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Livros, séries e passeios para inspirar suas práticas antirracistas

Veja sugestões que vão ajudar você a ampliar repertório e entender melhor a Educação para as Relações Étnico-raciais

POR:
Lavini Castro

Conhecer a região chamada de Pequena África, no Rio de Janeiro, é uma aula-passeio. Foto: Tete Silva/NOVA ESCOLA

Caros colegas professores, o tão esperado mês de julho está aí e, com ele, o tão merecido recesso do meio do ano letivo. E, então, o que fazer? Descansar, né?! O descanso é imprescindível para nós que dedicamos longas horas com o planejamento de aulas, preparação de materiais pedagógicos, correção de trabalhos e avaliações. De fato, precisamos dar aquela pausa para recalibrar as energias. 

Entendo que o recesso é uma excelente oportunidade para vivenciarmos experiências naturais e culturais, que ajudam a evitar a exaustão e o esgotamento, mas também há tempo para repensar nossa prática, ou seja, esse também pode ser um momento para aparar algumas arestas, mudar a rota e crescer. 

Por isso, as possibilidades de fazer um curso de férias, ler um livro, escrever um artigo ou projeto podem ser uma boa atividade para esse período. Vivencie experiências unindo lazer, bem-estar, conhecimento e aprendizado. E que tal fazer isso sob a perspectiva antirracista para incrementar o repertório sobre a educação para as relações étnico-raciais?

Essa foi uma coluna muito prazerosa de ser escrita, pois é a oportunidade de compartilhar com vocês alguns dos meus caminhos de aprendizagem e inspiração para a prática da educação antirracista que promovo no chão das escolas em que trabalho. Espero que seja proveitoso!

Leituras para ampliar o repertório do educador

O primeiro livro que indico aqui é Memórias da Plantação - Episódios de Racismo Cotidiano, de Grada Kilomba. Esse livro traz um compilado de episódios cotidianos de racismo que são analisados de forma psicanalítica. 

São histórias que discutem políticas de espaço, exclusão do corpo negro e casos de insultos raciais que expõem a violência do racismo que nos fazem refletir sobre as questões da representatividade de pessoas negras na sociedade e como a uma interpretação negativa do negro e sua negritude promovem traumas ao criarem a figura social de um não ser. 

Vale muito a pena a leitura que, apesar da contribuição para o discurso acadêmico, é rápida e fácil de entender. 

Saiba um pouco mais lendo essa resenha escrita por Maíra Samara de Lima Freire, doutora em Antropologia Social que foi apresentada e aceita na Revista Cadernos de Campo da Universidade de São Paulo (USP). 

História negra em quadrinhos 

O livro Negritude, Poderes e Heroísmos - Estudos sobre Representações e Imaginários nas Histórias em Quadrinhos, do professor Elbert de Oliveira Agostinho, é uma obra escrita por autores do Observatório Carioca de Histórias em Quadrinhos. O grupo vem pesquisando sobre a representatividade negra no imaginário social. 

Quando li esse livro, pude pensar em estratégias de aulas que promovessem a releitura dos contextos sociais e raciais utilizando quadrinhos como metodologia. 

Certa vez,  explicando sobre o contexto histórico do abolicionismo para turmas do 7º ano, apresentei não só as leis abolicionistas como algumas ações de fuga e resistência dos negros no setor jurídico, do século XIX, ampliando o repertório histórico e imaginativo dos meus alunos sobre a abolição, fazendo com que eles entendessem que os negros foram agentes no processo. 

Após a explicação, pedi para que os estudantes se organizassem em grupos e criassem HQs representando alguns dos episódios e a  atividade ficou incrível! 

Trabalhar com a metodologia dos quadrinhos proporciona o interesse pela leitura e escrita. Eu lembro que na minha infância, lá pelos anos de 1980, a grande referência de leitura proporcionada por minha família, por questões de acesso e possibilidades financeiras, eram as histórias em quadrinhos compradas nas bancas de jornal. Porém, na época, esse universo não trazia referências tão evidentes de protagonismo negro. 

