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Abolição da Escravatura: baixe jogo para usar na sala de aula

Ajude a turma a refletir sobre o processo histórico, analisar criticamente a figura da princesa Isabel e evidenciar o papel dos verdadeiros abolicionistas

POR:
Carol Firmino
Diversos fatores levaram à assinatura da Lei Áurea  e o papel fundamental dos protagonistas negros, muitas vezes, é minimizado ou ignorado. Foto: Getty Images

Em 13 de maio, relembramos a Abolição da Escravatura no Brasil, marco importante da história do país. Por muito tempo, essa data foi apresentada de maneira simplista e até mesmo distorcida nos materiais didáticos, o que perpetuou uma visão colonizada do acontecimento.

Durante décadas, por exemplo, se enalteceu a figura da princesa Isabel como a grande benfeitora de escravizados, como se ela fosse a única responsável por garantir a liberdade dessas pessoas. Mas, na realidade, diversos fatores levaram à assinatura da Lei Áurea, e o papel fundamental dos protagonistas negros foi minimizado ou ignorado. 

“Com certeza, a Abolição é um processo muito complexo para ser resumido em uma assinatura. Mas essa discussão já vem sendo feita em sala de aula para abordar o imaginário dos processos históricos e o apagamento que muitas pessoas tiveram”, explica Murilo Jesus, mestre em História Social da Cultura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). 

A conscientização sobre a importância de haver um olhar decolonial a respeito da Abolição da Escravatura  tem provocado uma mudança gradual nesse cenário. Essa revisão é um passo significativo para desconstruir uma narrativa que marginalizou e apagou a participação dos negros. 

“A ciência se propõe a ser viva e a estar sempre mudando, repensando e analisando. Então, temos documentos que são registros históricos, mas a história é uma ciência, e isso significa que o método e os olhares mudam para entender os problemas do presente”, argumenta Murilo. “O que os historiadores tentavam enxergar no século 19 era diferente [de hoje], e quem fazia essa ciência era um grupo muito restrito de pessoas brancas, ligadas a segmentos da sociedade que tinham prestígio.”

Ele reforça que as pessoas negras não tinham a possibilidade de contar a sua própria história. “Mas, hoje, conseguimos revisitar esses documentos, fazer outras perguntas e enxergar respostas que não foram vistas antes”, completa.  

Ao superar a visão de que a Abolição da Escravatura se deu nos corredores dos palácios, os educadores podem desafiar estereótipos e promover discussões mais

aprofundadas sobre as raízes do racismo na sociedade brasileira. Além disso, têm a oportunidade de empoderar seus alunos e inspirá-los a se engajarem na construção de uma sociedade mais justa e igualitária.

Falsa Abolição

Durante décadas, informações falsas ou distorcidas moldaram a compreensão dos indivíduos sobre a Abolição da Escravatura. “Esse evento põe fim, simbolicamente, aos mais de 300 anos de escravização dos povos africanos e de seus descendentes no Brasil”, pontua Roberta Duarte, mestre e doutoranda em História pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e professora dos Anos Finais do Ensino Fundamental da rede municipal de Jaboatão dos Guararapes (PE). “Falo simbolicamente porque existe a perspectiva de falsa Abolição, visto que a lei assinada em 13 de maio libertou os escravizados juridicamente, mas não pensou como seria a reinserção da população negra na sociedade.”

Sobre a assinatura da Lei Áurea, ela afirma que é necessário desmistificar a atitude da princesa Isabel, vista como ato de bondade: “Foi fruto da pressão política que o Brasil vinha sofrendo nacionalmente, com o movimento abolicionista, e internacionalmente, sobretudo da Inglaterra. O país pressionava o Brasil pelo fim da escravidão, tendo em vista os novos arranjos econômicos que se estabeleciam por aqui.

Para levantar esses e outros pontos com os alunos, a professora defende olhar para a sala de aula como um espaço que vai construir o conhecimento de maneira horizontal. Assim, o professor e a turma devem fazer reflexões conjuntas sobre as temáticas abordadas. Segundo Roberta, é importante também que o professor busque o repertório que vai ajudar a desenvolver senso crítico. Neste caso, significa extrapolar narrativas tradicionais e ir além das questões políticas e econômicas em torno do processo de Abolição da Escravatura. 

