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Como planejar eletivas para engajar os alunos nos Anos Finais

Propostas devem estar integradas ao currículo e dialogar com temas transversais, objetivos de aprendizagem e com os interesses e demandas dos estudante

POR:
Rachel Bonino
As eletivas não podem estar apartadas da escola. É importante considerar que, junto aos demais componentes, a eletiva precisa trabalhar para desenvolver a melhoria da aprendizagem e competências relevantes. Foto: Camila Portela/NOVA ESCOLA

Diversidade cultural, empreendedorismo, tecnologia, educação ambiental, educação financeira e cidadania e civismo, entre tantos outros temas possíveis. O universo múltiplo das disciplinas eletivas representa uma boa oportunidade de organizar atividades e aprendizagens que dialogam diretamente com as experiências e interesses dos estudantes. Como consequência, podem fortalecer a conexão entre eles e a escola e ajudar na elaboração do projeto de vida. É uma chance também de reforçar na prática as teorias aprendidas e trazer flexibilidade ao currículo, abrindo espaço à participação efetiva dos alunos e à valorização do território onde está inserida a escola. 

Essa dinâmica é especialmente desejável em um contexto complexo, mapeado por diversas pesquisas recentes – como “A voz dos adolescentes”, do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef),  e  “Nossa escola em reconstrução”, do Instituto Porvir –, que mostram que jovens a partir dos 11 anos querem uma escola diferente. Ela deve ter atividades que favoreçam um bom relacionamento entre os estudantes, professores tutores que os acompanhem de perto, espaço para falar de sentimentos e uso de tecnologia para além do laboratório de informática. Além disso, eles também sinalizam que, muitas vezes, não conseguem acompanhar as explicações e atividades orientadas pelo professor, acham a escola desinteressante e não se sentem acolhidos.

Para escolas e educadores que se debruçam em elaborar eletivas, o desafio é combinar temas transversais, objetivos de aprendizagem e, principalmente, os interesses dos estudantes. Priscila Santos de Oliveira, gerente de Inovação e Desenvolvimento do Instituto Reúna, defende a eletiva como estratégia para apoiar a mobilização e o engajamento dos alunos, mas alerta que precisam ser pensadas de forma intencional e integradas ao currículo escolar.

“Uma eletiva não pode estar apartada do restante da escola. Então, é bem importante considerar que, junto aos demais componentes e áreas do conhecimento – Matemática, Ciências humanas etc. –, a eletiva trabalhe nesse currículo para desenvolver a melhoria da aprendizagem e competências relevantes para essa etapa da Educação Básica”, analisa.

A especialista destaca outro ponto chave: “Além de possibilitar o engajamento dos alunos, também é uma estratégia para fortalecer a autonomia. O estudante vai ter que escolher o que pretende fazer. Ele vai ter algumas opções se houver um catálogo de eletivas na escola.”

Como formatar disciplinas eletivas potentes

Um passo importante para definir as eletivas é escutar as demandas dos estudantes. “Entender quem faz parte daquela turma, o que que eles já conhecem dentro do território da escola e qual é o repertório deles”, indica Priscila. Ela lembra que, além de ouvi-los, é vital oferecer opções de temáticas e, nesse sentido, recorrer a questões atuais. A BNCC aborda temas transversais contemporâneos, divididos em seis eixos:

  • Saúde: Educação alimentar e nutricional e Saúde;
  • Economia: Trabalho, Educação Financeira e Educação Fiscal;
  • Meio ambiente: Educação ambiental e Educação para o consumo;
  • Multiculturalismo: Diversidade cultural e Educação para valorização do multiculturalismo nas matrizes históricas e culturais brasileiras;
  • Cidadania e civismo: Direito da criança e do adolescente, Vida familiar e social, Educação para o trânsito, Educação em direitos humanos e Processo de envelhecimento, respeito e valorização do idoso;
  • Ciência e tecnologia.

Segundo Priscila, as necessidades levantadas pela turma e as demandas e temas que estão em alta no mundo é a combinação ideal para promover uma aprendizagem significativa. Isso  se conecta com o que é preconizado atualmente nos documentos normativos, como a BNCC. 

