Ano novo, PPP novo: como e por que atualizá-lo
Revisar coletivamente o Projeto Político Pedagógico permite refletir sobre os aprendizados do passado e as metas futuras da escola, dando tom e embasamento ao tempo presente
POR: Beatriz VichessiPassa o tempo, a vida muda. O mesmo vale para a escola: com a virada do ano, novidades surgem. Novos alunos, novos desafios, metas mais ambiciosas, ações antigas que precisam ser revistas. Se a escola falasse, ela daria voz a tudo isso. Cabe à gestão se organizar para fazê-la falar, por escrito, deixando o Projeto Político Pedagógico (PPP) sempre atual, organizado e vivo.
O documento é tido como bússola orientadora, carta magna, raio X da instituição. Alguns educadores chegam a dizer que o PPP precisa estar sempre à mão dos gestores, para que tudo o que for pensado e colocado em prática esteja alinhado com o que diz o documento – ou provoque melhorias nele. Outros especialistas vão mais além, defendendo que trechos sejam exibidos nas paredes da escola, para que todos se apropriem dele no dia a dia.
O fato é que existem muitos lugares possíveis para o documento ficar. Ele só não pode ficar na gaveta ou esquecido em um arquivo do computador – ainda mais no início do ano, quando todas as escolas estão imersas em pensar o novo período letivo que se inicia. É hora de revitalizar o texto, rever o que foi escrito no ano anterior à luz da análise dos dados de avaliação, além de traçar um plano de ação.
“No momento em que estamos, no qual a recomposição das aprendizagens é o que precisa acontecer, se faz ainda mais necessário atualizá-lo, refletindo sobre a frequência dos estudantes no ano anterior e as aprendizagens conquistadas. Assim, é possível pensar em um plano para melhorar a assiduidade, por exemplo”, fala Sonia Guaraldo, coordenadora de implementação no Instituto Gesto.
PPP, um documento único e intransferível
Atualizar o Projeto Político Pedagógico da escola não pode significar fazer uma releitura do currículo municipal ou estadual. Esses textos devem ser consultados para nortear algumas partes, mas não copiados. Outra inconsistência é se apropriar de trechos de projetos de outras escolas.
A riqueza do PPP está justamente no fato de tratar do que é específico da escola. Buscar modelos para inspiração é interessante, mas eles não podem tomar o espaço da escrita autônoma. Outra boa ideia é pesquisar se a Secretaria de Educação local oferece cursos de formação sobre PPP para conhecer possibilidades de organização do processo e até mesmo de escrita, conhecer a bibliografia sobre o tema e trocar ideias e experiências com outros cursistas.
Como orientar a revitalização do PPP
Mas se a atualização do PPP for encarada como uma tarefa burocrática, cumprida apenas pela gestão da escola, sua função perde sentido. Por princípio, ele é um documento participativo que deve provocar debates e reflexões e gerar mudanças. Por isso, criar comitês com representantes dos diversos públicos – funcionários, educadores, alunos e familiares – para que se reúnam e pensem em questões previamente levantadas ajuda a organizar o processo e ampliar o olhar.
Esse trabalho, no entanto, requer investimento em tempo e entendimento de que revitalizar o PPP não acontece de um dia para o outro. Sonia explica que é normal levar meses para finalizar a revitalização – e tudo bem. “Enquanto a nova versão não é concluída, traça-se um plano de ação provisório para que algumas realizações já possam ser colocadas em prática”, diz.
Camila Fattori, coordenadora pedagógica na Comunidade Educativa CEDAC, elenca algumas perguntas que ajudam a organizar a revisão do texto: o que precisa ser mantido e fortalecido? O que não faz mais sentido e precisa ser retirado? O que precisa ser mantido, mas com algumas modificações? E o que precisa ser implementado?
Aléssio da Costa Oliveira, diretor da Unidade Integrada Manoel Campos Sousa, em Bom Jesus das Selvas (MA), tem essa sequência de questões em mente quando coordena os educadores e os funcionários na revisão do Projeto Político Pedagógico. O simples fato de ter alcançado conquistas no ano passado, diz, faz a atualização do PPP e do plano de ação necessárias.
Ele organiza o estudo do documento destacando a importância de olhar para questões estruturais da escola para garantir qualidade e conforto à comunidade, de discutir os objetivos de aprendizagem alcançados – quais estratégias deram certo e quais não foram bem sucedidas – e de fazer o diagnóstico do corpo discente principalmente para entender o perfil dos novos alunos.