Famílias interraciais

O livro Educação Antirracista - Relatos de Famílias Interraciais e o que a História nos conta é um livro que traz a discussão sobre a mestiçagem por meio de relatos de famílias interraciais. Organizado por Priscila dos Santos, além de discutir conceitos como miscigenação e educação antirracista, a obra traz relatos sobre como a miscigenação afetou a sociedade brasileira ao promover um apagamento da negritude por trás do plano do branqueamento existente em nosso país. 

É um livro que desmistifica, através dos relatos das pessoas racializadas, ou seja, afro-brasileiras, a falsa ideia de harmonia entre as raças, que provoca o entendimento da construção do mito da democracia racial. 

É muito comum, em sala de aula, quando começamos uma reflexão sobre a questão racial, alunos e alunas não saberem como se identificar racialmente ou não quererem se identificar como pertencentes aos grupos negros ou indígenas por conta das dores do racismo. Ou ainda porque o projeto de mestiçagem criou a figura social do pardo provocando um apagamento da realidade estética negra.

Precisamos refletir com nossos alunos, ainda que a identificação seja pessoal, e este livro nos auxilia a pensar sobre a questão da miscigenação e como a construção do eu negro é uma relação complexa de afeto para com as pessoas negras. Essa é uma obra, inclusive, que pode ser lida em uma turma de Ensino Médio e pode ser provocada a escrita de memórias familiares sobre a miscigenação. Tal atividade promove um retorno de falas, memórias, comportamentos familiares que podem ser refletidos e, em um diálogo consciente sobre a questão racial, os alunos podem encontrar novos caminhos de conscientização sobre si mesmos.

Saiba um pouco mais lendo essa matéria escrita no Site Aventuras na História: Matéria sobre o Livro Educação Antirracista e relatos de famílias interraciais

Aperte o play: podcast e vídeo sobre Educação Antirracista

O podcast 19 Anos das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação para as Relações Raciais, com a professora Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva, da Fundação Santillana, é uma ótima referência para quem quer entender os princípios da Lei n. 10.639/2003 e colocar em prática a Educação para as Relações Étnico-raciais. 

Nesse podcast, a professora Petronilha aborda os desafios para implantação dessa lei, hoje já alterada para a Lei n. 11.645/2008, como sendo um movimento socioeducacional, não apenas para modificar as diretrizes e bases da educação e nem só para mudar o currículo, mas para ser um instrumento sobre a nova postura de entender como as culturas se comunicam e como aprendemos com outras culturas. Ouça aqui o podcast.

Estratégias e práticas para sala de aula

O vídeo da Live Educação antirracista: estratégias e práticas para sala de aula comigo e com Gina Vieira e Bira Azevedo apresenta o curso da NOVA ESCOLA "Estratégias para uma Educação Antirracista". A live além de mostrar o percurso formativo e a estrutura do curso, provoca reflexões sobre conceitos pertinentes à educação para as relações étnico-raciais, os desafios para implantar tal perfil de educação, bem como aponta possíveis caminhos já experimentados. Assita ao vídeo e, depois, dê uma passadinha para conhecer o curso no site da NOVA ESCOLA, pode ser uma boa opção para o recesso.

Rede de Professores Antirracistas

Também sugiro que você conheça ou se aprofunde no trabalho da Rede de Professores Antirracistas. Essa rede é um espaço voltado para a aprendizagem sobre as relações étnico-raciais e o combate ao racismo no espaço escolar. As ações consistem em provocar a sensibilização para a aplicação das leis n. 10.639/2003 e n. 11.645/2008. Saiba um pouco mais assistindo à Live do Encontro Nacional dessa Rede de Professores.

