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Temas transversais: como usá-los para apoiar a aprendizagem?

A Educação para o Trânsito, prevista pela BNCC, permite desenvolver habilidades de todos os componentes, estimula o protagonismo juvenil e contribui para a recomposição das aprendizagens.

POR:
Dimítria Coutinho
Em projeto de protagonismo juventil, estudantes do 8º ano foram responsáveis por realizar pesquisas sobre placas de trânsito, as quais resultaram em mural exposto na escola. Foto: Vivian Bera/NOVA ESCOLA

Todos os dias, para chegar até a Escola Estadual de Ensino Integral Professor Wilson Prestes Miramontes, em Votorantim (SP), os estudantes precisam cruzar uma estrada. Embora haja uma passarela para o percurso, muitos acabam optando por atravessar pela pista, o que deixa pais e professores bastante preocupados.

Foi por isso que, em maio deste ano, a gestão da escola resolveu desenvolver um projeto sobre Educação para o Trânsito com as 15 turmas dos Anos Finais do Ensino Fundamental. O objetivo foi abordar tanto competências relacionadas a esse tema quanto habilidades de protagonismo juvenil.

Educação para o Trânsito é um dos 15 Temas Contemporâneos Transversais (TCT) previstos para o trabalho integrado e contextualizado com os objetos de conhecimento presentes na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e é o que mais se relaciona com a mobilidade urbana, tema desta série de reportagens. De acordo com o Ministério da Educação, TCT são temas que contextualizam o que está sendo ensinado na sala de aula, abordando assuntos do interesse dos estudantes e de relevância para o desenvolvimento da sociedade e dos próprios alunos enquanto cidadãos. 

A primeira vez em que os Temas Transversais foram recomendados na Educação brasileira foi em 1996, nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN). De lá para cá, os documentos educacionais foram modificados, e esses temas também. Hoje,  foi acrescentado o termo “contemporâneos”, dando caráter de atualidade e contexto aos trabalhos. 

A própria nomenclatura revela duas características essenciais dos TCTs:

  • Contemporaneidade: são temas atuais, relacionados ao cotidiano dos estudantes, sempre trabalhados dentro do contexto escolar e da comunidade;
  • Transversalidade: os temas não pertencem a uma área de conhecimento específica, mas atravessam todos os componentes curriculares. Embora a transversalidade seja complementar à interdisciplinaridade, trata-se de conceitos diferentes: o primeiro diz respeito ao tema em si e à sua dimensão didático-pedagógica, o segundo se refere à abordagem da produção do conhecimento, ou seja, a forma como o trabalho didático-pedagógico é organizado. Isso significa que um TCT pode, ou não, ser abordado de maneira interdisciplinar.

Os Temas Transversais eram inicialmente uma recomendação. Com a BNCC, se tornam uma determinação, ou seja, são obrigatórios para elaborar ou adequar currículos e propostas pedagógicas. “Os TCTs apoiam um trabalho integrado e contextualizado, que garante a formação dos alunos alinhada às demandas sociais. Eles afetam o convívio social em escala local, regional e global”, afirma a professora Eliane de Siqueira, do time de formadores da NOVA ESCOLA.

Eles podem ajudar professores a desenvolverem atividades relacionadas a qualquer componente curricular e em qualquer etapa do ensino. Eliane afirma que esse caráter impulsiona também a recomposição das aprendizagens, tão necessária após o período de ensino remoto realizado por conta da pandemia de Covid-19. 
“É importante considerar que a recomposição de aprendizagens revela a necessidade de desenvolver processos cognitivos específicos, que não necessariamente estão relacionados aos objetos de conhecimento”, afirma a formadora. Foi o que fez o professor Felipe Nogueira, de Mogi das Cruzes (SP): aproveitou o tema da Educação para o Trânsito para recompor aprendizagens do 7º ano com os estudantes de 9º ano nas aulas de Geografia exemplo que você conhecerá mais à frente na reportagem.

