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Legado do ensino remoto: tecnologia chegou à sala de aula, mas há desafios

Educadores compartilham aprendizados que estão sendo aplicados na volta ao ensino presencial, mas é preciso avançar na questão da equidade e trabalhar com intencionalidade pedagógica

POR:
Tatiane Calixto

Em Praia Grande (SP), estudantes do 6° ano da EM Orestes Quércia utilizam recursos tecnológicos durante aula de Língua Portuguesa. Foto: Fernanda Luz/NOVA ESCOLA

Links para aulas, conteúdos enviados por aplicativos de mensagens e até uso de redes sociais. A rotina escolar durante o distanciamento social e o ensino remoto, impostos pela pandemia de Covid-19, deixou uma série de aprendizados. A tecnologia, que em muitos casos parecia distante, de repente invadiu as aulas e, ao que tudo indica, seguirá assim. 

“Os professores tiveram de responder rápida e emergencialmente ao contexto gerado pela pandemia. Também se empenharam em aprender mais sobre ferramentas digitais para o engajamento dos alunos. É claro que todo esse esforço deixou um legado em termos de aprendizado e, principalmente, de fluência digital que beneficia qualquer contexto, seja online ou presencial”, avalia Carla Arena, gerente da comunidade de líderes do Grupo de Educadores Google no Brasil e cofundadora do Amplifica, iniciativa que busca capacitar educadores para o uso de ferramentas digitais.

Carla vê a tecnologia como um portal, levando o mundo para a sala de aula ao mesmo tempo em que coloca a sala de aula no mundo. E mais: serve para dar voz aos alunos em meios que eles já orbitam. “As tecnologias também ajudam a tornar os processos visíveis, e, assim, os professores podem trabalhar as lacunas e diferenciar as aprendizagens”, diz.

A própria Base Nacional Comum Curricular (BNCC) contempla a utilização da tecnologia. Entre as dez competências gerais da Educação Básica está “compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de informação e comunicação de forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas práticas sociais (incluindo as escolares) para se comunicar, acessar e disseminar informações, produzir conhecimentos, resolver problemas e exercer protagonismo e autoria na vida pessoal e coletiva”.

Essa herança, porém, reafirmou o desafio de incorporar as ferramentas tecnológicas com intencionalidade pedagógica e equidade, para que favoreça as aprendizagens e beneficie todos os estudantes – devido à falta de conectividade e dispositivos, uma grande parcela dos alunos, sobretudo de escolas públicas, não teve acesso às aulas online.

Mudanças sem volta

No final de 2019, Linaldo de Oliveira, professor de Ciências da Natureza na EMEF Iraci Rodrigues de Farias Melo, em Mogeiro (PB), conta que ouviu um palestrante falar sobre a Educação do futuro. “Ele dizia que nessa Educação 4.0 nós iríamos inserir tecnologia na sala de aula. Só que a previsão era que isso acontecesse em três anos. Mas, poucos meses depois, estourou a pandemia, que fez a gente ser 4.0 à força”, lembra o professor, um dos vencedores do Prêmio Educador Nota 10 de 2022.

Para o professor, inúmeras ações que tiveram origem ou ganharam destaque no ensino remoto estão sendo hoje consolidadas, e é impossível pensar a sala de aula sem esses recursos. “De fato, a sala de aula pós-pandêmica não volta ao mesmo formato de antes.”

As experiências na EMEF Iraci Rodrigues de Farias Melo servem de exemplo. O docente conta que, tanto para ele quanto para os colegas, a utilização do Google Sala de Aula tornou-se rotina na volta às atividades presenciais. Segundo ele, a plataforma é muito útil para tarefas de casa que aprofundam o conhecimento adquirido em classe.

“Antes, eu ia dar aula de Ecologia, e meu aluno só tinha um livro didático para ver a foto de uma onça pintada. Agora, é possível ver imagens e vídeos do animal. A tecnologia permite usar o Maps, que possibilita que eu caminhe pelas áreas de preservação da caatinga e de outros biomas sem sair da sala de aula. Então, isso abre oportunidades para os professores diversificarem as aulas e um universo para o aluno”, complementa.

Para ele, a tecnologia permite que o estudante participe ativamente do processo de aprendizagem e tenha a oportunidade de fazer e experimentar mais durante as aulas, tornando-se mais crítico.

Foto: Fernanda Luz/NOVA ESCOLA

Comunicação ampliada e aulas mais dinâmicas

Em Praia Grande (SP), a professora Magda de Oliveira Almeida, que dá aulas de Língua Portuguesa para alunos do 6º ano da EM Governador Orestes Quércia, avalia que um dos maiores legados deixados pelo ensino remoto foi a ampliação dos canais de comunicação da unidade.

O grupo de WhatsApp e o site criado no início da pandemia continuam ativos, mas a professora e outros docentes criaram seus próprios sites e vêm utilizando-os para consolidar muitos aprendizados adquiridos no ensino remoto. “Eu e outros professores criamos sites referentes aos nossos conteúdos e deixamos os links na página da escola. Lá, trabalhamos individualmente nossas atividades. Então, eu acredito que a pandemia criou uma predisposição maior para uso dos recursos tecnológicos e o entendimento de que a educação continua para além dos portões [da escola] e se faz também a distância.”

