Investigação científica é essencial em todas as etapas de ensino
Aprender a pesquisar, com a mediação do professor, ajuda a formar cidadãos críticos, autônomos e criativos
POR: Bruno MazzocoO processo de ensino e aprendizagem não passa somente pelo domínio de assuntos e conteúdos. Ele é, sobretudo, a construção de competências e habilidades que vão ser utilizadas ao longo da vida – como a capacidade de refletir a respeito de uma situação-problema e buscar formas de solucioná-la. De acordo com essa perspectiva, a investigação científica e as atividades de pesquisa têm o potencial de cumprir esse objetivo e podem ser exploradas em diferentes componentes curriculares durante toda a trajetória escolar.
Aprender a pesquisar é uma habilidade que acompanha o aluno e o auxilia a desenvolver muitas outras habilidades. Pedro Demo, professor emérito do Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília (UnB), destaca que a pesquisa pode ser desenvolvida desde a Educação Infantil. “Os estudos de [Jean] Piaget mostram que crianças de quatro anos já formulam perguntas”, explica. “A criança aprende porque inventa um esquema mental que abarca o mundo que ela conhece. Depois, o mundo passa a não caber mais no esquema, e ela tem de desconstruí-lo e construir um novo, que volte a abarcá-lo.”
Para Cristiele Borges, professora de Educação Infantil na EMEI Professora Zozina Soares de Oliveira, em Novo Hamburgo (RS), algumas práticas ajudam a promover o protagonismo desde cedo e requerem um olhar também investigativo por parte do educador. “Não dar as respostas, mas ajudá-las na busca de resoluções, fazer boas perguntas, ouvir as crianças, investigar a partir da realidade delas e do cotidiano”, elenca. “Entender que o processo importa mais que o resultado final.”
Letramento científico
Em seu texto introdutório sobre o trabalho na área de Ciências da Natureza, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) estabelece o letramento científico como uma de suas principais metas ao longo do Ensino Fundamental. Ele “envolve a capacidade de compreender e interpretar o mundo (natural, social e tecnológico), mas também de transformá-lo com base nos aportes teóricos e processuais das ciências”, diz o texto.
“A base para a formação científica é desenvolver o olhar crítico e construir soluções para os problemas, de modo que os alunos possam ser ativos socialmente dentro de sua realidade”, sintetiza o professor de Ciências Linaldo de Oliveira, que atua na EMEF Iraci Rodrigues de Faria Melo, em Mogeiro (PB).
Investigação científica e recomposição de aprendizagens
Com a retomada das atividades presenciais de forma contínua a partir de 2022, depois da fase mais aguda da pandemia de Covid 19, a pesquisa passou a cumprir um importante papel como um instrumento de recomposição de aprendizagens. Linaldo conta que, nesse período, a investigação teve grande importância, tanto para realizar diagnósticos com a turma como para ajudar a engajar novamente os alunos nos estudos.
A partir de entrevistas com estudantes e professores, levantou-se os assuntos nos quais os alunos tinham mais defasagens nos diferentes anos. Com as respostas em mãos, Linaldo desenvolveu, junto com as turmas do 9º ano, um aplicativo para auxiliar nas atividades de recomposição. Usando o formato de um quiz, a ferramenta traz perguntas sobre Matemática, Língua Portuguesa, História, Geografia e Ciências, organizadas de acordo com os currículos do 6º ao 9º ano.
Para estimular ainda mais o interesse da turma, as questões partiam de temas ligados às séries preferidas da garotada. Com isso, os alunos aprenderam as Leis de Mendell tendo como pano de fundo as diferenças sanguíneas entre os bruxos da saga Harry Potter. Em outra atividade, traçaram paralelos entre a ditadura militar no Brasil e o enredo da série Jogos Vorazes. Todo o processo de construção do aplicativo seguiu o método investigativo. “O aluno que tem a capacidade de observar, pensar e resolver problemas sabe como buscar conhecimentos que atendam às suas necessidades”, observa Linaldo.
