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Grupo do Brasil na Copa: como falar dos países em Geografia e História

Educadores apontam o potencial do mundial para engajar os estudantes e sugerem abordagens com foco nos países com os quais o Brasil vai jogar

POR:
Jonas Carvalho
Foto: Getty Images

O grupo do Brasil na Copa do Mundo de 2022 é uma grande oportunidade para professores de Geografia, História e outros componentes curriculares marcarem um golaço na abordagem de temas diversos e no desenvolvimento de competências e habilidades previstas na Base Nacional Comum Curricular (BNCC). A paixão dos brasileiros por futebol e a mobilização que o evento provoca podem favorecer o engajamento e, consequentemente, a aprendizagem dos estudantes.

Em consonância com um dos objetivos da Base nos Anos Finais do Ensino Fundamental em Geografia, que é estimular novas formas de ler o mundo por meio do pensamento espacial e do raciocínio geográfico, o educador pode traçar paralelos e fazer correlações. “A Copa é um dos maiores eventos de entretenimento do mundo, que influencia as culturas do planeta e permite estabelecer relações sociopolíticas, econômicas e culturais”, afirma André Ramos de Magalhães Barbalho, professor de Geografia dos Anos Finais do Ensino Fundamental na EE Professora Maria Petronila Limeira dos Milagres Monteiro, em São Paulo (SP).

Já em História, a ideia é permitir aos alunos relacionar o passado com o presente e ter uma visão crítica de fatos históricos. “Sou a favor de usar qualquer assunto do presente para as aulas. E esse presente pode ser um evento de agora, como a Copa do Mundo”, exemplifica João Carlos De Melo Silva, professor de História dos Anos Finais do Ensino Fundamental na EM Dom Joaquim de Almeida e na EM Luís de França, ambas em São Gonçalo do Amarante (RN).

“A BNCC é ampla e espera que o aluno tenha habilidades para compreender conceitos como nação, estado, território, linguagem, cultura e modernidade. Quando falamos de futebol, em especial de Copa do Mundo, tudo isso emerge”, complementa o docente.

Por que levar o futebol para a sala de aula

A Copa do Mundo pode ser uma porta de entrada interessante e criativa para pensar questões do mundo contemporâneo. Diana Mendes Machado da Silva, mestre em História e autora de materiais didáticos nas áreas de direitos humanos, cidadania e diversidade, lembra que o futebol ocupa, desde sua chegada ao Brasil, no final do século 19, uma posição especial do ponto de vista cultural e geopolítico. “Temos de imaginar que o Brasil é um país enorme e que, por essa razão, temos uma série de ‘micropaíses’ e grupos culturais. Foi preciso usar algumas linguagens para a ideia de identidade nacional existir, e o futebol faz parte disso. O esporte foi um dos elementos que ajudou o Brasil a alinhar uma ideia de nação.”

Vale perceber, de acordo com a autora, que grandes eventos esportivos, como a Copa do Mundo e as Olimpíadas, constituem momentos em que os países e povos podem reafirmar seus discursos identitários e o sentimento de nacionalidade. “São eventos interculturais privilegiados para que se possa reafirmar também o respeito entre nações e culturas”, destaca.

“O futebol é uma expressão da modernidade humana, ele expressa território, sentimento de identidade, nação”, acrescenta João Carlos. Diante da magnitude do evento esportivo, vai ser difícil para o professor competir com o assunto. Isso reforça a perspectiva de enxergar a ocasião não como distração, mas sim como uma oportunidade para abordar temas diversos em Geografia, História e outras disciplinas.

Oportunidades de aprendizagem com o grupo do Brasil na Copa do Mundo

A seleção brasileira masculina de futebol está no Grupo G da Copa do Catar, ao lado das equipes de Camarões, Sérvia e Suíça. Todos os países podem ser tratados em sala de aula, até porque existe uma falta de informações sobre essas localidades na mídia brasileira.

“O Brasil caiu em um grupo de países dos quais não temos muitas notícias, mas isso oportuniza conhecer e entender mais sobre eles”, acredita Diana. “A curiosidade e o estranhamento são elementos mobilizadores para a construção de saberes e conhecimentos.”

Uma sugestão de atividade é a criação de miniprojetos ou sequências didáticas voltadas ao estudo dessas nações nos séculos 19 e 20. “Quando você se debruça sobre a história desses países, você está pensando sobre a geopolítica mundial nos últimos dois séculos”, diz.

A especialista entende que abordar as trocas culturais entre os países e realizar comparativos é uma das possibilidades de utilizar as seleções do grupo do Brasil no Mundial para construir respostas a perguntas como:

  • Quais as semelhanças e diferenças entre o Brasil e as demais nações?
  • Qual é a história da formação de cada país?
  • Qual o peso dessas nações em seus continentes e no mundo?
  • Qual é o impacto do futebol na identidade nacional dos países?

