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Ensino híbrido: saiba mais sobre o laboratório rotacional e o modelo virtual aprimorado

Professores de escolas públicas e especialistas mostram como aplicar essas metodologias ativas em sala de aula e a sua importância neste momento repleto de mudanças e desafios na Educação

POR:
Victor Santos

Consultoria: Fernando Trevisani

Crédito: Getty Images

“Eu trabalho com a Matemática, componente curricular considerado muito difícil por alguns estudantes. Por isso, sempre tive uma inquietação: como mostrar para eles que essa é uma ciência viva, que faz parte da nossa vida e do nosso dia a dia?”, questiona a professora Gislaine Duarte Fagundes, que atua nos Anos Finais do Ensino Fundamental na rede municipal de Canguçu (RS) e de Pelotas (RS).

Esse relato ilustra como, muitas vezes, é a própria vivência dos educadores e os desafios diários enfrentados que os levam a adotar algumas das metodologias ativas, que buscam dar um protagonismo cada vez maior aos alunos.

No caso de Gislaine, as estratégias que usou para suprir essa inquietação estavam no ensino híbrido, que diz respeito a integrar atividades presenciais e on-line, no qual os recursos digitais são utilizados para coletar dados e informações que serão analisadas pelo professor com o objetivo de planejar atividades mais condizentes com as necessidades dos estudantes e, assim, personalizar o ensino.

Ela conta que estudou o tema em formações nas redes em que trabalha e em especializações desde 2017  – atualmente, segue com esses estudos no seu mestrado. Essa temática também ganha destaque nesta terceira reportagem que compõe o especial sobre metodologias ativas produzido por NOVA ESCOLA ao longo deste mês.

“Quando a gente olha para a definição de ensino híbrido, estamos falando de colocar o estudante no centro do processo, desenhando experiências e o próprio percurso metodológico de forma que o aluno possa se desenvolver em relação a habilidades e competências”, explica Lilian Bacich, pesquisadora e diretora da Tríade Educacional. “Isso significa que o estudante não vai ficar ali sentado, apenas escutando uma aula expositiva, ou assistindo a um vídeo em silêncio, mas sim, interagir com tudo isso de uma forma ativa”, completa a especialista, que também é uma das organizadoras do livro Ensino Híbrido: personalização e tecnologia na educação (Penso Editora, 2015), ao lado de Adolfo Tanzi Neto e Fernando de Mello Trevisani.

Depois de trazermos na reportagem anterior deste especial duas possibilidades de ensino híbrido, que são a sala de aula invertida e a rotação por estações, vamos conhecer agora, com a ajuda de educadores de escolas públicas de diferentes estados do país, outros dois modelos relacionados com esse formato de ensino: o laboratório rotacional e o modelo virtual aprimorado.

Curso intensivo – metodologias ativas

NOVA ESCOLA preparou um intensivo de cursos sobre metodologias ativas, comandados pela professora e especialista Lilian Bacich, que vão ajudar você, professor, a facilitar o protagonismo do aluno e a motivá-lo na construção de seu conhecimento.

Laboratório rotacional: conceito e prática nas escolas públicas
Andréa Barreto, professora de Ciências e membro da equipe da Subsecretaria de Ensino na Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro (RJ), trabalha com formação de professores em metodologias ativas e tecnologias educacionais desde 2012. Ela destaca por que é tão importante que os professores incluam essas possibilidades em seu dia a dia.

“Cada aluno vai aprender de uma maneira – e isso é a neurociência que fala, e não eu. Então, é muito interessante que você tenha abordagens diferentes para atender todos os perfis, e uma das maneiras de fazer isso é pelo ensino híbrido, que sempre vai contar com uma parte on-line e uma parte off-line”, diz. “Elas devem ser planejadas juntas, de forma contínua, não separadamente”.

Entre as possibilidades oferecidas pelo ensino híbrido encontra-se o laboratório rotacional. Nele, parte da turma realiza alguma atividade guiada e mediada pelo professor na própria sala de aula, na biblioteca, ou em locais abertos da escola, enquanto o outro grupo desenvolve práticas mais autônomas usando os recursos digitais disponíveis na instituição. Posteriormente, invertem-se os grupos.