Filmes, documentário e séries para maratonar

E por que não aprender sobre relações étnico-raciais assistindo a filmes? Podemos começar com Estrelas Além do tempo (2017), que aborda a história de uma equipe de mulheres negras, no período da Guerra Fria, que promoveu um avanço tecnológico, permitindo a ida do primeiro  americano ao espaço. Elas atuavam como “computadores”, responsáveis pelos complicados cálculos matemáticos envolvidos na missão. 

O filme é emocionante - baseado em fatos reais -  e pode servir de inspiração para um planejamento de aula. Professores de História, Matemática e Física podem fazer um trabalho interdisciplinar tendo como pano de fundo esses fatos, com uma aula recheada de discussões sobre racismo, patriarcado e meritocracia. E mais: provocar um novo imaginário a respeito das mulheres negras responsáveis pelo conhecimento na área de Exatas. Onde assistir: Disney+.

Leia também: O que o filme “Estrelas Além do Tempo” tem a ver com a sua aula

13ª emenda

O documentário 13º Emenda (2016) nos leva a entender a questão dos afro-americanos e o sistema prisional dos EUA. Esse documentário foi produzido pela Netflix e dirigido por Ava DuVernay com objetivo de abordar as relações entre a criminalização, o trabalho escravo, a segregação racial, preconceito, xenofobia e interesses de grandes corporações. 

Esse documentário pode inspirar uma pesquisa a respeito da 13ª Emenda, que foi aprovada em 6 de dezembro de 1865 pelo Congresso dos Estados Unidos e aboliu oficialmente, em território estadunidense, a escravidão, em comparação com a história das leis abolicionistas no Brasil, em que a compreensão chega ao entendimento da inconclusão da abolição, ou seja, tanto nos EUA como no Brasil a inconclusão de uma verdadeira abolição com projetos de cidadania aos negros reverberou projetos de sociedades racistas e excludentes, como foi o caso específico dos EUA com o surgimento da Ku Klux Klan e, no Brasil, do mito da democracia racial. Onde assistir: Netflix.

Racismo reverso, solidão, colorismo 

A série Cara Gente Branca é imperdível! Ela retrata as vivências de jovens negros estadunidenses ao ingressar nas mais refinadas faculdades norte-americanas. Fala de dilemas raciais, histórias de amor e afeto negro, além de discutir a questão interracial. É uma série para maratonar no recesso e que nos ajuda a entender sobre aculturação e nos aproxima de uma linguagem mais juvenil, o que é ótimo para nos conectarmos com nossos alunos adolescentes e jovens. 

A série também traz a discussão sobre racismo reverso - que não existe (!) -, discute a racialização de pessoas brancas, o que é um dado que precisa ser compreendido, ou seja, pessoas brancas precisam ser racializadas para não serem vistas como o ideal humano. 

Porém, para mim, o ponto crucial dessa produção é a questão do colorismo. Essa discussão nos inspira, enquanto professores, a pensar estratégias de como podemos abordar a questão da miscigenação e do colorismo em nossas aulas, até porque, no Brasil, mais de 40% da população se identifica como “parda”. 

Isso é reflexo do apagamento da negritude que foi propagado por meio da política do branqueamento, que alimentou a vontade do brasileiro em ser branco. Que tal se inspirar nessa série para criar uma estratégia pedagógica que provoque a reflexão sobre o pertencimento cultural e estético afro-brasileiro e indígena em suas aulas? Onde assistir: Netflix.

Resistência Negra

Contudo precisamos conhecer mais a nossa história, a raiz da nossa resistência racial. Por que não conhecer então a história da resistência negra? Exatamente assim é chamada a série documental que narra a história dos movimentos negros no Brasil. 

Resistência Negra conta com direção geral de Mayara Aguiar e o projeto foi idealizado pelo professor Dr. Ivanir dos Santos, que atua há mais de 40 anos em prol das liberdades, dos direitos humanos, das pluralidades, contra o racismo e a intolerância religiosa. É uma série que fala de memória, de luta dos negros por direitos de cidadania; em que personagens reais da história do Movimento Negro fazem depoimentos de suas batalhas e vivências, além de apresentar as conquistas políticas, sociais e marcos culturais e civis nos quais os movimentos foram atuantes. Não é à toa que a professora Nilma Lino Gomes afirma que o Movimento Negro é educador. 