Renata Del Monaco, professora de Geografia e formadora de docentes, lembra que é possível usar o álbum de figurinhas da Copa como instrumento de ensino. “Podemos observar os jogadores, suas características físicas, os brasões nas camisas e outros detalhes e, a partir disso, realizar pesquisas sobre os países.”

Detalhes dos jogadores presentes nas figurinhas do álbum da Copa do Mundo permitem falar sobre os países. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

Outra possibilidade, segundo a formadora, é realizar trabalhos em grupo, em que cada um pesquisa sobre um país. O objetivo é apresentar que tipo de notícia dessas nações chega aqui, o que a imprensa fala de cada lugar e as relações desses países com o Brasil.

No mapa-múndi abaixo, você pode visualizar os países e os confrontos entre suas seleções no Mundial de Futebol.

Confira também, no infográfico, dados sobre cada nação e possibilidades de assuntos para abordar durante as aulas.

Acesse o infográfico

A seguir, a NOVA ESCOLA elencou as oportunidades que cada país do grupo G da Copa do Mundo, além do país-sede, o Catar, traz para o ensino e a aprendizagem de temas de Geografia e História, na opinião dos entrevistados.

Brasil

Segundo Diana, uma sugestão de atividade é pesquisar como o futebol chegou ao país. A autora lembra que a modalidade já estava se espalhando pelo Brasil e pelo mundo no final do século 19, graças a marinheiros e operários do Reino Unido que disseminaram o “esporte bretão”.

Essa informação difere, por exemplo, da narrativa que indica o brasileiro de origem britânica Charles Miller (1874-1953) como o responsável por trazer o futebol ao país. “Isso permite explicar a geopolítica não apenas pelas relações políticas, mas também esportivas”, comenta a especialista.

João Carlos ressalta as inúmeras comparações que podem ser feitas entre o Brasil e os demais países do grupo com o objetivo de estimular o debate e o aprendizado. “É possível comparar âmbitos culturais, socioeconômicos, esportivos, índices de desenvolvimento etc. Dá para comparar também como é o país esportivamente e mostrar outras modalidades em que as nações se destacam.”

Camarões

Desde o século 5 d.C., o território foi ocupado por reinos e estados importantes, como o estado de Bamum. Posteriormente, já no início do século 20, o país foi dividido entre a Grã-Bretanha e a França, sendo que a independência ocorreu apenas em meados de 1960. Em 1972, uma nova constituição entrou em vigor e deu origem à República Unida dos Camarões, que conta com o mesmo presidente, Paul Biya, desde 1982.

De acordo com o professor João Carlos, Camarões é um país que sempre se sobressaiu no futebol. A nação conquistou a medalha de ouro na modalidade nos Jogos Olímpicos de Sydney, em 2000, e o camaronês Samuel Eto’o venceu três vezes a Liga dos Campeões da Europa, principal torneio do continente (o atacante brasileiro Neymar, por exemplo, venceu a competição uma única vez).

Para o docente, a presença camaronesa é importante para discutir em sala de aula os estereótipos relacionados aos jogadores africanos. “É comum, nas transmissões das partidas, ouvir que jogadores africanos são muito rápidos e têm força física. Por outro lado, tem o jogador europeu, considerado inteligente, calmo e calculista. Esses são estereótipos racistas veiculados em época de Copa”, afirma o docente. Segundo ele, isso pode ser uma oportunidade para os professores discutirem temas como racismo e preconceito.

O professor André Barbalho acredita que Camarões também traz a possibilidade de apresentar a partilha da África aos alunos. “Posso mostrar o mapa africano, indicar algumas linhas retas de separação de países e explicar que não são limites naturais. Posso dar o contexto de que as potências europeias dividiram esses territórios africanos para extrair riquezas”, detalha.

Sérvia

O território da Sérvia fez parte de impérios como o Bizantino, o Otomano e o Austro-Húngaro. Em 1918, foi formada uma federação com Croácia e Eslovênia que deu origem à Iugoslávia, constituída de fato a partir de 1929. A morte do então presidente Josip Broz Tito, em 1980, marcou o início de uma série de conflitos nos anos seguintes que provocaram milhares de mortes e deslocamentos em massa. Também houve a separação de territórios como Eslovênia, Croácia, Bósnia-Herzegovina, Macedônia e Montenegro, que se tornaram países independentes.

Nesse contexto, pode ser destacado o papel relevante do país para o início da Primeira Guerra Mundial (1914-1918). “A Mão Negra [organização sérvia] foi acusada de ser uma célula que atuou no assassinanto do arquiduque Francisco Ferdinando [herdeiro do Império Austro-Húngaro]”, lembra o professor André.