Ela sugere trabalhar com fontes históricas, com jornais da época que mostram, por exemplo, a resistência cotidiana das pessoas escravizadas, a formação dos quilombos e as ações judiciais para lutar pela sua liberdade. “Apresentar aos estudantes outra perspectiva amplia a visão que eles têm sobre esse processo e sobre como ele aconteceu”, ressalta. 

Roberta diz ainda que essa temática necessita sair da narrativa superficial para fazer com que o aluno seja capaz de pensar historicamente olhando para o seu cotidiano. Por exemplo, questioná-lo sobre onde ele percebe heranças da escravidão, refletir sobre isso a partir de suas vivências e do que que ele já viu ou ouviu falar.

Narrativas consistentes sobre o 13 de maio

As aulas de Fabrício Castilho, autor do livro Samba na escola: apoteose para uma educação antirracista e professor da rede pública estadual do Rio de Janeiro, vão ao encontro da abordagem que conecta passado e presente. 

“Podemos usar indicadores sociais, tabelas e gráficos do IBGE [Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística] e da Pnad [Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios] para o aluno ver que, no próprio fazer histórico, existe essa relação direta. Ele pode pensar ‘mas a escravidão acabou em 1888, então pessoas negras enfrentam condições difíceis porque são incapazes?’. Não é isso e não é coincidência, então, as pesquisas, os índices e as estatísticas vão corroborar toda a ideia de racismo e desigualdade racial como uma construção histórica”, aponta.

Para ele, é papel do educador aplicar uma pedagogia antirracista, com uma postura crítica em relação ao 13 de maio: “Quando você faz essa reflexão e enxerga as razões da reminiscência do pensamento escravocrata e racializado ‘no mau sentido’, é possível combater o racismo.” 

Entre aspectos da Abolição da Escravatura ainda pouco trabalhados em sala de aula, Júlia Bittencourt, professora de História, consultora pedagógica e autora de materiais didáticos, destaca as fugas em massa que ocorreram no século 19 e a formação de diversos quilombos, urbanos e rurais. 

Ela cita o do Jabaquara, em Santos (SP), quilombo liderado por Quintino de Lacerda. “No começo dos anos 1880, ele já era um reduto de abolicionistas que não toleravam mais o sistema escravista, com registro de ataques a agentes de segurança durante as conduções de escravizados”, detalha. Essas pessoas tinham conhecimento sobre as leis e seus direitos, espalhavam esses saberes entre os seus pares e faziam crescer o movimento a favor da abolição. Além disso, aumentaram as alforrias compradas e as conseguidas juridicamente. 

Outro fator importante sobre a Abolição era o pânico de que o Brasil, com a ascensão das fugas e rebeliões, fosse palco de um episódio como o da Revolução Haitiana, uma das primeiras e mais bem-sucedidas insurreições de escravizados da história. Júlia afirma que o “haitianismo” – medo de que se repetisse no território brasileiro o que houve no Haiti – foi muito presente entre as elites brancas brasileiras.

Atividades para desconstruir mitos da Abolição

Roberta encontrou no jornalismo possibilidades para tratar dos movimentos abolicionistas no processo da assinatura da Lei Áurea e do racismo estrutural. “Com a análise de reportagens, eu parti de um olhar do presente para desenvolver o olhar histórico. Primeiro, trouxe a questão do racismo no futebol e de como ele está presente na mídia de maneira geral, questionando quantos apresentadores negros temos na televisão aberta, por exemplo”, descreve. Os alunos puderam opinar, discutir sobre os motivos por trás disso e falar sobre casos que já presenciaram ou viveram. 

Em outra situação, ela pediu que os estudantes construíssem jornais abolicionistas, assumindo um papel de integrante do movimento, para levantar quais eram os argumentos utilizados para defender a abolição e lutar pela liberdade dos escravizados. “Foi muito importante porque fez eles pensarem como seria naquele período e conhecerem mais sobre associações que se organizaram em torno dessa causa”, completa a professora. 

