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Coordenação pedagógica: por que investir em formação continuada em competências socioemocionais?

Quando se organiza programas voltados às socioemocionais, todos têm a ganhar – professores, alunos e a própria gestão. Saiba o que levar em consideração nesse momento, e o passo a passo para consolidar, na sua escola, iniciativas envolvendo essas competências

POR:
Victor Santos
Crédito: Getty Images

De todas as transformações provocadas pela pandemia da covid-19, uma das maiores revoluções aconteceu na área da Educação. As escolas, baseadas em trocas presenciais entre os alunos e os educadores, eram bastante ‘analógicas’ e transferiram suas atividades para o contexto remoto e digital. Os professores precisaram se reinventar e gestores escolares se organizaram para não perder alunos que, por sua vez, enfrentaram dificuldades de acesso às tecnologias, em muitos casos precisando da entrega de materiais impressos. Esses e outros percalços ocorreram em meio a uma pandemia que, até junho de 2021, levou mais de 470 mil brasileiros à morte; muitos deles, certamente, pessoas próximas de educadores e estudantes.

“A vivência da pandemia e do ensino remoto ou híbrido são as questões do momento, e justamente por serem dificuldades, exigem de nós diferentes recursos emocionais para lidar com cada uma delas”, sintetiza Rosane Voltolini, psicóloga e especialista em saúde mental coletiva, que atua na coordenação e implementação de programas internacionais por meio da Associação pela Saúde Emocional de Crianças (ASEC). Assim, nesse momento tão complexo, ganharam ainda mais evidência as tão faladas competências socioemocionais.

Mas afinal, o que são essas competências? Quais são os maiores benefícios e pontos de atenção no trabalho com elas na escola? E como a gestão pode implantar programas de formação em competências socioemocionais? NOVA ESCOLA conversou com quatro educadoras que ajudaram a ampliar a compreensão do conceito e detalharam como consolidar programas nessa área.

Como trabalhar competências socioemocionais com as crianças

Esse Nova Escola Box vai ajudar professores e gestores escolares de Educação Infantil a incluir as socioemocionais em suas atividades, incluindo aí sugestões de materiais formativos para que os professores se aprofundem no tema 


Competências socioemocionais: definição e importância no ambiente educacional
Atuando há 13 anos no desenvolvimento de competência socioemocionais em diferentes faixas etárias, a psicóloga Rosane Voltolini as define como sendo “um conjunto de habilidades para lidar com nossas emoções durante os desafios cotidianos, e que estão ligadas à nossa capacidade de conhecer, conviver e ser”. Segundo ela, em situações desafiadoras, essas competências nos ajudam a  encontrar soluções mais assertivas e eficazes”.

A especialista Danila Di Pietro, formadora de professores em escolas públicas e particulares, pesquisadora na área de Psicologia Moral e suas relações com competências socioemocionais, integrante do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Moral (GEPEM) da Unesp/Unicamp, comenta que, ao longo dos seus estudos, constatou que “existem muitos conceitos, definições e propostas de conjuntos de competências socioemocionais, o que mostra que não se tratam de propostas definitivas, e sim, construídas.” [leia sobre algumas propostas no box].

Ela explica que “competências socioemocionais são a manifestação de conhecimentos, habilidades e atitudes que envolvem as dimensões social, emocional e intelectual”, e enfatiza, baseada em sua experiência acadêmica e profissional, que “essas competências devem ser selecionadas a partir de uma análise ética, de uma reflexão moral, para então poderem responder a demandas do cotidiano”. Segundo a pesquisadora, as socioemocionais são importantes mas não suficientes para dar conta das relações humanas na escola: enquanto elas auxiliam no como agir, a moral ajuda no por que agir, levando o sujeito a escolher atitudes justas, solidárias ou respeitosas.

“Apesar de serem muitas as definições e correntes, o fato do trabalho com socioemocionais nas escolas ter sido tão alardeado e popularizado nos últimos anos foi importante para reforçar que a escola não é local apenas de desenvolvimento intelectual, mas também de desenvolvimento humano, nos planos individual e coletivo”, ressalta Danila. Com a pandemia,  habilidades sociais e emocionais vem sendo cada vez mais requisitadas, deixando claro que a escola não pode abrir mão delas.