As etapas de uma pesquisa
Para poder ensinar os estudantes a pesquisar de maneira autônoma, o professor precisa, antes de tudo, ser um pesquisador e um investigador de sua própria prática. Então, é fundamental que ele domine o processo do fazer científico. “Tudo começa com o diagnóstico”, diz a professora Cristiele, que ressalta a importância de articular os interesses da turma com o currículo para decidir qual assunto será estudado.
Para Sheila Cristina Frazão, bibliotecária da Universidade Federal de Goiás (UFG) e mestra em Educação com dissertação sobre pesquisa escolar, a definição do tema a ser trabalhado é fundamental para o sucesso da empreitada. “Se o professor conseguir inserir temáticas interessantes, a atividade vai fazer sentido para os alunos. Além do conhecimento acadêmico, com assuntos do dia a dia, o estudante vai compreender melhor temas da vida”, salienta.
Depois de escolhido o tema, é o momento de socializar os conhecimentos que a turma já tem sobre o assunto. Isso é importante para que todos fiquem “na mesma página”. Uma aula expositiva ou a leitura de textos e outros materiais previamente selecionados cumprem bem a função. Linaldo acrescenta que essa também é a hora de explicar o que é o método científico e como ele é utilizado para a construção do conhecimento.
Com isso, a ideia é que os alunos vivenciem todo o percurso científico de forma significativa, que passa pela formulação de perguntas ou hipóteses e o levantamento bibliográfico e de outros materiais que tratam do assunto. Também fazem parte do processo a coleta de dados e informações, discussões e a divulgação dos resultados.
Como verificar se uma fonte de pesquisa na internet é confiável?
Especialistas sugerem caminhos; data e autoria são alguns dos indicativos
Uma questão importante na hora de pesquisar diz respeito à seleção das informações. É preciso ensinar os estudantes a diferenciar fontes confiáveis de potenciais disseminadores de notícias falsas.
Para o professor Pedro Demo, da UnB, a comparação entre uma informação falsa e uma verdadeira pode ser um bom caminho. “Qual é a diferença? A gente nunca vai ter certeza total, mas podemos ter uma discussão sobre as características do que pode ser considerado verídico e o que é falso.”
A bibliotecária e pesquisadora da UFG Sheila Frazão diz que existem alguns critérios que podem nortear a escolha de fontes na internet. Por exemplo, se há um responsável pelo conteúdo do site ou da plataforma, com o nome publicado na página, e se os textos são datados. E se é possível se comunicar com a pessoa ou a instituição responsável pela divulgação das informações. “Tudo isso vai dando um pouco mais de credibilidade”, afirma.
Além disso, publicações dedicadas à divulgação científica para crianças e adolescentes podem ser uma boa alternativa para começar a familiarizar os alunos com um discurso mais acadêmico. De todo modo, cabe ao professor, sobretudo nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, ensinar os alunos a selecionar sites e publicações, comparar informações de diferentes fontes e evidenciar os critérios que fazem uma fonte ser mais confiável que outra.
Alunos no centro da aprendizagem
Na condução dessa jornada científica, é importante que o professor atue como um mediador e orientador da pesquisa, de modo a reforçar o protagonismo dos alunos. Para isso, o trabalho em grupo pode ser um importante aliado. “O protagonismo pode ser favorecido a partir da identificação das habilidades de cada um. Um sabe desenhar melhor, outro tem mais desenvoltura com as tecnologias ou consegue articular bem as ideias em um texto. Todas essas habilidades se complementam no trabalho em grupo”, considera Cristiele.
Linaldo reforça que o pensamento científico pode ser trabalhado em qualquer disciplina e segmento da Educação Básica, desde que observadas as necessidades e possibilidades dos alunos em cada momento.