TCTs e mobilidade urbana

Além da Educação para o Trânsito, outros TCTs têm relação com as questões da mobilidade urbana. Conheça algumas possíveis discussões:

  • Educação Ambiental: relação entre lixo urbano e mobilidade; desenvolvimento das cidades e a pauta ambiental; poluentes gerados por determinados meios de transportes; mudanças climáticas; e reciclagem de veículos e suas partes (ex.: baterias dos carros elétricos);
  • Educação Financeira: preço do transporte público e acesso à mobilidade; influência da economia e do mundo do trabalho nos deslocamentos urbanos;
  • Saúde: relação entre escolhas de meios de transporte e atividades físicas; relação entre poluentes gerados por meios de transporte e a saúde; 
  • Direitos da Criança e do Adolescente: direito de ir e vir e de acessar equipamentos sociais que se relacionam aos direitos das juventudes; direito à acessibilidade;
  • Ciência e Tecnologia: novos modelos de transporte por aplicativos; fontes limpas e alternativas de energia; novas opções e fontes de abastecimento para veículos (ex.: células de combustível, biocombustível, biometano, etanol etc.); e veículos híbridos e elétricos.

Protagonismo juvenil

Alunos visitam passarela que permite chegar com segurança à escola. A necessidade de abordar a Educação para o Trânsito despertou um trabalho de protagonismo juventil com um dos Temas Contemporâneos Transversais em turmas dos Anos Finais do Fundamental. Foto: Vivian Bera/NOVA ESCOLA

O projeto sobre Educação para o Trânsito na escola Wilson Prestes Miramontes pegou carona na campanha de conscientização do Maio Amarelo e foi desenvolvido durante as aulas de protagonismo juvenil, parte da grade curricular da escola. A coordenadora da unidade, Viviane Dias, conta que a escolha foi feita justamente porque esse tema se relaciona com a necessidade de os estudantes adotarem uma postura de protagonismo ao transitarem pela cidade, entendendo o impacto de suas atitudes no trânsito como um todo.

O pontapé foi uma reunião entre a coordenadora e os 15 professores de protagonismo juvenil, na qual ela apresentou um embasamento teórico sobre Educação para o Trânsito e estimulou os docentes a pensarem em projetos sobre o tema para serem desenvolvidos durante um mês. Reunidos por anos escolares, eles criaram as propostas, que foram aperfeiçoadas com a ajuda da coordenadora e da vice-diretora da escola.

No 6º ano, os estudantes construíram panfletos sobre conscientização para o trânsito; no 7º ano, cada turma desenvolveu uma forma de conscientização, como cartazes, documentários, músicas e jogos; no 8º ano, os estudantes fizeram uma visita à passarela ao lado da escola, além de terem realizado pesquisas sobre placas de trânsito; no 9º ano, as atividades desenvolvidas englobaram leitura crítica de textos sobre o tema, jogos e charadas. 

Além de reforçar a conscientização das crianças e adolescentes, todas as atividades se relacionaram com o problema inicial: o perigo de atravessar a rodovia. As atividades oportunizaram produções que levassem outras pessoas a compreenderem os riscos e as alternativas corretas neste e em outros desafios de trânsito. Ao final do projeto, as turmas se reuniram e apresentaram à escola os resultados dos trabalhos. Com as ações, a escola espera que os estudantes optem cada vez mais pela travessia pela passarela. 

A turma de 7º ano da professora Emmanuelle Muniz ficou responsável pela construção de um jogo de tabuleiro em tamanho real sobre o trânsito. A ideia partiu de um jogo já existente sobre o tema e, ao longo de um mês, os alunos construíram as peças e o tabuleiro, fazendo as adaptações necessárias. Ao final do projeto, as turmas de 6º ano participaram da brincadeira, enquanto os alunos do 7º fizeram a orientação, assumindo o papel de fiscais de trânsito.

“Os alunos montaram o jogo, trabalhando habilidades de união e cooperação. Essa construção de conhecimento, atrelada ao fato de que eles próprios fiscalizam os colegas que jogam, ajuda a desenvolver o protagonismo”, comenta Emmanuelle.

A professora de Língua Portuguesa Simone Kruse, responsável por uma turma de 9º ano, sente que uma das características de protagonismo juvenil que precisa desenvolver em seus alunos é a autonomia. “Eles não vêm com essa autonomia dos Anos Iniciais, e nos Anos Finais têm muita dificuldade de tomar decisões, por exemplo”, comenta. Durante o projeto, decidiu manter os estudantes agrupados por nível de aprendizagem, permitindo a execução de atividades diferentes para alunos com demandas e necessidades diferentes.

Em uma das aulas, por exemplo, os estudantes jogaram vários jogos sobre o tema da Educação para o Trânsito, alguns mais simples e outros mais complexos. Os alunos mais avançados chegaram a criar novas regras para a atividade, assumindo o protagonismo da situação. “Essa divisão por nível de proficiência ajuda eles a terem autonomia para realizar as atividades. Assim, eu ou as outras professoras não temos que ficar o tempo todo em cima, porque são atividades que estão dentro das possibilidades deles, e eles realizam sozinhos”, afirma Simone.