As teorias que embasam as socioemocionais

Entre as muitas linhas teóricas e perspectivas que existem, duas das mais difundidas no Brasil são a da organização americana Collaborative for Academic, Social, and Emotional Learning (Casel), de Chicago (EUA), e a corrente denominada Big Five Factors (Cinco Grandes Fatores de Personalidade).

O Casel trabalha com cinco competências principais. As duas primeiras, autoconsciência e autogestão, se situam no campo do ‘eu’ (tentando responder perguntas como quem eu sou? O que faz sentido para mim?); as competências seguintes, consciência social e habilidades de relacionamento, já fazem um deslocamento de olhar para o coletivo; e a quinta competência, tomada de decisão responsável, propõe ao sujeito pensar de maneira crítica (veja a representação gráfica do Casel aqui). O uso dessas cinco competências é balizado pela regulação dos valores morais.

Já o Big Five leva em conta cinco grandes dimensões, consideradas características da personalidade dos indivíduos, as macrocompetências autogestão, abertura ao novo, amabilidade, engajamento com os outros e resiliência emocional. Essas cinco agrupam 17 competências. Elas englobam fatores como determinação e responsabilidade, assertividade, empatia e respeito, tolerância ao estresse, e outras características que você pode ver aqui.


Competências socioemocionais, ambiente escolar e formação de professores
A presença das socioemocionais nas escolas públicas realmente agregou em muitos aspectos, de acordo com duas gestoras ouvidas por NOVA ESCOLA. “A gente já vêm trabalhando com questões socioemocionais há uns cinco anos”, comenta Denise Nery, diretora da Escola Municipal Vitalina Rossi, de Ensino Fundamental 2, em Poços de Caldas (MG). “Para nós, sempre foi um ponto relevante. Sem elas, a aprendizagem não flui”.

Se já era importante antes, no pós-pandemia será fundamental. “A escola terá muitas coisas a abordar: a questão do luto, porque muitos perderam pais ou pessoas queridas; o próprio medo dessa reabertura que se aproxima; e ainda, o que os estudantes esperam para o futuro. Todos esses elementos passam pelas socioemocionais”, descreve Denise. “É essencial pensar em primeiro lugar nas formações dos professores. Se eles não estiverem bem emocionalmente, como vão acolher os alunos? Por isso, minha escola partiu do acolhimento ao professor”.

A gestora procura fazer parcerias com universidades. Assim, alunas de psicologia da PUC de Poços de Caldas fizeram cinco encontros focados no estresse emocional dos professores, perpassando por questões como luto, solidão e ansiedade. “Era tudo o que estávamos sentindo durante a pandemia, então professores se sentiram amparados”. Nos encontros semanais de formação com a sua equipe de educadores, Denise também enfatiza o trabalho com socioemocionais. “Busco incorporar nas reuniões temas trazidos pelos próprios educadores. Foram eles que sugeriram discutirmos a solidão, e construímos uma formação baseada no livro Paisagens da Solidão, do Yves de La Taille, que nos trouxe bons momentos de reflexão”.

Reflexões envolvendo professores e gestão por meio das socioemocionais também fazem parte das dinâmicas da coordenadora pedagógica Maria Helena Ferreira Lima, da rede do Ceará, estado que possui parceria em formações em socioemocionais com o Instituto Ayrton Senna. Em tempos presenciais, a coordenadora pedagógica da Escola de Ensino Médio (EEM) José Cláudio de Araújo, em Mucambo (CE) relembra que desenvolveu, em cinco dias alternados, a chamada ‘maratona de socioemocionais’ com seus professores, em que cada uma das cinco macrocompetências foi explorada por eles em alguns desafios. Um  exemplo: praticar a autogestão por meio da organização de um espaço doméstico ou do próprio armário na escola. “É necessário gastar algum tempo para que o professor tenha vivência e experiências e consiga, depois, levar isso aos seus alunos”. Segundo Maria Helena, a gestão precisa estar afinada com essa capacitação. “Precisamos demonstrar que temos fragilidades e  estamos preocupadas com a nossa própria formação pessoal. Assim estimulamos o desenvolvimento da equipe”, diz. A coordenadora cearense organizou uma atividade remota que funcionou ao mesmo tempo com professores e alunos, sob o tema “O que nos move?”. Além de provocar troca de ideias, sinalizou a todos que é preciso ir em frente, escolhendo um rumo, mesmo em situações de crise. 

