa Vista (RR). Ela e o marido estavam desempregados e iriam morar em uma fazenda, mas não queriam que o filho ficasse sem atividades por não ter acesso a internet. A educadora ouviu e disse que adiantaria seu planejamento para que na próxima sexta-feira a mãe pudesse retirar as atividades impressas. A cada semana, ela ia para um lugar próximo onde conseguia internet para enviar as fotos das atividades para a correção da professora e baixar as da semana seguinte. "Eu tenho feito assim com ela. Isso é acolher. Saber que você está lá para ouvir, apoiar, ajudar da forma que for possível, incentivar", resume a educadora. 

Essa relação de troca e abertura com as famílias e os alunos é fundamental durante a pandemia. "Todo dia eu pergunto como todos estão, se não postam as atividades, eu ligo para perguntar [se está tudo bem, se aconteceu algo]. Foi um vínculo de confiança que criei com eles através do diálogo", conta Marcela. 

Não é de hoje que a educadora preocupa-se com o lado emocional dos pequenos. "As emoções são importantes para o aprendizado, para a vida [dos alunos] e para minha atuação como professora", conta. No presencial, ela usava a contação de histórias e fazia uma observação atenta da turma para perceber necessidades de intervenção. "As crianças ganham confiança quando demonstramos que estamos abertos. Elas mesmo pedem para conversar comigo [sobre os problemas que enfrentam ou algo que estão sentindo]", relata a professora de Boa Vista.

Como trabalhar competências socioemocionais com as crianças

Saiba como realizar propostas que desenvolvam essas habilidades por meio de roda de leitura e conheça sugestões de materiais formativos para o professor se aprofundar no tema.


Essa abertura e contato com os sentimentos não acontece apenas com os mais novos. A escuta ativa foi uma estratégia importante que se tornou rotina no Colégio Municipal Evência Brito, em Ribeira do Pombal (BA). "Trabalhamos não só os conteúdos, mas cuidamos deles como pessoas", afirma Kelly Souza de Oliveira, professora de Língua Portuguesa para o Fundamental 2 na instituição. A verificação de como estavam era contínua. Quem não se sentia confortável em compartilhar no grupo do WhatsApp da turma, conversava em particular com a educadora. 

Esse trabalho fez parte de uma iniciativa de toda a rede municipal, em parceria com a Nossa Escola Pesquisa Sua Opinião (Nepso), de fortalecimento dos laços, de escuta e foco nas emoções durante a pandemia, no qual foram realizadas pesquisas, utilizando formulários do Google que eram divulgados pelos grupos do WhatsApp, para saber o acesso às atividades remotas, suas dificuldades e seu estado emocional. 

Participaram 301 alunos da rede, dos quais 48% tinham entre 13 e 14 anos. Entre os tópicos apresentados, eles responderam do que mais sentem falta: 75% disse que é da explicação dos professores, 63% que é do contato com os amigos; 66% concorda muito que a escola tem o compromisso com seus alunos e será capaz de superar os desafios do período. O vídeo com os resultados mostra relatos dos alunos sobre a experiência com o remoto, como se adaptaram e o que foi possível aprender durante a pandemia. A partir dos dados obtidos, novas estratégias para o ensino remoto foram pensadas.

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Em 10h de formação, saiba como fazer o acolhimento emocional; a busca ativa (encontrar maneiras de trazer os alunos de volta à escola também é acolher); a organização para um retorno seguro, com todos os protocolos de higiene e saúde, e a garantir as aprendizagens essenciais.


Os impactos da pandemia nos vínculos
Sem o contato presencial e a rotina escolar, os vínculos foram enfraquecidos ou, pelo menos, modificados ao serem mediados sempre pela tecnologia. Por isso, entre os diferentes impactos que a pandemia trouxe, um ponto fundamental é organizar ações para restabelecer e fortalecer essas relações. "A escola pode oferecer apoio para as crianças que enfrentam dificuldades", afirma Marcela Almeida, diretora pedagógica do Vila Educação, instituto especializado em aprendizagem socioemocional com atuação na rede pública e particular com o  Programa Compasso Socioemocional. 

Neste trabalho, o acolhimento tem um papel fundamental. A equipe gestora e os professores podem buscar formas de estreitar os laços com os alunos e famílias para construir um senso de comunidade que será fundamental para superar os desafios impostos pela covid-19. "Às vezes, os educadores têm medo de aparecer algo que não vão conseguir lidar. Mas o que precisa é só alguém para ouvir, acolher e não julgar. Uma pessoa que ofereça suporte", explica a especialista.

Além de uma escuta atenta, é necessário abrir espaços para compartilhar experiências. Dentro das turmas, por exemplo, ter momentos de trocas e fazer o reconhecimento dos colegas. "É um caminho para se fortalecer como grupo, estimular a resiliência e mostrar que, apesar das dificuldades, temos capacidade de aprender e superar", explica Marcela. Segundo ela, isso não é negar os sentimentos, mas encontrar boas estratégias para lidar com eles. "Não basta sentir [a tristeza ou a frustração], é preciso identificar o sentimento, falar sobre ele, se acalmar e buscar uma estratégia positiva, por exemplo, dedicar-se a um determinado objetivo”, diz a especialista.