É importante salientar que esses recursos digitais da parte on-line podem ser tanto o computador em laboratórios de informática – onde existe a presença de um adulto que supervisiona as crianças, e caso esse profissional seja também um professor, ele pode auxiliar nesse momento de aprendizagem – quanto notebooks e celulares. Nesse último caso, por serem tecnologias móveis, torna-se possível realizar o laboratório rotacional dentro de uma mesma sala, dividindo os dois grupos ali mesmo e minimizando, assim, a necessidade de um segundo docente. Todas essas questões vão depender da infraestrutura do local, e podem ser adaptadas a cada realidade.

É justamente esse modelo de ensino híbrido que a professora Gislaine trouxe para as turmas da Escola Municipal de Ensino Fundamental Ministro Arthur de Souza Costa, em Pelotas (RS), em busca de aproximar os estudantes da Matemática e envolvê-los como protagonistas de sua aprendizagem. “Foi muito importante porque estudei autores como Lilian Bacich e José Moran, tive orientação acadêmica e, por estar conciliando essas pesquisas com o meu trabalho na escola, já pude fazer a aplicação prática”.

Ela destaca os principais pontos que colaboraram para que essa estratégia fosse executada, ainda no período anterior à pandemia. “A escola possui um laboratório de informática com acesso à internet, e o coordenador do laboratório também é da área de Matemática, o que consolidou uma ótima parceria”, relata. “E temos convênio com a plataforma Khan Academy, que nos fornece um ambiente virtual para o estudo”.

Nessas atividades aplicadas aos alunos do 6º ao 9º ano, tudo se iniciou com um bom planejamento, integrando on-line e off-line. “Eu começo pensando o que quero atingir, de que forma vou propor esses conteúdos e como vai ser a relação entre o que eles vão trabalhar em sala de aula e o que vão trabalhar on-line?”, resume Gislaine. “E como temos, pela rede, cinco períodos semanais de Matemática, cada um dos grupos trabalha em sala três vezes na semana e outras duas no laboratório”.

A partir de sua experiência com esse modelo, a educadora enxerga inúmeros benefícios. Um deles é a possibilidade de personalizar mais o ensino. “Em turmas acima de vinte alunos, é humanamente impossível atender individualmente cada um. Então, a plataforma gamificada permite, por exemplo, certa autonomia, claro que com o professor do laboratório supervisionando e tirando eventuais dúvidas”, afirma. “O aluno que for mais ágil pode explorar outras possibilidades ali no ambiente virtual. Já para o aluno que encontra dificuldades, posso recomendar atividades da plataforma para que ele desenvolva essas habilidades que ainda não estão consolidadas”.

Gislaine explica que tudo isso é mensurado posteriormente: das três avaliações trimestrais realizadas pela rede, uma delas é feita com apoio da plataforma. O professor parceiro do laboratório compila informações, como pontos conquistados e tempo ativo na plataforma, criando uma planilha que converte esses dados em notas. A plataforma possibilita, ainda, o acompanhamento das aprendizagens e o diagnóstico do desempenho dos alunos em tempo real, permitindo a intervenção docente a favor da aprendizagem.

Durante a pandemia e com o ensino remoto emergencial, a prática do laboratório rotacional ficou inviável. Porém, o gradual retorno presencial já abriu caminho para que essa ação também recomece e que práticas sejam inspiradas nesse modelo. “Logo que eu voltei, os alunos já me perguntaram ‘professora, quando vamos usar o laboratório?’”, conta Gislaine com satisfação.

Trilha de cursos - Ensino Híbrido

Nessa trilha de cursos 100% gratuitos e voltados para professores dos Anos Finais do Ensino Fundamental e do Ensino Médio, são apresentadas diversas estratégias e possibilidades de trabalho com Ensino Híbrido, que podem ser realizadas em salas de aula presenciais, parcialmente presenciais e remotas.

Apoio à aprendizagem com o laboratório rotacional
O professor Carlos Eduardo Pereira Aguiar atua na docência desde 1986 e sempre procurou ensinar de forma a não restringir a aprendizagem à mera memorização de conteúdos, visando a uma construção mais significativa e contextualizada do conhecimento. “Mas foi só quando recebi as primeiras formações em uso de tecnologia e ensino híbrido é que entendi a estratégia por trás do que eu já fazia – e também pude aprender práticas mais específicas e especializadas”.

