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Como fazer a avaliação diagnóstica nos Anos Finais do Ensino Fundamental

Especialista e educadores compartilham experiências e sugestões para realizar a verificação inicial das aprendizagens dos alunos no início do ano letivo

POR:
Paula Salas, Nairim Bernardo

É interessante que a avaliação diagnóstica identifique não só o que é oferecido pela escola, mas também o que os alunos trazem de fora como referências e conhecimentos. Foto: Getty Images

A avaliação diagnóstica deve identificar as lacunas e os avanços nas aprendizagens dos alunos. Na volta às aulas, especialmente, traz informações essenciais para o professor planejar os passos seguintes. Apesar disso, ela precisa ser uma constante durante todo o ano.

“A avaliação diagnóstica deve acontecer várias vezes. A cada novo trabalho ou objeto de conhecimento, precisamos de um diagnóstico”, diz Kátia Chiaradia, professora e integrante do Time de Formadores da NOVA ESCOLA. Ela salienta a diferença entre essa avaliação, que ocorre no início de cada sequência de atividades, e a

avaliação processual que acontece durante o desenvolvimento das ações.

A diagnóstica não tem um formato único. Ela pode ser pensada em estilo de jogo, com metodologias ativas, roda de conversa, ou até ter um modelo mais próximo das provas. Cada escola, rede de ensino e professor tem sua forma de fazer. O fundamental é garantir a coleta de informações que vão permitir traçar o perfil da turma, o que os estudantes já sabem e o que ainda precisam desenvolver. Esses dados serão utilizados posteriormente para orientar o planejamento. 

“Algo importante a ser considerado nos Anos Finais é que os alunos já lidam com mais informações fora da escola e têm mais referências culturais que, inclusive, podem ser utilizadas dentro da escola. É interessante que a diagnóstica veja não só o que é oferecido pela escola, mas também o que eles trazem de fora”, comenta Fernanda Nunes, coordenadora pedagógica e formadora de professores da NOVA ESCOLA para temáticas de recomposição de aprendizagens e Educação para Relações Étnico-Raciais (ERER).

Sugestões para nortear a avaliação diagnóstica nos Anos Finais

Educadores compartilham três pontos fundamentais. Confira:

1. Olhe para o socioemocional. Não podemos pensar o cognitivo sem dar espaço para o emocional. Por isso, no diagnóstico inicial (ou pelo menos em algum momento no início do ano) é importante que o professor entenda como estão os alunos. “Ampliar o olhar para o aluno, não focar só nos conteúdos específicos. Ir além de verificar se ele sabe ler e escrever e o que é feudalismo, por exemplo”, recomenda Ailton Luiz Camargo, professor de História nos Anos Finais na Escola Municipal Zilma Thibes Mello, em Iperó (SP).

2. Tenha cuidado ao elaborar a atividade. Kátia sugere que o professor crie organizadores prévios. “São informações que ajudam o aluno a lembrar o que ele sabe. Não é para facilitar para o aluno, pois quem não sabe vai continuar não sabendo”, explica. Isto é, em vez de um enunciado como: “Identifique o adjetivo na frase x”, dê um contexto antes. Por exemplo: "Considerando que adjetivos são estruturas que dão características para um substantivo, encontre qual é o adjetivo na frase x”. “No lugar de perguntar o que é tal coisa, ajude o aluno a organizar o pensamento, internalizar uma informação e fazer a pergunta. [É diferente de] provar se sabe ou não”, resume a especialista.

3. Entenda as referências dos alunos. "Estudantes de Anos Finais têm maior autonomia, eles conseguem ter mais informações do mundo sem a mediação da escola”, afirma Kátia. Por isso, entender o que ele está consumindo de produções culturais ou o que sabe sobre algum assunto pode ser aproveitado em sala de aula.

Uma outra forma de fazer diagnósticos

Durante o ano, o professor Ailton utiliza as avaliações diagnósticas a cada início de projeto ou temática. Para fazer essa verificação no início do ano, ele usa a estratégia de rotação por estações. Os principais pontos que observa nesse momento são a concepção dos estudantes do que é História, os conhecimentos prévios e o repertório cultural que eles têm.

Em 2022, com a turma do 6º ano, por exemplo, o educador dividiu a sala em quatro estações. Uma delas para debater política e as expectativas dos alunos para a eleição; outra sobre esporte, em vista da Copa do Mundo daquele ano; a terceira, para conversar a respeito de produções culturais e novidades; e uma última estação para discutir a pandemia e o que a turma pensava em relação ao futuro.

