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Trabalho com competências socioemocionais precisa começar com desenvolvimento dos professores

É importante que a coordenação pedagógica promova formações sobre o tema, ajudando no trabalho dos professores com essas habilidades

POR:
Dimítria Coutinho
Foto: Getty Images

As dez competências gerais da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que orientam a Educação Básica brasileira, vão muito além de saberes cognitivos. Nelas, fica evidente a necessidade do desenvolvimento integral dos estudantes, contemplando também competências socioemocionais.

Investigadas desde os anos 1930, as competências socioemocionais têm diversas abordagens. Uma delas, conhecida como os cinco grande fatores, ou Big Five, surgiu nos anos 1980.

Ela divide essas habilidades em:

  • Abertura ao novo (curiosidade para aprender, imaginação criativa e interesse artístico);
  • Autogestão (determinação, organização, foco, persistência e responsabilidade);
  • Engajamento com os outros (iniciativa social, assertividade e entusiasmo);
  • Amabilidade (empatia, respeito e confiança);
  • Resiliência emocional (autoconfiança e tolerância ao estresse e à frustração).

Com a presença dessas habilidades socioemocionais nas competências gerais da BNCC, desenvolvê-las com os alunos passou a ser um processo mais intencional nas escolas brasileiras, adicionando essas aprendizagens ao currículo.

Mas, para trabalhar competências aparentemente abstratas, é necessário que os professores as conheçam na prática, afirma Cesar Nunes, pesquisador associado do Instituto de Estudos Avançados da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). “O docente precisa viver essas competências. A escola tem de ser um ambiente onde elas sejam bem utilizadas pelas pessoas. A maior formação que a gente pode levar para os alunos é o aprendizado por meio do exemplo.”

Convivência ética e democrática

Diante desse cenário, é essencial que os professores sejam formados a respeito do tema, e é aí que entra o papel da coordenação pedagógica e da gestão da escola, que devem oportunizar esses momentos.

Baixe sugestões para abordar a temática na formação continuada

Cesar comenta que o primeiro passo é tanto docentes quanto gestão compreenderem a complexidade do assunto. “Quando falamos em competências socioemocionais, é preciso levar em conta que elas estão interligadas. Há uma complexidade, e entendê-la pode ser o começo de um trabalho formativo.”

Para que os professores consigam viver na prática as competências socioemocionais para então abordá-las em sala de aula, é interessante que os docentes possam se analisar e desenvolver essas habilidades em si mesmos. “No entanto, também não se pode achar que só o senso comum dá conta”, alerta Cesar.

Como as competências socioemocionais fazem parte dos currículos escolares, o especialista orienta que elas sejam encaradas como qualquer outro objeto de conhecimento sobre o qual os professores precisam ler e se aprofundar. Esses estudos devem ser conduzidos de forma coletiva, promovendo o envolvimento de toda a escola com o tema.

“O mais importante é se formar e formar os alunos em prol de uma convivência ética, democrática e participativa. Então, não é ser utilitário desenvolvendo competências socioemocionais para que o estudante se dê bem ou conquiste coisas. Eu vou desenvolver essas habilidades porque a convivência fica melhor. E essa visão só vem quando se faz a formação em processos coletivos”, analisa.

Aprender primeiro, ensinar depois

Uma escola que desenvolveu formações reflexivas e práticas para os professores a respeito de competências socioemocionais foi a EE Professora Olga Benatti, em São Paulo (SP).

Em 2017, a então coordenadora pedagógica Márcia Guerrise, atual diretora da unidade, percebeu uma lacuna na formação dos docentes em relação a esse aspecto e correu atrás de parcerias para abordar o tema. Encontros pontuais aconteceram naquele ano e no seguinte, culminando em um trabalho contínuo de formação, realizado em 2019 com especialistas no assunto.

Os encontros envolveram processos de reflexão e dinâmicas – incluindo jogos e rodas de conversa – que promoveram o desenvolvimento das competências socioemocionais dos próprios docentes.

“No início, foi muito difícil o professor entender que primeiro ele precisa estar bem para depois cuidar do outro, perceber o outro e suas necessidades”, conta Márcia. A profissional salienta que foi necessário um processo de acolhimento para os professores que não se sentiam confortáveis em abordar determinados temas, mas que o resultado foi bastante positivo.

Nas formações, foi utilizado o conceito de homologia de processos, ou seja, a coordenadora promovia estratégias com os docentes que depois poderiam ser replicadas com os estudantes.

“Após cada proposta, o professor tinha como tarefa desenvolver algo parecido com os alunos, como um espelho. Isso permitiu que a gente promovesse uma série de vivências para os estudantes, começando por um espaço de escuta e de fala”, lembra Márcia. “O aluno é um ser integral, assim como o professor. A gente precisa estar atento a todos os aspectos que envolvem o outro.”

De acordo com a diretora, o processo formativo de 2019 tem reflexos positivos na escola até hoje. Professores e gestão ficaram mais fortalecidos como grupo, o que ajudou os profissionais a passarem por menos dificuldades no período de ensino remoto durante a pandemia de Covid-19.

Já em relação aos estudantes, Márcia diz que as competências socioemocionais continuam sendo trabalhadas na unidade, sobretudo nas disciplinas relacionadas a projeto de vida e protagonismo juvenil, já que a escola é de ensino integral.

O poder das parcerias

Cesar observa que esse tipo de formação, bem planejada e focada no desenvolvimento dos docentes quanto às competências socioemocionais, é ideal.

Ele sugere também que o tempo formativo seja usado para a discussão de situações hipotéticas ou reais dentro da própria escola, a fim de que as habilidades possam ser colocadas em prática. Além disso, a presença de especialistas ou de textos teóricos para guiar os encontros é bastante importante.