Mesmo depois de pronto, o PPP da Manoel Campos Sousa é encarado como um documento vivo e flexível, aberto a mudanças. “Bimestralmente, fazemos uma avaliação do plano de ações. Nem tudo o que pensamos, por exemplo, se mostra viável”, conta Aléssio. Assim, ao longo do ano, são realizadas reuniões com familiares para apresentação de resultados e de novos projetos, que podem contribuir com melhorias no texto.
Por mais flexível que o PPP seja, também é interessante, durante os momentos de revisão, propor reflexões justamente a respeito do que a escola não abre mão – por exemplo, quais são os valores inegociáveis da comunidade escolar e o que é feito para garanti-los.
Participação de todos, até dos pequenos
Na EM João Martins Cardoso, em Moju (PA), a equipe pedagógica vai trabalhar com a comunidade local para revisão do texto de olho em dois grandes temas: o direito de brincar das crianças e a sustentabilidade amazônica. A diretora Ádila Pantoja conta que em 2023 a unidade atenderá exclusivamente turmas da Educação Infantil e que isso, por si só, já faz com que o PPP do ano passado precise ser revisto.
“Depois de ouvir os familiares e convidados da sociedade civil, reuniremos a equipe técnica para redigir o material coletivamente, considerando tudo o que foi debatido até então”, conta a diretora. Depois de pronto, o documento será apresentado para a comunidade escolar e encaminhado para o Conselho Municipal de Educação e para a Secretaria Municipal de Educação, para que seja apreciado por atores externos, que podem sugerir melhorias.
Nesse processo, as crianças – e mesmo os bebês – não deixam de ser contemplados. “Na volta às aulas, as educadoras são orientadas a observar as preferências, o que chama a atenção dos bebês, como se relacionam. E quem está na pré-escola é convidado a falar, por meio de atividades diversas, sobre a família, sobre si mesmo e sobre o que espera da escola. Tudo na linguagem deles, de forma lúdica”, diz Ádila.
Cada detalhe conta, inclusive os momentos de alimentação. A diretora diz que faz diferença saber o que as crianças preferem comer no café da manhã: pão ou pupunha? A escolha da maioria, somada a outras, vai revelando a identidade amazônica do grupo, a cultura das famílias etc. Esse fazer norteia a atualização do PPP ao carregar consigo a riqueza de se conhecer de perto cada um dos pequenos e, de quebra, seus familiares. “Os pequenos matriculados no ano passado eram outros, com demandas próprias. O grupo que chega agora traz consigo outra história a ser escrita”, diz Ádila.
Evidentemente, conforme crescem, as crianças e os adolescentes vão tendo mais ciência sobre a importância de ter voz ativa. “Muitos podem pensar que, quando se abre espaço para os alunos, eles vão pedir coisas impossíveis, caras, que vão querer só brincar. Mas se surpreendem quando as demandas têm a ver com a qualidade da escola e pedidos de atividades e aulas mais interessantes e até mesmo mais respeito em sala de aula por parte dos professores”, diz Camila, da CEDAC.
É fazendo valer o direito de toda a comunidade de pensar sobre o futuro da escola que o PPP ganha vida e roupa nova, ano após ano. Quando dá espaço para os alunos falarem, então, ele habita os corredores no dia a dia, misturando-se ao cotidiano dos alunos. “O PPP é o documento que precisa nos ajudar a fazer com que os alunos compreendam, no presente e no futuro, o que a escola significou para eles”, diz Ádila.
Momentos estratégicos para consultar o PPP revitalizado
O gestor escolar é o grande curador do documento e deve lançar mão dele sempre que possível. Confira quatro momentos para usá-lo ao longo do ano de forma proveitosa, de acordo com Sonia Guaraldo, coordenadora de implementação no Instituto Gesto, e Camila Fattori, coordenadora pedagógica na Comunidade Educativa CEDAC:
- Reuniões de formação docente, para criar momentos de tomada de consciência e reflexões conjuntas sobre o que foi planejado e o que está sendo realizado na escola;
- Reuniões com familiares, para reforçar o papel da escola, seus compromissos e expectativas junto à comunidade;
- Assembleias de alunos, para analisar coletivamente o plano de ações em relação às demandas apresentadas por eles;
- Transição de gestão. Quando o diretor ou coordenador pedagógico é substituído, quem fica encontra no PPP um documento seguro para apresentar a escola e o que precisa ser feito, conforme combinado com a comunidade.
Esta reportagem faz parte do Especial Início do Ano Letivo. Confira aqui os demais conteúdos.
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