6 dicas para acolher alunos e família
As educadoras compartilham pontos importantes para pensar o acolhimento 

  1. Estar presente no momento: pode parecer clichê, mas estar focado e fazer uma escuta atenta é fundamental. Dessa forma, o aluno ou o familiar se sentirá mais seguro e fortalecerá os laços.
  2. Não fazer julgamentos: o espaço da escola deve ser um lugar seguro. Para que as pessoas se abram e compartilhem suas questões, precisam sentir que não estão sendo julgadas. Para isso, é necessário estar de coração aberto nesta escuta, sem fazer julgamentos ou acusações, mas sempre procurando entender os contextos e as perspectivas de cada um.
  3. Check-in emocional: sempre perguntar aos alunos no começo do dia como eles estão, como estão se sentindo. Esse trabalho pode ser feito, inclusive, durante o ensino remoto, nos grupos de WhatsApp ou nos encontros síncronos.
  4. Incentive-os: utilize esse momento para lembrá-los dos seus sonhos e objetivos como forma de motivação para superar os desafios.
  5. Para acolher, é preciso estar bem: "É um desafio acolher se o professor também está fragilizado", afirma Marcela. Por isso, há um trabalho fundamental da equipe: investigar as próprias emoções e adotar estratégias para cuidar de si. Contar com uma rede de apoio e pessoas em quem confie para falar dos desafios faz toda diferença. 
  6. Trabalho em conjunto: a preocupação pelo acolhimento deve ser de toda a escola. Os professores não podem fazer isso sozinhos, devem ter o apoio da equipe gestora — inclusive com  encontros formativos sobre o assunto para prepará-los a como desenvolver as competências socioemocionais com a turma.


As socioemocionais e o desafio do engajamento
O acolhimento e empatia são fundamentais não apenas por estarmos atravessando os desafios da pandemia. As competências socioemocionais têm um papel importante no desenvolvimento cognitivo das crianças. "Quem tem dificuldade de aprendizagem, quando é trabalhado o emocional, consegue aprender melhor", explica a professora Marcela. "Passa a se enxergar de outra forma e consegue desenvolver confiança em si mesmo", finaliza. Com isso, o aluno se sente mais motivado a persistir nos estudos, mesmo estando em casa. Esse incentivo acontece de diversas formas, inclusive nas devolutivas das atividades, porque as crianças sabem que a professora vai ver e sentem vontade de fazer bem feito. 

Para manter o engajamento e o esforço e recuperar as aprendizagens que ficaram para trás, Marcela aponta a importância de desenvolver a autorregulação — que também pode ser chamada de autogerenciamento, a depender da tradução. O Instituto Vila Educação, a partir dos referenciais da organização americana Collaborative for Academic, Social, and Emotional Learning (Casel), define a competência como a "capacidade para gerenciar emoções, pensamentos e comportamentos de forma eficaz, em diferentes situações e para atingir objetivos e aspirações". Isto é, relaciona-se com a habilidade de controlar as próprias emoções, lidar com o estresse, desenvolver automotivação e tomada de iniciativa para planejar e organizar as ações para atingir os objetivos — neste caso, as aprendizagens a serem recuperadas.

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Dar ferramentas para as crianças falarem e refletirem sobre como estão se sentindo é o que faz a professora Marcela, que dá aulas para o 3º ano. Entre as atividades que estimulam  essa abertura, destaca a contação de histórias como um caminho interessante — durante a pandemia, ela criou um canal no youtube para disponibilizar leituras que faria em sala. "A história do Monstro das Cores [livro de Anna Llenas] é a que mais gosto para o acolhimento, porque mostra que a criança tem vários sentimentos e ela precisa organizá-los de alguma forma, refletir sobre cada um deles e criar estratégias para se sentir melhor", compartilha a educadora. Para a professora dos Anos Iniciais, o controle das emoções é um dos maiores desafios para os alunos, por isso vê que deve ser um dos enfoques das atividades propostas. 

Quando a volta à escola for possível, o acolhimento ganhará um papel ainda maior. "Acolher não é só dar um abraço. É mostrar a escola como um lugar importante, para que a criança ou adolescente sinta vontade de ir", explica Marcela, do Instituto Vila Educação. No processo de acolhimento, a especialista destaca a competência consciência social, muito relacionada com a empatia e preocupação com o sentimento do outro. Uma sugestão é abrir espaços para fazer uma escuta ativa, rodas de conversa em que possam ser compartilhadas experiências, pensamentos e emoções vividas na pandemia. "É importante dar conforto para que o aluno tenha desejo de perseverar para prosperar", diz Marcela. “Não sabemos como vai ser a nova forma de educar, mas esse retorno vai ser marcante por conta de todas as dificuldades da pandemia. Teremos que lidar com as situações que aparecerem, ajudar com o que puder, seja na escola ou em casa”, complementa Kelly.

Conheça 4 materiais sobre acolhimento
Confira sugestões de atividades, roteiros, documentos e cursos sobre como fazer esse trabalho na escola

1. Protocolo acolhimento: ações híbridas e contínuas
Produzido pelo Instituto Unibanco, o documento é direcionado para os gestores escolares. Nele, você encontrará informações e roteiros para acolher a equipe e a comunidade escolar.

2. De volta à escola: estratégias para a acolhida pós-isolamento social
O Instituto Ayrton Senna criou um plano de acolhida na volta às aulas. As atividades propostas focam no desenvolvimento de competências socioemocionais tais como Foco, Respeito, Empatia, Tolerância ao Estresse e Imaginação Criativa.

3. Biblioteca de atividades para aulas à distância
O Programa Compasso Socioemocional, desenvolvido pelo Instituto Vila Educação,  disponibilizou um banco de 20 atividades com foco no desenvolvimento socioemocional para crianças da Educação Infantil e Anos Iniciais do Fundamental que podem ser realizadas a distância. Para baixar, basta cadastrar-se gratuitamente e colocar em prática.

4. Guia orientador do docente para acolhimento emocional em tempos de pandemia
Diversas redes e institutos criaram orientações para fazer o acolhimento na escola. Uma delas é o Instituto Federal do Pará, que preparou um guia com orientações sobre saúde mental e Educação socioemocional com foco no acolhimento durante a pandemia.

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