Júlia, que atua na rede pública de São Paulo, recorre ao uso de músicas em sala de aula, com destaque para sambas-enredo. “Essa é uma fonte que tem se tornado mais presente nos últimos anos, com as composições recentes, mas existem outras mais antigas que também abordam essa temática”, conta. 

Ela fez uma atividade com os sambas da Mangueira de 1988 (Cem anos de liberdade, realidade ou ilusão?) e do Paraíso do Tuiuti, de 2018 (Meu Deus, meu Deus, está extinta a escravidão?). Propôs a análise das duas letras, separadas por 30 anos, avaliando as mudanças e permanências na história negra brasileira mais de um século após a abolição.

Os alunos da professora Roberta Duarte produziram jornais abolicionistas para levantar argumentos em defesa da abolição e da luta pela liberdade dos escravizados. Foto: Arquivo Pessoal/Divulgação

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Protagonismo negro

Segundo Fabrício, as adequações em relação à figura do negro na sociedade feitas pelo Programa Nacional do Livro e do Material Didático ainda são muito tímidas. “De forma mais sistemática, o afro-brasileiro aparece como escravizado praticamente o tempo inteiro e depois vira quase que um fantasma. Não temos nos livros um negro fora da Abolição, não se fala de cultura negra, de movimento negro e de protagonismo de pessoas negras.”

Por isso, ele busca alternativas para evidenciar quem são esses personagens no centro da história. “A minha sugestão é colocar os alunos para pesquisar sobre a história e a vida desses personagens, de como eles vivenciaram a escravidão. Assim, conseguimos dar rosto e voz para as pessoas, com fotografias e notícias da época.”

De acordo com Murilo, havia em todo o Brasil pessoas lutando contra o regime escravocrata. Ele se recorda de Francisco José do Nascimento, o Dragão do Mar, navegador cearense que, com a sua jangada, ajudou escravizados a fugirem dos seus senhores. 

“O samba-enredo da Mangueira de 2019, Histórias para ninar gente grande, lembra nomes e passagens históricas que remetem ao período e mostram como a princesa Isabel não significa nada de concreto para compreender a Abolição. A assinatura da Lei Áurea é resultado de um processo muito longo, de gente atrás das grandes cortinas dos palácios construindo maneiras de sobreviver à escravidão”, conclui.

Abolicionistas brasileiros

O advogado e jornalista Luiz Gama foi um dos principais nome do movimento abolicionista. Ilustração: Yara Santo/Nova Escola

O professor Fabrício Castilho cita protagonistas negros da Abolição da Escravatura, incluindo mulheres, frequentemente invisibilizadas

  • André Rebouças: engenheiro e militar, lutou pela abolição da escravatura e pela igualdade racial no Brasil durante o século 20.
  • Chiquinha Gonzaga: vendia suas partituras e usava o dinheiro para comprar alforrias de pessoas escravizadas.
  • Francisco José do Nascimento: conhecido como “Dragão do Mar”, liderou jangadeiros em 1881, no Ceará – a primeira província a abolir a escravidão em 1884 –, que se negaram a transportar escravizados para os navios de tráfico interestadual.
  • Joaquim Nabuco: político e diplomata, desempenhou papel fundamental na promulgação da Lei Áurea.
  • Luiz Gama: advogado e jornalista, atuou na defesa judicial dos direitos dos escravizados, libertando centenas deles por meio de ações judiciais.
  • Luiza Mahin: líder quilombola, um dos principais nomes da Revolta dos Malês, na Bahia.
  • Maria Firmina dos Reis: primeira romancista brasileira, denunciou as injustiças da escravidão em suas obras literárias.
  • Negro Cosme: figura importante da resistência negra contra a escravidão no Brasil, liderou a Revolta da Balaiada, no Maranhão.
  • Tereza de Benguela: esteve à frente do Quilombo de Quariterê em resistência ao sistema escravocrata.