Como os TCTs são temas que englobam questões que afetam a sociedade a nível local, regional e global, é sempre importante trabalhar com os estudantes o impacto que as ações individuais têm sobre o todo, orienta Eliane. Mesmo em escolas que não são de ensino integral, como a de Votorantim, o protagonismo juvenil e as noções de cidadania podem ser abordadas em aulas regulares.

Mobilidade, trânsito e meio ambiente

Suzana Nogueira, pedagoga, arquiteta e especialista em planejamento e mobilidade urbana, ressalta que a postura cidadã aparece de forma marcante na Educação para o Trânsito por conta das escolhas individuais de cada pessoa. Isso, porém, não tem a ver apenas com segurança como decidir atravessar pela passarela ou pela pista , mas também com mobilidade, planejamento urbano e meio ambiente.

“A Educação para o Trânsito visa mostrar para alunos de diferentes faixas etárias quais aspectos envolvem a mobilidade urbana, quais as opções e formas de se locomover e como cada pessoa tem que agir para conseguir ter uma melhor relação com o espaço, respeitando os outros”, define Suzana. A mobilidade também dá margem para discutir sobre meio ambiente. A especialista explica que a “pauta climática inspira a mobilidade a pensar em novos modelos de se deslocar na cidade”.

Assim como Educação para o Trânsito, Educação Ambiental também é um TCT previsto pela BNCC, e Eliane sugere criar projetos, sequências didáticas e planos de aula que abordam as duas questões ao mesmo tempo. “Ambas trabalham as atitudes de cada um e seus impactos na sociedade”, comenta a formadora. Quando se joga lixo na calçada, por exemplo, uma pessoa afeta o meio ambiente e a mobilidade; quando opta por fazer um trajeto de bicicleta e não de carro, também. 

Professoras Emmanuelle Costa Muniz e Sônia Beatriz Pohl Bernardo Sasso acompanham alunos dos Anos Finais do Fundamental em visita ao bairro como parte do projeto de protagonismo juvenil. Foto: Vivian Bera/NOVA ESCOLA

Recomposição de aprendizagens

A relação geral entre mobilidade e Educação para o Trânsito apareceu em uma sequência didática desenvolvida pelo professor Felipe Nogueira nas aulas de Geografia do 9º ano do Centro Municipal de Programas Educacionais (CEMPRE) Benedito Ferreira Lopes, em Mogi das Cruzes, em maio de 2022.

Motivado por um concurso sobre Educação para o Trânsito  proposto pela prefeitura da cidade, Felipe resolveu abordar a temática com os alunos. “A mobilidade não pode estar atrelada só à questão do tráfego. Minha ideia foi discutir o tema com base no conceito de urbanização, pensando em como ela está atrelada a momentos históricos em diferentes países. Também  abordamos a mobilidade enquanto direito social”, conta o professor.

Ao final da sequência didática, os estudantes foram incentivados a produzirem pequenos podcasts para concorrem ao concurso municipal, e Vitória Alves Paparoto, de 14 anos, saiu vitoriosa.

Felipe aproveitou as atividades planejadas para recompor as aprendizagens, atrelando-as às habilidades do ano atual dos estudantes. “Foi uma forma de trazer conteúdos de urbanização do Brasil, que seriam estudados no 7º ano. Junto a esses temas, deu para discutir conteúdos do 9º ano, como a industrialização”, observa.

Em Votorantim, a professora Simone também aproveitou o tema da Educação para o Trânsito nas aulas de Língua Portuguesa, mesmo que este não fosse o foco das aulas de protagonismo juvenil. Em uma das atividades, pediu aos estudantes que localizassem informações explícitas e implícitas em reportagens sobre o trânsito. Organizados por níveis de aprendizagem cada grupo com propostas adaptadas , eles conseguiram desenvolver habilidades de Língua Portuguesa que estavam defasadas.

Consultora pedagógica: Eliane de Siqueira, formadora de professores, integrante do Time de Formadores da NOVA ESCOLA.

Acesse aqui a página especial do projeto Cidadania em Movimento e conheça todos os conteúdos da parceria entre a NOVA ESCOLA e a Fundação Grupo Volkswagen.