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Educação Infantil: Como promover o desenvolvimento da linguagem

Educadoras e especialistas dão sugestões de como estimular a oralidade durante a retomada das atividades presenciais

POR:
Camila Cecílio
Crédito: Getty Images

Sentada no sofá de sua casa, uma criança assiste a um desenho na tela do celular. As cores e os sons da animação prendem a sua atenção, ao mesmo tempo em que provoca balbucios, gestos e pequenos movimentos corporais. Em outro momento, ela brinca e interage com familiares. Cenas como essa se repetem por mais de um ano e meio. Com a retomada presencial, surge um desafio: como trabalhar o desenvolvimento da linguagem dos pequenos que passaram todo esse período isolados com interações limitadas? 

“A pandemia trouxe diferentes impactos para o desenvolvimento da linguagem de crianças de diferentes idades. No retorno à escola, nós estamos notando, por exemplo, que crianças que já deveriam estar falando, ainda não estão”, observa Silvana Augusto, coordenadora da pós-graduação Fazeres e Investigações das crianças de 4 a 6 anos do Instituto Singularidades.

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Para ela, os maiores prejuízos em relação ao desenvolvimento da linguagem são observados nas faixas-etárias de bebês (zero a 1 ano e 6 meses) e crianças bem pequenas (1 ano e 7 meses a 3 anos e 11 meses). “Por conta do isolamento, o contato que os pequenos precisam ter com outras pessoas ficou prejudicado. Se uma criança só podia ficar isolada no seu núcleo, ela tinha apenas os familiares no ambiente doméstico, o que é muito complicado para quem está aprendendo a falar”, reforça. 

Silvana explica que, dada à intimidade própria das famílias, muitas vezes só de olhar para o pequeno, os responsáveis já sabem do que ele precisa sem que a criança precise fazer nenhum esforço para se comunicar. Na escola, no entanto, o contexto é diferente. “Não basta um olhar ou um gesto, porque esse ambiente não é da intimidade e ela precisa usar uma estratégia que os outros adultos possam compreender. É quando a linguagem verbal aparece”, explica. 

Dado esse cenário, vemos a importância da escola como um espaço fundamental para o desenvolvimento da linguagem. “Além disso, a convivência com outras crianças é fundamental para o desenvolvimento nesta etapa. Por isso, ela não pode ficar restrita a uma linguagem particular à família”, defende Mariana Trenche, fonoaudióloga, sócia-membro da equipe do Lugar de Vida e doutoranda em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.  

A percepção de quem já retornou

É crucial que o professor verifique como está a fala e a escuta dos pequenos em situações comunicativas coletivas, como as rodas de conversa. É importante avaliar, ainda, como estão outras formas de expressão, como o desenho e o próprio repertório de histórias que sabem recontar. Com essas informações em mãos, será possível elaborar um plano de trabalho que atinja e que dê conta daquilo que as crianças precisam dominar nesse momento.

Confira 4 dicas do que priorizar nesse momento

Especialistas dão sugestões de atividade de como favorecer o desenvolvimento da linguagem na retomada das atividades presenciais 

  1. Organize rodas de conversa diárias. Abrir esse espaço para que as crianças conversem livremente sobre seus assuntos, pensar, refletir, dialogar, aprender a ouvir o outro e levar em conta o que o outro disse. Não há um contexto melhor para viver isso senão o da roda coletiva, segundo Silvana. A pauta da troca deve ser de temas trazidos pelas crianças ou propostos pelos professores, sempre pensando na ampliação do repertório da turma.
  2. Proponha conversas literárias. Outra boa dica é realizar, pelo menos uma vez por semana, uma roda literária sobre histórias, autores e literatura. É um momento fundamental para a formação do leitor. Um bom leitor não é aquele que apenas tem o hábito de ler e ouvir histórias todos os dias, mas é também aquele que é capaz de refletir sobre a narrativa. Por isso, a roda de conversa é tão importante quanto a contação de histórias.
  3. Crie uma rotina diária de desenhos. Especialmente para as crianças que estão na transição para o 1º ano, garantir os momentos de desenho é essencial. “Essa é a atividade com a qual eu mais me preocupo, sobretudo porque, se considerarmos que as crianças terão ficado quase 2 anos de pandemia, as que vão para o 1º ano em 2022 terão passado [boa parte da] Educação Infantil em casa”, afirma Silvana Augusto.
  4. Incentive o trabalho corporal. Todo repertório das brincadeiras tradicionais que envolvem música, danças, imitar ou representar algo, ganha destaque nesse momento em que é preciso ampliar o repertório das crianças. Brincar livremente nos ambientes externos da escola é importante, mas se o professor puder ter um olhar para os gestos, para a expressividade, e trabalhar os elementos da dança, as crianças vão ganhar muito. Isso pode estar presente também nas brincadeiras.


Michelle Mariano Mendonça, professora na Escola Municipal de Ensino Fundamental Veremundo Toth, em São Paulo (SP) e doutoranda em Sociologia da Infância e Gênero pela Universidade de São Paulo (USP), conta que tem observado um grande retrocesso no desenvolvimento da linguagem das crianças que passaram por situações de vulnerabilidade, falta de estímulo, de diálogo e de assistência durante a pandemia. 