Depois de analisar algumas matrizes curriculares, o Instituto Reúna, em parceria com outras entidades, desenvolveu o Referencial Pedagógico de Educação Integral para os Anos Finais do Ensino Fundamental, em que sugere uma proposta para reformular a abordagem educacional voltada aos adolescentes e inclui e organiza as eletivas na grade dos Anos Finais.

Para Flavia Oliveira, professora de Língua Portuguesa na rede privada de Maricá (RJ), o mais desafiador é escolher um tema que prenda a atenção, em especial para a faixa etária dos Anos Finais. Atualmente, ela leciona eletivas para o 9o ano e para o Ensino Médio, onde também é professora de Projeto de vida. “Com 13 e 14 anos, eles já têm outros interesses. Então não é qualquer coisa que vai seduzi-los”, aponta. “A gente tem que saber o ponto exato daquilo que seria interessante para eles. Geralmente, gostam muito de temas sobre os quais possam falar. Querem ser ouvidos.”

Ela já trabalhou inclusão e prevenção da depressão na adolescência com o 9º ano. Para além de observar aspectos relacionados à sua disciplina, a partir dos trabalhos escritos ou das apresentações orais, a professora conseguiu perceber uma mudança comportamental dos estudantes que participam das eletivas. “Quando a gente coloca um projeto fora do que está previsto nos conteúdos programáticos, eles se interessam mais. E aí se enxergam tendo voz, conseguem se abrir mais e dialogar”, avalia. “Então, o resultado é muito melhor porque eles se veem como cidadãos. Muitas vezes, eles atuam melhor nesses projetos do que na sala de aula, cumprindo ali as questões burocráticas”, afirma.

Em diálogo com as experiências dos estudantes

A professora de Educação Física Juliana Sorrilha também percebeu mudanças no comportamento dos alunos envolvidos com as eletivas com as quais já trabalhou: “Eles se sentem mais livres, então se interessam mais”, diz.

Ela gosta de trabalhar eletivas que envolvem a análise do próprio corpo, como na atividade "Quem eu sou, quem eu gostaria de ser?', em que os estudantes são instigados a pensar nas suas características atuais e perspectivas sobre o futuro. Em 2019, ela atuou com turmas da EM Anísio Teixeira, no Rio de Janeiro (RJ), com um projeto de extensão chamado “Coletivo Par e Ímpar”, abordando pedagogia da cooperação e cultura de paz, que incluiu um  jogo criado pelos estudantes

“Os alunos dos Anos Finais são um grupo muito peculiar: já saíram da fase da pré-adolescência, têm alguns conflitos de crescimento, com o corpo, e há também um 'eu tô crescendo e precisando ajudar em casa', 'ah, talvez eu tenha de trabalhar daqui a pouco'. Eles têm preocupações com o futuro que os deixam muito ansiosos. Então, tudo o que conecta com esse acolhimento, com esse contato, é muito precioso e dá muito certo”, considera. 

Outra eletiva que gerou bastante interesse e que repercutiu nos comportamentos das alunas envolvidas foi o Clube de Ciências Meninas da Astronomia. O grupo recebeu medalha de ouro na Olimpíada dos Oceanos 2023 na categoria Projeto Socioambiental. O clube é uma parceria do Museu de Astronomia e Ciências Afins (Mast) com a Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro (RJ), na EM Canadá, onde Juliana leciona, e na EM Uruguai.

“As meninas mudaram muito, na escola e em outros aspectos. É um clube de ciências com corte de gênero, só para meninas. Então, além de se sentirem mais à vontade para falar, pesquisar e se exporem, elas tiveram experiências que foram muito significativas, como viagens”, conta Juliana. “Esse pertencimento ao clube provocou mudanças nas práticas delas na escola. As professoras das outras disciplinas traziam muito isso para mim.” 