Em cada uma, havia um aluno voluntário para conduzir a conversa, que já tinha sido orientado previamente pelo professor. “Eu senti que, quando eles falavam de política, faltava fundamentação histórica, tinha muita questão de fake news. Por isso, a partir desse diagnóstico pensei em fazer um projeto a partir do que vi nessa estação”, conta o educador. 

Além desse momento de conversa, ele também levou alguns textos, reportagens e documentos históricos para trazer questões que mobilizassem os conhecimentos prévios dos alunos. Para isso, ofereceu o contexto com informações importantes e fez perguntas para ver o que a turma entendia. O professor exibiu ainda um vídeo e pediu para que analisassem. 

O professor Ailton ainda  aproveita os interesses dos alunos para traçar relações com o seu componente. Se ele identifica que a turma gosta de determinado desenho animado, por exemplo, ele pode pensar em um projeto inspirado nessa referência que permita desenvolver habilidades previstas para aquele ano. “Penso meus projetos em cima disso para motivar os estudantes. Meu desafio é pegar essas referências e fazer o link com o meu currículo de História.”

Organização do saber 

Em Maceió (AL), Elisa Vilalta faz a avaliação diagnóstica com o objetivo de realizar uma sondagem dos conhecimentos prévios para ver se os alunos estão preparados para seguir adiante e também para evitar o retrabalho. “Se o professor supõe que a turma está preparada para algo e não verifica se ela realmente está, será preciso voltar, planejar de novo e repetir a aula”, explica ela que é professora de História dos Anos Finais na rede municipal e atualmente trabalha como coordenadora pedagógica. 

Uma estratégia já utilizada por ela que apresentou resultado bastante positivo foi a da proposta da elaboração de mapas mentais, que também pode ser adaptada para outros componentes. O diagnóstico foi feito no início do ano com grandes temas com os quais os alunos já haviam trabalhado no ano interior. Por exemplo, no início do 9º ano, costuma-se estudar o fim do Império Brasileiro. Antes disso, é preciso que eles saibam, entre outros pontos, o que é um império e quem foi o primeiro imperador.

A professora Elisa propôs algumas questões e, divididos em grupos, os alunos organizaram em um cartaz definições, nomes, períodos, principais feitos e motivos. 

“É legal fazer em grupo para tirar a ‘temperatura’ do todo. Cada um tem uma função: repórter (escreve), facilitador (que vai ler a tarefa e verificar se todo mundo entendeu), harmonizador (garante que todos participem), captador de recursos (pega e distribui os materiais). Com essa técnica de papéis operacionais todos trabalham juntos e garantem que o trabalho seja feito”, conta ela.

No final, foi realizado um momento de compartilhamento no qual os grupos exibiram seus murais e apresentaram não só o trabalho, mas também como foi o processo. A atividade foi feita na sala porque o objetivo não era realizar uma atividade de pesquisa online ou de consulta ao caderno do ano anterior. Se o aluno não lembra sozinho o que está sendo perguntado, mas lembra porque um colega comentou, a tarefa continua sendo válida.  

Elisa também propõe que os alunos organizem o que ela chama de “rotina de pensamento”. Ela distribui post-its coloridos para todos e eles organizam os conhecimentos no quadro em três colunas: o que eu sei, o que aprendi agora e o que quero saber mais. 

Ativando conhecimentos com a ajuda de jogos

Linaldo de Oliveira é professor de Ciências Naturais na EMEF Iraci Rodrigues de Farias Melo, em Mogeiro (PB). Ele foi tetracampeão do Prêmio Educador Nota 10 e foi eleito Educador do Ano em sua 24ª edição. Nas avaliações diagnósticas, gosta de utilizar jogos para resgatar a aprendizagem. 

Um dos modelos utilizados por ele é o do Show do Milhão, com perguntas de múltipla escolha organizadas em slides com a identidade visual do programa, que foi sucesso na TV no início dos anos 2000. O professor seleciona temas que os alunos já estudaram no ano anterior e organiza entre toda a turma uma experiência com a mesma estrutura do programa, com apresentador, perguntas,  ajuda dos “universitários” e tempo.

Outro jogo feito por ele é o do “Quem eu sou?”. Quando realizado entre um grupo de amigos, por exemplo, um pedaço de papel é colado na testa de cada participante, que deve fazer perguntas para descobrir quem é (celebridade, animal, objeto, comida, etc.). Já no modelo organizado por Linaldo, acontece o oposto: ele dá pistas e os alunos tentam adivinhar a que, no universo das Ciências Naturais, ele se refere. 