Com duas pós-graduações, mestrado e também um doutorado em andamento, ele trabalha na rede municipal de Manaus (AM) e tem experiência como professor de Ciências, além de trabalhos com tecnologias educacionais. Atualmente, está atuando com formação continuada de professores e retornou à sala de aula no ano passado, como professor de Química do Ensino Médio na rede estadual do Amazonas. Em todas essas atividades, o ensino híbrido está presente. “As metodologias ativas procuram dar protagonismo ao estudante para que desenvolva autonomia para esse aprendizado, e nós, professores, fornecemos os recursos e informações necessários para construir o conhecimento”.

A possibilidade de colocar em prática o laboratório rotacional surgiu quando ele estava trabalhando com tecnologias na rede municipal em 2017. “A secretaria realiza três avaliações de desempenho anuais, e fui procurado pelo gestor de uma escola em que uma das turmas do 3º ano do Ensino Fundamental não apresentou resultados satisfatórios em Língua Portuguesa e Matemática no primeiro teste”, relembra.

A solução encontrada foi trabalhar com o laboratório rotacional utilizando o telecentro, espaço público com computadores conectados à internet, presente nas escolas da rede municipal de Manaus. “Desenvolvemos sequências didáticas presenciais e on-line, inter-relacionadas, e como o espaço do telecentro naquela escola era amplo, implantamos as duas propostas na mesma sala: computadores dispostos perifericamente, e estações de trabalho ao centro”, relata o educador.

“Eram aulas de 40 minutos, revezávamos 20 minutos de atividades off-line e 20 minutos on-line. Em ambas, a sequência didática envolvia situações de aprendizagem partindo da mais simples para a mais complexa, e o professor-coordenador do telecentro ficava ali, mediando em tempo real, resolvendo as dúvidas que eram suscitadas”.

Carlos conta que o resultado da ação foi extremamente satisfatório em relação ao objetivo proposto. “O rendimento foi diferenciado e potencializado nas avaliações seguintes. De uma média de 20% a 33% de acertos em Língua Portuguesa e Matemática anteriormente, conseguimos passar dos 67%, em alguns casos chegando em 88%”, recorda o professor, que acrescenta que, para além dos números, o que fica é a aprendizagem significativa que foi proporcionada. 

Segundo ele, o uso de tecnologias educacionais e a aplicação do ensino híbrido é irreversível, mas para isso são necessárias formações. “Por exemplo, aqui mesmo, onde já retornamos de forma 100% presencial, acabo de capacitar uma professora para um trabalho com laboratório rotacional no telecentro da sua escola, envolvendo a temática frações”.

Os números da pandemia

Nesse Nova Escola Box, saiba como trabalhar conteúdos de Probabilidade e Estatística com base nos dados e gráficos de covid-19, nos Anos Finais do Ensino Fundamental – inclusive, com indicações de metodologias ativas. 

Modelo virtual aprimorado: perspectivas e possibilidades de aplicação
Ainda que proponham ações inovadoras visando a maior protagonismo dos estudantes, modalidades ativas como o laboratório rotacional, a rotação por estações e a sala de aula invertida são modelos de ensino híbrido classificados como ‘sustentados’, por conservarem algumas características tradicionais da Educação brasileira, como a divisão por séries e turmas, a organização curricular e a própria divisão espacial da escola para as aulas.

No entanto, os estudos relacionados aos métodos híbridos de ensino indicam que existem algumas possibilidades que vão além dessa estrutura regular, rompendo com os elementos tradicionais que são tomados como padrão nas escolas – estamos, então, diante dos chamados modelos ‘disruptivos’.

Um deles é o modelo virtual aprimorado ou enriquecido que, conforme explica a especialista Lilian Bacich, é considerado disruptivo porque foi concebido para que os estudantes não precisassem frequentar a escola diariamente – principalmente em países em que isso é possível. “Mas para que o estudante não deixasse de se relacionar com outras pessoas, como colegas e educadores, foi sugerido que estivessem semanalmente no espaço físico da escola, momento voltado para aplicar, debater e aprofundar os conceitos que esses alunos estavam estudando on-line”.