Mesmo tendo organizado essas formações, as duas gestoras salientam uma dificuldade relacionada à própria bagagem acadêmica. “Nós, pedagogos, não somos formados para formar, é um desafio”, comenta a diretora Denise Nery. “Acredito que trazemos lacunas da nossa formação inicial, e até uma certa fragilidade no autoconhecimento, que é ponto de partida para o trabalho com socioemocionais”, observa Maria Helena.

Apoiando a equipe no replanejamento contínuo

Nesse curso, gestores escolares vão entender como elaborar um instrumento de planejamento que vai apoiar o trabalho do professor, entender como flexibilizar e adaptar esse planejamento, além de estratégias para não deixar nenhum estudante para trás. 


Como planejar uma formação continuada em competências socioemocionais?
A seguir, elencamos tópicos considerados importantes pelas quatro profissionais entrevistadas no planejamento de uma formação – lembrando que não se trata de um passo a passo estruturado, e sim, de recomendações para auxiliar na construção do percurso.

Olhar para o contexto – o planejamento de uma formação continuada parte sempre da necessidade de cada rede e instituição. “É preciso considerar o chão da escola, para então trabalharmos com o que temos dentro da nossa realidade”, enfatiza a coordenadora Maria Helena;

Acolhimento – a capacitação em socioemocionais precisa de um olhar inicial cuidadoso em relação aos professores. “É interessante se perguntar: como faço para que a equipe se sinta confortável para compartilhar experiências e construir vínculos entre si?”, destaca Maria Helena. A psicóloga e especialista Rosane Voltolini reforça que “é preciso, nesse momento, oferecer espaços de escuta aos seus profissionais”;

Definir a finalidade das competências e as necessidades da escola – esse ponto, segundo a pesquisadora Danila Di Pietro, é crucial. “Questione-se: por que a escola está promovendo essa formação entre professores, e assumindo uma demanda como essa? O que a gente precisa aprender sobre isso? Trata-se de uma escolha política das escolas, e o cruzamento das respostas desses questionamentos ajuda a realmente estabelecer um plano de formação”, pontua;

Proporcionar a base teórica – como já destacado anteriormente, são múltiplas as perspectivas e metodologias envolvendo socioemocionais. As quatro especialistas ressaltam que é preciso decidir o que será estudado e buscar referências, seja em leituras e estudos, ou mesmo com consultorias e treinamentos externos, quando possível;

Vincular à prática - feita a reflexão teórica, surge o momento de realizar o diálogo com a realidade da escola, que já foi devidamente analisada. “Uma boa pergunta norteadora é: quais as decisões coletivas nossa escola vai tomar com base nesses estudos?”. A coordenadora Maria Helena aponta que a socialização de experiências entre os pares é muito importante, de forma que ao longo dessas dinâmicas os professores se vejam como corresponsáveis do processo de formação;

Fechamento - uma vez que os professores já aprenderam e aprimoraram as suas competências socioemocionais, é válido estabelecer combinados, como uma agenda de encontros, para que esse processo continue em andamento, consolidando o desenvolvimento contínuo e o reconhecimento da equipe.

Por fim, é importante ter em mente que só passando por processos formativos em que possam debater e vivenciar o trabalho com essas competências, os professores conseguirão oferecer aos alunos o suporte necessário. “Se professores e alunos não estiverem bem, não vai ter como pensar na parte pedagógica na retomada presencial. Estamos voltando de um momento muito difícil, pelo qual ninguém tinha passado, então não dá para ser de qualquer maneira. É preciso escuta e acolhimento, e por isso as socioemocionais serão protagonistas”, conclui a diretora Denise.

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