Muito provavelmente, os nossos alunos não conhecem a história dos movimentos negros brasileiros. Pronto, falei! Mas por que conhecer essas histórias? Porque elas trazem narrativas que são pouco conhecidas, projetando outro lugar para os negros na história brasileira, demonstrando a ação de pessoas negras como intermediadoras dos problemas sociais junto ao governo, provocando o questionamento da democracia racial, apontando o racismo e ressignificando a noção de raça, principalmente, dos valores sobre raça negra. 

Os projetos de hierarquia racial criados inferiorizam e descredibilizaram pessoas negras, contudo os movimentos negros sempre fizeram oposição à contrução negativa que tal mentalidade sociocultural brasileira projetou, sendo portanto um movimento de educação para a própria sociedade. Onde assistir: GloboPlay.

Passeio e evento cultural

Não poderíamos deixar de fora de nosso recesso a possibilidade de organizar um passeio para conhecer mais sobre a história afro-brasileira. Para quem não conhece o tour na Pequena África, região assim apelidada pelo sambista Heitor dos Prazeres, devido à intensa presença de descendentes de africanos no Porto carioca, vale muito a pena o passeio . É um dos meus locais favoritos!

Em 2011, o município do Rio de Janeiro criou um decreto contemplando a memória afro-brasileira na Zona Portuária da cidade, que marca historicamente a memória sensível da luta e resistência do povo negro. Há muitas companhias de turismo que fazem o passeio que além de cultural e histórico, conta também com um sítio arqueológico do Cais do Valongo, Patrimônio da Humanidade pela Unesco desde 2017.

Nesse passeio você conhece a história do principal ponto de desembarque e comércio de africanos escravizados nas Américas, que funcionou entre os anos de 1811 e 1831. Nesse período, cerca de um milhão de pessoas desembarcaram no Valongo para serem vendidas e transportadas a diversos pontos do país. 

Esse passeio nos inspira a organizar uma visita técnica com os alunos, ainda mais se você morar no Rio. Promover um passeio com suas turmas no bairro negro mais antigo da cidade e oficialmente reconhecido, nos quilombos da Pedra do Sal e Santo Cristo, é uma fonte de história e cultura afro-brasileira. Então que tal você aproveitar o recesso para fazer o passeio com família ou amigos e depois bolar um pequeno plano de aula ao ar livre com suas turmas?

Ah, para quem está fora do Rio e não pode realizar o passeio presencialmente,  existe a possibilidade de fazer um tour virtual e se conectar com o legado africano dessa região reconhecida como o local de nascimento do samba e do carnaval.

Espero que esses caminhos possam inspirá-los como me inspiraram a criar um repertório específico para cada turminha que atendo. É isso mesmo, o segredo da Educação Antirracista também está na sua intencionalidade pedagógica, o quanto você está disposto a mudar sua perspectiva sobre as relações raciais e criar espaços de conscientização para que as novas gerações possam entender o compromisso com o combate ao racismo e que queiram viver em harmonia com a diversidade étnicocultural que existe em nosso país.

Então, os roteiros de leitura, vídeos, podcasts e visitas técnicas apresentados aqui nessa coluna nada mais são do que uma provocação de inspiração para o compromisso e a prática antirracista. Sigamos juntos!

Lavini Castro é educadora antirracista. Doutoranda em História Comparada pelo PPGHC/UFRJ. Mestre em Relações Étnico Raciais pelo PPRE/CEFET-RJ. Historiadora pela UFRJ. Professora de História do Ensino Fundamental e Ensino Médio das redes pública e particular do estado do Rio de Janeiro. Idealizadora e coordenadora da Rede de Professores Antirracistas. Ganhadora do Prêmio Sim à Igualdade Racial do ID_BR em 2021.