Os conflitos no leste europeu que envolvem a Sérvia a partir dos anos 1980, a desagregação da Iugoslávia e o surgimento de novos países também podem ser usados em sala de aula e relacionados com a Copa, como explica João Carlos. “Recomendaria dar uma olhada na lista de jogadores e pesquisar suas origens. Esses atletas podem ter nascido em países que, no tempo dos pais e avós deles, eram outros”, sugere o professor.

Suíça

A região da Suíça foi parte do Império Romano e, em 1291, foi criada a Confederação Suíça, formada por comunidades rurais. Em 1848, constituiu-se o estado federal suiço, a partir da elaboração de uma nova constituição.

O fato de a nação sediar uma série de instituições financeiras, assim como entidades globais (como a Organização Mundial da Saúde e a Organização Mundial do Comércio), pode suscitar discussões. “O país tem um aspecto de neutralidade política, abriga grandes bancos há muito tempo e sedia diversas instituições de cunho internacional, inclusive a própria Fifa [Federação Internacional de Futebol, entidade responsável pela organização da Copa do Mundo]”, aponta Diana Mendes.

A Suíça também está ligada a um episódio que, na opinião de João Carlos, exemplifica a importância da contextualização para o ensino de História, como reforça a BNCC: na Copa de 2018, um confronto entre Sérvia e Suíça foi marcado por comemorações de jogadores da seleção suíça que fizeram referências ao estado de Kosovo, envolvido em disputas geopolíticas com o estado sérvio.

“Até para entender a comemoração que um jogador faz você precisa compreender o contexto. Shaqiri [Xherdan Shaqiri, um dos jogadores da Suíça envolvidos no episódio de 2018] tem origem kosovar”, recorda o professor. A Fifa multou o atleta e também Granit Xhaka, autores dos gols suíços na vitória sobre a Sérvia por dois a um naquela edição do evento. Ambos os jogadores vão disputar o mundial de 2022.

Catar (país-sede)

O país foi ocupado por nômades beduínos e pescadores até o século 18, época em que começaram movimentos migratórios a partir do Kuwait. Governado por xeques nesse período, a região tornou-se um protetorado da Grã-Bretanha a partir do final do século 19. Desde então, a dinastia Al Thani governa o país, que se tornou independente oficialmente dos britânicos em 1971.

Abordar o Catar é uma oportunidade de mostrar a nação e o Oriente Médio para além dos camelos, desertos, músicas regionais e outros estereótipos árabes, aponta o professor João Carlos.

O papel geopolítico do país é um bom tema para ser tratado, na opinião do educador. “Apesar da islamofobia divulgada durante anos na mídia ocidental por causa das guerras travadas na região, um país que é mais alinhado geopolítica e economicamente com o Ocidente ganha a oportunidade de limpar a sua imagem, algo que jamais aconteceria com Iraque, Irã ou Afeganistão, por exemplo.”

O professor também chama a atenção para assuntos relacionados aos direitos das mulheres, LGBTfobia e cultura islâmica como possíveis temas de estudo nas aulas. “Pode-se fazer um debate com os alunos e levantar pontos contra ou a favor da realização da Copa no Catar. Não necessariamente para se chegar a uma resposta, mas para o aluno aprender a debater e usar argumentos e fatos”, salienta.

Outra possibilidade, segundo Renata Del Monaco, é questionar os estudantes sobre a alteração na data do evento esportivo. “A Copa do Mundo costumava ocorrer em meados de junho e julho. Os professores podem perguntar aos alunos por que, em 2022, o evento será em novembro e, a partir disso, estimular os estudantes a pesquisar aspectos do clima, da geografia e das estações do ano. Ainda é possível pensar em outros eventos que tiveram suas datas alteradas e por quais motivos”, sugere a especialista.

Cuidados ao abordar a Copa do Mundo

Ao tratar da Copa do Mundo, é fundamental incluir discussões de gênero, já que o esporte ainda pode ser considerado exclusivamente masculino pelo senso comum. Como aponta Diana Mendes, a Copa é a chance de “engajar meninas que gostam de futebol e também aquelas que se interessam pelas histórias de mulheres no esporte, ou pensar nas relações de gênero, no Brasil e mundo afora”.

Usar o evento como gancho para discutir assuntos relacionados a ele também pode funcionar para envolver aqueles estudantes que não são torcedores nem têm interesse por esportes, como explica o professor João Carlos.

“A escola também é um lugar para os alunos conhecerem coisas novas. Então, para quem não gosta de futebol, pode ser uma chance de entender a relevância social do esporte e ter um encontro com uma perspectiva que não tinha antes: que o futebol mobiliza paixões porque é um simulacro das efervescências nacionais e modernas”, opina.

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