Quando possível, ele também faz uma experiência na sala e pede para os alunos explicarem porque determinado fenômeno científico aconteceu. “Com o aluno pensando e tentando aplicar a teoria, consigo ter uma visão mais completa da necessidade deles no momento. É possível entender não só se eles lembram dos conceitos, mas também se entendem de fato como acontecem na prática”, diz Linaldo.


Apesar de investir em jogos, ao longo de sua trajetória como educador, ele percebeu que as avaliações escritas não precisam ser evitadas a todo custo, mas devem ser mais dinâmicas. “A educação não precisa virar uma guerra entre tradicionalismo e modernidade. Não vejo a prova como um instrumento de avaliação supremo e infalível, mas os alunos precisam saber sentar e resolver uma prova porque isso também faz parte de outros momentos da vida”, diz o professor. 

Para atualizar a ideia tradicional existente em torno da palavra ‘prova’, ele sempre coloca questões com elementos cotidianos da vida ou do interesse dos alunos, como a cultura geek. Em alguns casos, apenas o fato de mudar o design de um slide adicionando um super-herói, por exemplo, já atrai o interesse.

Afinal, o que verificar?

Para garantir mais efetividade na avaliação diagnóstica, é preciso entender o que deve ser considerado para planejar essa ferramenta.

Olhar para trás

Os educadores concordam que, para planejar essa avaliação diagnóstica do início do ano, o professor deve levar em consideração as habilidades do ano anterior que são essenciais para o andamento do ano atual. Dessa forma, ele irá verificar o nível de entendimento dos alunos e direcionar o trabalho. 

Atenção no ‘aqui e agora’

Durante a avaliação diagnóstica, seja qual for o seu formato, é interessante observar como os alunos estão se comportando. O comportamento da turma pode revelar mais do que uma resposta certa ou errada. Eles ficam nervosos quando não sabem responder alguma pergunta? Trabalham bem em grupo para fazer o que foi pedido? Procuram modos alternativos de chegar ao resultado desejado? Elaboram uma resposta com os conhecimentos que têm, mesmo sabendo que ela não está completa?

O que quero para o futuro próximo

É impossível verificar tudo o que os alunos aprenderam no ano anterior durante uma avaliação diagnóstica. Além de estabelecer quais são as essenciais, planeje um diagnóstico focado no que você primeiro deseja trabalhar com eles. Outras avaliações diagnósticas com foco em outras questões podem ser realizadas depois. 

O que fazer depois do diagnóstico

Independentemente do seu formato, a avaliação diagnóstica deve ser utilizada como norte para guiar o trabalho pedagógico. Fernanda Nunes destaca um aspecto importante das avaliações diagnósticas. “É essencial pensar em como resultados serão utilizados. O diagnóstico visa recuperar os pontos identificados como críticos para a promoção de oportunidades de aprendizagem significativa”, explica a especialista.

Além do diagnóstico individual dos alunos e das turmas, as avaliações diagnósticas também permitem que professores e coordenadores criem projetos com abordagens e estratégias de ensino para as necessidades de toda a escola. 

“Quando os resultados são compartilhados entre os professores e organizados pela gestão, é possível ter uma visão geral de como a escola está para começar o ano. Se a avaliação revela necessidades críticas comuns a mais de uma turma e em mais de um ano, como dificuldade em interpretação de texto, a escola pode pensar em projetos maiores que atendam a uma demanda mais ampla”, sugere Fernanda. 

Ela diz também que os diagnósticos precisam acontecer no decorrer de todo o ano letivo. O professor deve averiguar como o aluno está se desenvolvendo em diversos momentos do processo de ensino e aprendizagem e também verificar a eficácia das estratégias pedagógicas que estão sendo utilizadas. Só assim é possível pensar em práticas realmente adequadas e redirecionar o planejamento quando for preciso. 


Seja qual for o componente curricular, o ano escolar ou o momento em que for feita, Fernanda salienta que avaliação não é sinônimo de prova escrita. “As competências da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) são muito amplas e precisamos pensar em como avaliá-las. Se estou focando em produção textual, eles precisam, sim, escrever; mas como eles se comunicam, em que pautam seu senso estético, de onde vem seu repertório cultural?”, questiona. “Diagnosticar tudo isso deixa o espaço mais autêntico e cria a sensação de pertencimento no estudante, que é muito necessária, impulsionando talentos e a diversidade”, complementa.

*Conteúdo publicado originalmente em 16/02/2022 e atualizado em 04/02/2024 para o acréscimo de informações após entrevistas com os professores Linaldo de Oliveira, Fernanda Nunes e Elisa Vilalta.

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