Apaixonada por tecnologia, Magda utiliza diversas ferramentas digitais em suas aulas e lança mão do site nas atividades presenciais e também para tarefas dos alunos em casa. “Nesse site, eu concentro vídeos, imagens e recursos referentes às aulas. Se vamos fazer uma história em quadrinhos, eu já coloco lá um programa para eles criarem seus avatares e personagens para utilizarmos na criação dos quadrinhos digitais”, conta.

O site tem ainda atividades extras para reforçar o conteúdo, livros interativos e músicas. “Como a rede municipal da cidade disponibiliza wi-fi, os alunos que não têm acesso em casa podem acessar o site na escola, e, mesmo durante minhas aulas, eu reservo um tempo para isso. É uma forma de atender às várias realidades, já que não são todos os alunos que têm internet de boa qualidade ou aparelho disponível”, afirma a professora.

Magda também diz que a conectividade e os recursos digitais abriram a escola para o mundo. “Você consegue envolvê-los porque usa recursos diferenciados. Isso incita a participação, e a aula fica mais dinâmica.”

A professora Magda utiliza ferramentas digitais em suas aulas e lança mão do site nas atividades presenciais e também para tarefas dos alunos em casa. Foto: Fernanda Luz/NOVA ESCOLA

Como usar a tecnologia para criar trilhas de aprendizagem e engajar os alunos

Carla Arena, coordenadora do Grupo Educadores Google no Brasil e fundadora da Amplifica, dá algumas dicas

Cada vez mais tem se destacado a importância dos dados no processo de fazer o aluno trilhar um caminho de desenvolvimento. Uma forma simples e prática de o professor começar esse processo, segundo a especialista, é fazer avaliações diagnósticas e formativas no Google Formulários. 

Com isso, o professor pode analisar os resultados gerados na planilha para definir estratégias de remediação e recomposição da aprendizagem. O Formulários, além de gerar a planilha com todos os dados do aluno, traz também gráficos que auxiliam na visualização e na interpretação dos dados.

Com o Formulários, o professor também pode criar trilhas de aprendizagem personalizada. Dependendo da resposta do estudante, ele é direcionado para atividades com o intuito de reforçar os conteúdos com os quais têm mais dificuldade.

A tecnologia também pode tornar as aulas mais dinâmicas e divertidas, engajando os estudantes. Para isso, Carla sugere plataformas como Kahoot, Wordwall, Quizziz e Genially, que podem integrar as propostas dos professores com jogos e atividades interativas.

Objetivos claros e propósito para orientar atividades

As marcas das mudanças trazidas pelo ensino remoto também estão presentes no dia a dia de Paulo Roberto Magalhães, professor de Geografia na EMEF Duque de Caxias, em São Paulo (SP). Ele também é um dos vencedores da 24ª edição do Prêmio Educador Nota 10.

Assim como a maioria dos docentes, Paulo teve de desenvolver às pressas soluções para atender seus alunos durante as aulas remotas, readequando, com a ajuda da tecnologia, projetos que ele já realizava com as turmas. Com isso, o docente elaborou caminhadas virtuais com o Google Tour Creator e criou apresentações digitais em quadrinhos.

Se lá atrás ele precisou da ajuda dos próprios alunos e de horas durante a madrugada para encontrar e aprender sobre aplicativos para utilizar nas atividades, hoje a tecnologia foi incorporada de vez. Além das aulas de Geografia, Paulo passou a exercer a função de professor de Educação Digital na EMEF Duque de Caxias, após a experiência com as atividades remotas.

Ele conta que as aulas na sala de informática tornaram-se mais frequentes. E não só devido às suas atividades, mas pela utilização dos outros professores. “Depois da pandemia, a sala de informática foi democratizada. O que percebo também é que os alunos voltaram com dificuldades, e os professores me pedem muito conteúdo da área digital para diversificar as aulas e ajudar com essas questões.”

De acordo com Paulo, lousas digitais serão implantadas na unidade para estruturar melhor a utilização dos recursos tecnológicos. No entanto, o professor chama a atenção para o papel da tecnologia na rotina escolar. “A tecnologia não tira a importância do professor. O professor é fundamental. E, às vezes, é extremamente significativo que, com giz ou canetão, ele escreva na lousa porque é importante o aluno ver aquela imagem e entender que aquelas são as palavras do professor. A tecnologia veio para ajudar, mas tem o lugar dela.”

Para a educadora Carla Arena, a tecnologia pode ser uma aliada na recomposição de aprendizagens, mas a utilização das ferramentas digitais precisa ser orientada por objetivos pedagógicos e alinhada com a formação dos professores e as habilidades que os estudantes precisam desenvolver. “Outros aspectos a se considerar em relação às ferramentas são o nível de conectividade disponível e a maturidade digital dos alunos. Uma ferramenta com várias funcionalidades só será eficaz se estiver alinhada a boas estratégias pedagógicas e à sensibilidade quanto ao contexto educacional dos professores e alunos”, destaca.