Uso de metodologias ativas

Algumas abordagens combinam bastante com a proposta mais ampla de ensino das disciplinas eletivas, especialmente as metodologias ativas que estimulam o protagonismo dos alunos e a aprendizagem mão na massa. O professor João Paulo Falcão leciona Matemática para a turma do 6o ano da EM Pedro Carnaúba, em Viçosa (AL). Ele é um entusiasta da cultura maker, da metodologia STEAM (sigla em inglês para Ciências, Tecnologia, Engenharia, Artes e Matemática) e da robótica educacional. A partir dessa combinação, propaga o projeto Robótica Sucational (@sucational), com o qual difunde a ideia do conhecimento por meio de projetos feitos pelos alunos com materiais domésticos e reaproveitados. Ele costuma ser convidado por professores e escolas para falar sobre as possibilidades desse ensino, que podem apoiar a formatação de eletivas das áreas de Ciências e de Matemática.

Para João, essas abordagens são pontos de convergência de muitos componentes curriculares. Como exemplo, ele cita um trabalho feito a partir do desenvolvimento de uma catapulta que envolve a aplicação de conhecimentos variados, como cálculo de retas, de intersecção, de pressão e de trajetória da bala. Além disso, permite trabalhar o design e descrever todas as etapas de produção em um projeto. “E se você for lá para o começo da História, a catapulta foi um dos primeiros instrumentos de guerra”, acrescenta.

O uso de materiais domésticos nos projetos também tem o objetivo de permitir que o estudante leve os produtos montados para casa e fale sobre eles com a família – o que costuma dar bons resultados nas aulas regulares de Matemática ministradas por João. “Recebo devolutivas muito boas dos pais falando que o aluno explicou o projeto e que até montaram juntos, quase como uma brincadeira”, comenta.

Formatos de eletivas

Na escola em que leciona atualmente, a professora Flavia acomoda as eletivas ao final das aulas regulares, além de encontros remotos. Mas os formatos das eletivas podem variar bastante de acordo com cada instituição, especialmente se estiverem na grade de uma escola em tempo integral, que conta com a vantagem de dispor de um período maior de tempo. Se a disciplina acontece na sala de aula ou na quadra, essa escolha vai depender muito do conteúdo da eletiva, do perfil da turma e da proposta pedagógica.

A duração da eletiva também pode mudar. Mas, até pelo dinamismo que se propõe, os educadores recomendam que sejam ciclos curtos,  preferencialmente semestrais. “Até porque determinada ideia de eletiva pode ser muito boa no papel mas, na prática, pode não mobilizar tanto os alunos”, observa Flavia. Assim, é melhor ter uma duração menor que anual. Na escola particular em que ela leciona, há um professor encarregado de elaborar todas as eletivas. Ele também recebe o retorno dos professores após a aplicação, para saber se engajou ou não os alunos.

As eletivas também podem ser mais frutíferas se o perfil do professor combinar com o tema e o formato escolhido.  “Acho que todo professor precisa estar mais aberto a aprender do que a ensinar. Mas o docente de eletiva deve ter um perfil mais voltado a coisas novas e estar disposto a aprender como fazer”, acredita Juliana. “Precisa ter uma escuta muito sensível, porque nem sempre os adolescentes vão dizer o que eles precisam, mas eles vão se expressar de outras maneiras, com o corpo, com os silêncios, com os gestos.”

Para João Paulo, vale ainda o professor instigar o aluno sobre o quanto o tema da eletiva pode ser curioso, isso logo na aula introdutória, preferencialmente. “Ele tem de vender o peixe dele. Se ele gosta, por exemplo, como eu, de trabalhar com a robótica, com a cultura maker, eu vou mostrar o quanto aqueles projetos podem ser interessantes”, afirma.

4 estratégias para estruturar disciplinas eletivas que envolvam os alunos

Reunimos alguma dicas dos entrevistados que podem ajudar no planejamento

1. Ouça os estudantes e considere suas experiências, necessidades e interesses 

2. Tenha intencionalidade pedagógica: a eletiva deve desenvolver habilidades, competências e aprendizagens específicas

3. Aborde temas transversais contemporâneos, como os sugeridos pela BNCC - por exemplo, saúde, meio ambiente e ciência e tecnologia

4. Utilize metodologias ativas, que estimulam o protagonismo dos alunos e requerem maior participação nas aulas

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