Márcia, que buscou parceiros para executar as formações, concorda. “A gente não dá conta de tudo. De repente, você vai fazer uma dinâmica achando que está tudo bem e dispara um gatilho em um profissional que não consegue acudir. Então é preciso estar preparado e fortalecido com as parcerias.”

Em Manaus (AM), na EM Professor Waldir Garcia, a gestão conta com o apoio de psicólogos e psiquiatras das Unidades Básicas de Saúde próximas para orientar os profissionais da escola a respeito do desenvolvimento de competências socioemocionais. A coordenadora pedagógica Amanda Freitas destaca que essas parcerias são muito importantes, mas reforça a necessidade de um trabalho constante da gestão da escola para promover momentos formativos.

Na Waldir Garcia, o tema é abordado com os docentes de forma contínua desde 2015. Uma das estratégias utilizadas são as rodas de conversa, que buscam promover o acolhimento dos profissionais e criar uma colaboração entre gestão e docentes.

“Nós trabalhamos com uma visão ampla de Educação. Então, o primeiro passo foi construir uma nova forma de pensar e promover mudanças atitudinais, considerando como trabalhar o ‘eu’ e como escutar melhor os nossos alunos e funcionários”, conta Amanda.

Nas formações, ela aborda temas como liderança, criatividade e bem-estar, sempre promovendo a troca entre pares. “Nós trabalhamos com as experiências uns dos outros, sempre professor falando com professor”. Além das formações, a escola promove conversas sobre temas socioemocionais em outros momentos, como os intervalos.

Segundo a coordenadora, a sala dos professores é sempre um ambiente acolhedor no qual os docentes e a gestão conversam sobre o assunto. “Não é sobre tornar a sala dos professores um divã, mas um espaço realmente de escuta, sem cobrança, sem discriminação e sem estar voltado apenas para parte cognitiva, e onde esse professor se sinta apoiado pela equipe gestora.”

Das rodas de conversa para a sala de aula

Além de conseguir ensinar essas habilidades, que podem ser abordadas em todos os componentes curriculares e das mais diversas formas, também é importante que o professor tenha intencionalidade pedagógica e saiba avaliar os progressos dos alunos. Cesar ressalta que só é possível avaliar se os alunos estão desenvolvendo essas habilidades por meio da prática.

“Do mesmo jeito que eu planejo uma atividade para aplicar um conhecimento de Física, por exemplo, eu posso planejar uma atividade para aplicar as competências socioemocionais. Mas, mais do que trabalhá-las como objeto de conhecimento e discuti-las com os alunos, é importante trazer situações concretas”, indica.

Por exemplo, o professor pode propor um trabalho em grupo e, intencionalmente, reunir estudantes que não são próximos ou amigos. E aí ele faz uma proposta de trabalho na qual é importante cada aluno ter a sua opinião, ou seja, cria uma situação em que as dificuldades de relacionamento vão aparecer. “Quando isso acontece, o professor pode fazer intervenções. Então você vê que esse trabalho, a situação e a intervenção foram planejados”, exemplifica o especialista.

Essa é uma forma de aplicar as competências socioemocionais na prática e, ao mesmo tempo, avaliar o desenvolvimento dos estudantes. Cesar defende que as próprias intervenções em atividades podem gerar processos reflexivos e de autoavaliação por parte dos alunos.

“Eu sou contra dar nota para competência socioemocional porque isso não colabora para o desenvolvimento. Quando a gente fala em avaliação formativa dentro da sala de aula, não tem nada a ver com nota, não é uma avaliação tradicional, é uma parada para refletir. Quando é feita uma boa avaliação formativa, isso vem embutido já no desenho da atividade que o professor vai fazer”, finaliza.

BNC de formação docente também inclui aspectos socioemocionais

Documento orienta ações em três aspectos: conhecimento, prática e engajamento profissionais

A Base Nacional Comum (BNC) para a formação inicial de professores da Educação Básica define as competências docentes a serem desenvolvidas pelos educadores em três esferas: conhecimento, prática e engajamento profissionais.

Simone André, especialista em Educação integral e desenvolvimento socioemocional, explica que a dimensão do conhecimento profissional inclui competências que vão desde o já esperado domínio de sua área de conhecimento e de como planejar o ensino, até expectativas que dificilmente são construídas com os docentes, como o conhecimento das singularidades de seus estudantes, de como eles aprendem e do contexto da escola.

“E, não menos importante, do conhecimento de si mesmos, de modo a protagonizarem seu desenvolvimento docente.”

Na dimensão das práticas profissionais, entre outras, estão as competências relacionadas ao aprimoramento do currículo, ao planejamento das áreas de conhecimento e do ensino em colaboração com os pares e ao compromisso com a aprendizagem de todos os estudantes. “E, indo além, propõe a autoavaliação dos docentes a partir da aprendizagem dos estudantes e, mais, o planejamento de seu próprio desenvolvimento profissional”, comenta a especialista. 

“Já na dimensão do engajamento profissional, em um claro chamado ao projeto de vida docente, os educadores são provocados a assumir compromissos com a profissão docente e com a cultura de altas expectativas acadêmicas para os estudantes e a construir laços de pertencimento, colaboração e aprendizagem com alunos, famílias e comunidades”, completa.

Ela lembra ainda da importância de construir com os educadores as dez competências gerais da BNCC, em homologia de processos, “para que os educadores construam na prática as mesmas competências que precisam desenvolver com os estudantes”, orienta. 

Consultoria pedagógica: Simone André, especialista em Educação integral e desenvolvimento socioemocional.

 

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