Toda essa concepção deu-se em um contexto muito anterior à pandemia. Porém, como indica Lilian, trata-se de uma perspectiva interessante para pensarmos no cenário de hoje das escolas públicas brasileiras, em que muitos locais estabeleceram, temporariamente, o formato de rodízio semipresencial.

“É um modelo que pode ser implementado nesse período transitório em que ainda não temos os alunos 100% na escola. Então, é preciso ter roteiros de trabalho, com atividades que esse aluno pode realizar na casa dele, em contato com os familiares, e usando o que ele tiver de vídeo, de áudio, tevê, enfim, qualquer objeto de estudo remoto, e o espaço da aula presencial fica realmente voltado para debate, discussão, argumentação, e para o contato com o professor e com os colegas”, afirma.

Além disso, a especialista faz algumas ressalvas que considera importantes quando o assunto é ensino híbrido e possibilidades como a do virtual aprimorado. “Nós não estamos falando em uma economia, em uma forma de colocar mais alunos para cada professor, nem em otimizar o espaço da escola com menos alunos. Pelo contrário: tudo o que nós estudamos sobre ensino híbrido está relacionado à presença desse aluno na instituição de ensino. O foco é a importância de conectar diferentes espaços de aprendizagem, sendo o on-line um deles”.

Outro ponto crucial trazido por Lilian é não se prender muito a conceitos e definições. “A gente deve entender que todos esses modelos de ensino híbrido são inspirações e, a partir deles, os educadores precisam analisar o que faz sentido e o que não faz, e construir as suas próprias experiências, os seus próprios modelos, para a sua rede, para a sua escola e até para o seu grupo de estudantes”, destaca.

A educadora Andréa Barreto também acredita na importância desse desprendimento. “Eu não gosto de pensar em uma só maneira de fazer, acredito que às vezes a melhor estratégia pode estar na sala de aula invertida, em outros momentos no laboratório rotacional e, atualmente, o esquema de rodízio possibilita o virtual aprimorado”, aponta. “O importante é garantir a parte digital em algum momento, sempre lidando com a mediação do professor. Aliás, é importante enfatizar que o papel do professor segue mais importante do que nunca –  ele apenas deixa de ser ‘explicador’ para se tornar um mediador do processo.”

Essa importância do professor, inclusive, é algo que Andréa enfatiza quando pensa em todas as ações com foco na aprendizagem que compõem as maiores frentes de trabalho das equipes escolares no atual cenário. “Neste período de gradual retorno, há alunos que tiveram mais acesso às tecnologias, enquanto outros tiveram menos. O desafio é equalizar, portanto, acredito que as metodologias como o laboratório rotacional e o virtual aprimorado serão essenciais nesse processo”, reflete a professora e formadora. “O momento é complicado, mas não concordo que são anos perdidos, que eles não aprenderam nada e que não vai ter recuperação. Nós professores sabemos que vamos conseguir e que não existe caso perdido”.

Quando o acesso à tecnologia é precário
Ante as desigualdades de condições dos alunos, especialistas defendem o uso de recursos tecnológicos, preferivelmente, no espaço escolar

“Nós temos de usar o on-line na escola”, crava a professora e formadora Andréa Barreto. Segundo ela, essa necessidade existe porque diversos alunos não têm o acesso em casa, ou muitas vezes apenas por celulares compartilhados, e se a escola não fornecer o digital, vamos aumentar o abismo ainda mais.

Porém, a educadora sabe que a realidade de algumas escolas públicas apresenta desafios no que diz respeito ao acesso às tecnologias, e indica alguns caminhos possíveis. “Eu me lembro de que já atuei em um local com conexão precária. Então, eu montava pendrives cheios de conteúdos, colocava no computador da escola e dizia para os alunos ‘naveguem e usem todos esses materiais’. Claro que empobrece um pouco e a internet faz falta, mas isso possibilitou ao menos garantir o digital em algum momento”.

A pesquisadora e especialista Lilian Bacich também acredita que esse acesso nas escolas é um ponto mandatório. “O espaço on-line de aprendizagem precisa, preferencialmente, ocorrer dentro da escola, e por isso é necessário analisar toda uma gama de políticas públicas que possibilitem que as escolas forneçam conexão para os seus estudantes”, reforça.

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