“Na Educação Infantil, é o momento de reconhecer o livro e outras fontes que podem ser utilizadas. No Ensino Fundamental, as questões de hipótese e método podem ser aprofundadas um pouco mais. No Ensino Médio, o aluno já consegue trabalhar de forma mais estruturada”, comenta Sheila. “O ponto principal é que a pesquisa aprofunda a ideia de formação de um sujeito autônomo, que pode começar já no início da escolarização”, completa Pedro Demo, da UnB.
Sala de aula como laboratório da investigação científica
No início de cada ano letivo, uma prática comum da professora Cristiele com sua turma de Educação Infantil é reservar alguns momentos do dia para observar as preferências das crianças em relação às estações de brincadeiras que ela disponibiliza em sala.
Ao começar esse trabalho em 2022, ela percebeu um interesse especial dos pequenos pelo “cantinho das construções”. Nele, as crianças podiam criar diferentes objetos a partir de materiais não estruturados oferecidos pela docente. “No geral, eles montavam casinhas com madeira, pedaços de tronco de árvore, argila e palitos”, conta. Estava aí o tema a ser investigado com os pequenos.
Ao longo do ano, a professora explorou o assunto por meio de “excursões virtuais” com a ajuda do Google Maps, para que todos conhecessem a casa dos colegas. Também trabalhou desenhos e produção de maquetes representando as habitações e abordou outros temas de interesse da turma. No final do ano, as produções foram expostas para as famílias, que puderam produzir outras esculturas com as crianças.
Educação Física e construção do conhecimento
Em Bauru (SP), a professora de Educação Física Suzi Dornelas também valoriza atividades de pesquisa. Ela costuma decidir coletivamente com a turma o projeto a ser desenvolvido ao longo do ano. Em 2022, o tema escolhido por uma das turmas dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental foi a cultura indígena. “A ideia era mostrar a diversidade dos povos indígenas evidenciando que não são todos iguais”, lembra.
No decorrer das atividades, os alunos entraram em contato com os costumes de diferentes povos por meio da literatura infantojuvenil, de vídeos e de textos. Depois, engajaram-se na pesquisa de brincadeiras, danças, comidas, pinturas corporais e outros aspectos culturais das etnias estudadas. Para isso, pesquisaram em sites indicados pela professora, como o Povos indígenas no Brasil, do Instituto Socioambiental, e os livros sobre o tema disponíveis na biblioteca da escola. Tudo isso culminou na realização de uma visita à aldeia do povo Terena, no município vizinho de Avaí (SP), e em um festival na escola. Na ocasião, um professor indígena foi conhecer a produção dos alunos sobre a cultura de seu povo.
“Muitas pessoas acham que Educação Física se resume à prática de esportes em uma quadra. Eu acredito que ela pode ir muito além disso. É muito potente quando eles se encontram nessa posição de construtores do conhecimento”, conclui Suzi.
Desenvolvendo o olhar científico
Confira oito dicas para começar a trabalhar com pesquisa em sala de aula
1. Realize pesquisas coletivamente, utilizando um projetor e tendo o professor como exemplo de como realizar essas investigações;
2. Utilize os laboratórios de informática da escola (se houver) para potencializar a pesquisa em pequenos grupos;
3. Disponibilize textos impressos (especificando as fontes) para que os estudantes complementem as pesquisas;
4. Considere que, se a turma tiver celulares que possam ser usados na escola, este pode ser um recurso de pesquisa;
5. Leve os interesses da turma em consideração no momento de escolher os temas;
6. Olhe para questões sociais do entorno da escola que impactam a vida dos estudantes e suas famílias;
7. Garanta que os alunos tenham a oportunidade de compartilhar o processo e os resultados com a comunidade escolar;
8. Busque apoio da biblioteca para oferecer e qualificar fontes de pesquisa.
Consultoria pedagógica: Sidecleia dos Anjos, educadora e membro do Time de Formadores da NOVA ESCOLA.
Esta reportagem faz parte do Especial Estratégias de Aprendizagem. Confira aqui os demais conteúdos.
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