Conectividade e acesso ainda são desafios a serem vencidos

Considerar, no entanto, que o ensino remoto trouxe um avanço no uso da tecnologia de forma uniforme para todas as salas de aula do país não corresponde à realidade. Entre redes, estados e municípios, houve diferenças enormes em relação a acesso, infraestrutura, conectividade e formação para o ensino digital – e essas questões continuam agora.

A pesquisa TIC Educação 2021 - Edição Covid-19, realizada pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br), mostrou um pouco desse cenário. Foram ouvidos professores dos ensinos Fundamental e Médio de escolas públicas e particulares, localizadas tanto em áreas urbanas quanto rurais do Brasil, entre setembro de 2021 e abril deste ano. Em um dos recortes, os pesquisadores quiseram saber o quanto determinados fatores dificultavam ou não o uso de tecnologia nas escolas. O número insuficiente de computadores por alunos, a baixa velocidade da internet e a ausência de formação específicas foram os principais aspectos assinalados pelos docentes entrevistados das redes municipais e estaduais.

Roberta Taffarello é professora de Educação Especial na rede municipal de Vinhedo (SP) e, desde 2019, atua com formação de professores em tecnologia. Ela conta que a rede implantou o Google Workspace em 2019, e, em 2020, com a chegada da pandemia, a plataforma foi essencial. “Mas enfrentamos o desafio do acesso, que ainda continua, pois muitos estudantes possuem acesso precário ou então não têm o dispositivo para uso”, afirma.

Outro desafio acontece nas próprias formações. Segundo Roberta, ela precisa ajudar alguns professores a vencer o receio que têm de usar a tecnologia. Às vezes, o professor fica receoso por achar que não faz parte do mundo dele e acaba não trabalhando isso com os estudantes. Porém, tento mostrar que essa pode ser uma grande oportunidade para todos aprenderem juntos.”

Capacitação docente e diferentes experiências e aprendizados

Regia Mabel Freitas, que cursa pós-doutorado em Educação, é mestre em Políticas Públicas e especialista em Novas Tecnologias da Comunicação e Informação na Educação, reforça que, apesar dos esforços, muitos docentes não tiveram uma formação geral para efetivamente repensar as trilhas de ensino e aprendizagem com o uso da tecnologia, e agora isso precisa ser levado em consideração. “Dessa forma, as aulas não mergulharam com propriedade no âmago da riqueza tecnológica e metodológica, pautando-se muitas vezes na velha educação bancária, já tão criticada desde Paulo Freire, mas dessa vez na esfera da virtualidade.”

Ela também ressalta que houve muita diferença na distribuição de aparatos e na garantia de estrutura pelas redes do país afora para que os professores organizassem suas aulas remotas, o que reflete também em experiências e aprendizados. Segundo ela, os desafios da Educação são muitos e, sozinha, a tecnologia não poderá fazer mágica. “Além de pensá-la com intencionalidade, é preciso investir na formação dos professores e em outras estratégias no processo de ensino-aprendizagem.” 

No entanto, ela reconhece que uma mudança positiva, trazida pelo uso da tecnologia, foi o estreitamento de laços entre profissionais da Educação. Para ela, as ferramentas digitais permitiram que as equipes de gestores, coordenadores e professores fossem mais sinérgicas do que antes. “Eis o maior legado da pandemia na rede pública. Exercitou-se a dialética com respeito até porque tivemos da criação do primeiro e-mail até a estreia de uma planilha do Excel. Afinal, a diversidade é imensa nos mais de 5.500 municípios brasileiros. Assim, a cada elaboração exitosa de um questionário do Google Forms, [tivemos] aplausos de admiração. Vimos festejos coletivos a cada vídeo gravado sem o ruído da vizinhança. Espero que essa cumplicidade no enfrentamento do porvir não se dilua”, finaliza.

Chips e Centro de Mídia permanecem em São Paulo

De acordo com a Secretaria de Educação, recursos tecnológicos continuam sendo utilizados

Muitas redes pelo Brasil investiram em infraestrutura durante o ensino remoto, o que pode ajudar agora no ensino presencial. A Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, por exemplo, informou à NOVA ESCOLA que segue distribuindo os mais de 750 mil chips adquiridos para professores e alunos no início do ensino remoto. 

O Centro de Mídias de São Paulo também foi integrado ao dia a dia, conforme a Secretaria. Além de transmitir as aulas, o Centro proporcionou troca com os alunos, formação para professores, seminários, debates e participação dos estudantes.

 

“Os professores têm a possibilidade de utilizar a tecnologia para gravar vídeos e explicações para complementar as aulas que são dadas em sala de aula presencialmente. Nos debates e seminários, os alunos podem discutir sobre programas da Secretaria, como Bolsa do Povo, Dignidade Íntima e Trilha Antirracista, que servem tanto para alunos quanto para professores e diretores como melhorias das práticas sociemocionais”, pontua a Secretaria em nota.

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