Por isso, ao invés de retornar ao presencial com centenas de atividades na cabeça, é necessário, primeiro, ouvir o que as crianças têm a dizer — não apenas pela fala, mas também por outros tipos de expressão, como desenhos ou gestos. É o que Michelle fez no projeto Quando as sementes e os bichos falam?, um dos finalistas do Prêmio Educador Nota 10 em 2020, desenvolvido com crianças bem pequenas.

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“A escuta ativa permite que o professor ouça cada criança, entenda a situação que cada uma está. Ouvir o que ela fala é perceber o que gosta e o que não gosta, observar a reação delas a partir de algumas atividades cotidianas. A partir daí é possível planejar”, recomenda a educadora. 

Michelle lembra de uma criança que tinha muita dificuldade de se comunicar. Por isso, toda vez que via alguma coisa que despertava o interesse do menino, se sentava ao seu lado para que ele pudesse explorar mais o assunto. “O momento de ouvir é realmente pedagógico. Eu esperava ele falar e, quando eu não entendia, pedia para ele repetir e depois eu repetia com ele. Mesmo que o pequeno demore para falar, a gente espera, isso também é um estímulo”, conta. 

Na Escola Municipal de Educação Infantil Érico Veríssimo, em Porto Alegre (RS), a professora Denise Rodrigues de Oliveira, que acompanha uma turma de 4 a 5 anos, surpreendeu-se ao perceber as dificuldades de comunicação dos pequenos. “Percebemos dificuldades de locomoção dos bebês e, nas turmas maiores, a dificuldade em relação a fonema, troca de letras, e algumas crianças que não falam quase nada. Trabalho há quase 20 anos na Educação Infantil e nunca tinha visto essa situação, de precisar encaminhar 5 crianças de uma turma para a fonoaudióloga”, relata. Denise atribui a situação à pandemia e à consequente falta de estímulo das famílias, que ficaram sobrecarregadas com as demandas, e ao uso excessivo das telas.


A fim de promover o desenvolvimento da linguagem, a professora tem investido em atividades com teatro e contação de histórias, além das rodas de conversas diárias com os pequenos. “Também peço para inventem histórias, faço perguntas do dia a dia delas em casa, cantamos músicas todos os dias e tenho incentivado o desenho para que contem o que significa para elas”. 

A fonoaudióloga Mariana Trenche acredita que, diante do atual contexto, esse é o melhor caminho a seguir. “O que ficou para trás foram as interações, brincar livremente e estar com outras crianças. Toda atividade que puder privilegiar esse campo social é o que podemos resgatar agora”, enfatiza.

5 sugestões de atividades para realizar no dia a dia

Especialistas e educadoras dão caminhos para quem estiver enfrentando esse desafio 

  1. Linguagem gráfica. Logo na entrada da sala, disponibilize mesas com diversos materiais para riscar, de diferentes tamanhos e formatos. Assim, as crianças podem escolher em qual mesa elas vão buscar materiais como giz de cera, canetinha, carvão, etc. Isso pode ser oferecido com frequência, dessa forma elas têm a chance de escolher e, ao mesmo tempo, aprofundar a experiência com um único material e ter oportunidade de diversificar e ampliar a exploração.
  2. Bate-papo com convidados. É interessante que a turma possa refletir sobre a própria prática de conversar e, também, sobre assuntos que sejam interessantes para elas. Por isso, crie um bate-papo com convidados, como, por exemplo, o pai de alguém que é construtor e fez uma casa nas férias; a avó de alguém que fez bolo para vender durante a pandemia, dentre outras possibilidades. Os encontros podem ser semanais ou quinzenais.
  3. Brincar de faz de conta. O faz de conta é excelente para incentivar o desenvolvimento da oralidade. Pois permite que o pequeno se coloque no papel de um outro e fale como esse personagem falaria se fosse na vida real. Potencializar e estimular essas brincadeiras de faz de conta, trazendo cenários e materiais variados para incentivar a brincadeiras é essencial. Entenda como fazer esse trabalho.
  4. Áudios via WhatsApp. Durante a pandemia, se estimulou bastante o uso de ferramentas de comunicação como Whatsapp, em que a troca de áudios foi muito utilizada para os professores estarem presentes na casa das crianças. Uma boa dica para a continuação desse trabalho é a indicação literária. Por exemplo: proponha a uma criança indicar um livro para os colegas da turma. A produção pode ser entre as diferentes turmas e os áudios podem ser enviados de um grupo para o outro.
  5. Brincadeiras cantadas. No caso dos bebês e das crianças bem pequenas, aposte na ampliação do repertório de brincadeiras cantadas. São músicas curtas, muitas vezes com repetição, que as crianças memorizam e levam para casa. Mais uma vez é a oportunidade de ampliar repertório de palavras e também falar mais. Para se inspirar, conheça o curso gratuito Brincadeiras cantadas na escola: Valorizando a tradição popular

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