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As contribuições da neurociência para a aprendizagem dos adolescentes

Unir esses conhecimentos a práticas pedagógicas ajuda a potencializar o desenvolvimento das habilidades cognitivas e socioemocionais dos jovens nessa fase

POR:
Rachel Bonino
Compreender as transformações que acontecem no cérebro dos adolescentes pode auxiliar os educadores a encontrar estratégias para engajar os estudantes dos Anos Finais. Foto: Getty Images.

A neurociência aponta a adolescência como uma época importante para o aprendizado e para o desenvolvimento de habilidades cognitivas e socioemocionais. Nessa fase, o cérebro está em uma etapa de desenvolvimento que é fundamental para a vida escolar, o que inclui a construção de competências relevantes, como a persistência, a capacidade de enfrentar desafios e a autoconfiança. Esse também é o momento em que os estudantes começam a se preparar para uma maior autonomia acadêmica e pessoal, com avanços nos campos do pensamento crítico e da resolução de problemas.

Garantir uma ponte entre a neurociência e as práticas pedagógicas é uma chance de aproveitar ao máximo essa janela de oportunidade de aprendizagem. E ao conhecer mais sobre o funcionamento do cérebro dos adolescentes, os professores podem ajudar na resolução de conflitos e na melhora do clima escolar.

Como funciona o cérebro do adolescente

Daniel Siegel, autor do livro Cérebro Adolescente: o grande potencial, a coragem e a criatividade da mente dos 12 aos 24 anos (nVersos, 2016), explica que as alterações cerebrais durante os primeiros anos da adolescência estabelecem quatro

características da mente durante esse período: a busca por novidade, o engajamento social, o aumento da intensidade emocional e a exploração criativa. “Há mudanças nos circuitos básicos do cérebro (...) que afetam a forma de os jovens buscarem recompensas ao tentar coisas novas, ao se relacionarem com amigos da mesma idade de diferentes modos, ao sentirem emoções mais intensas e ao se rebelarem contra modos habituais de fazer as coisas, criando novas formas de ser no mundo.”

Em termos fisiológicos, o que acontece no cérebro do adolescente é uma série de mudanças no córtex pré-frontal, área responsável pelo planejamento de longo prazo e pelo controle das emoções. Além disso, nessa fase, o cérebro também passa por processos de reconstrução, com muitas podas neurais, ou seja, eliminação de conexões antigas para dar lugar a novas sinapses. Assim, por exemplo, o adolescente deixa de lado o modo de pensar concreto e de aprendizado baseado em fatos, típicos da infância, para ampliar o horizonte de conhecimentos ao absorver e gerar conceitos mais complexos e abstratos e perceber novas visões do mundo.

Outra mudança física ocorre dentro do sistema límbico: na adolescência, a amígdala assume proporção maior. “Aumentada, ela tem mais área para ser recrutada, e mais coisas ligadas à área emocional acontecem. Então, o adolescente naturalmente vai ser um indivíduo que vai responder mais emocionalmente às demandas da vida”, acrescenta Adriana Foz, neuropsicóloga e psicopedagoga, mestre em psiquiatria e psicologia médica da Unifesp.

Busca por prazer e sistema de recompensa

Ela lembra de outra característica importante dessa fase da vida: a busca por mais prazer. “O sistema de recompensa do adolescente tem menor circulação dos neurotransmissores ligados à dopamina. Isso faz com que ele fique naturalmente mais aborrecido ou mais desanimado ou achando as coisas entediantes”, diz.

A situação aparentemente limitante oferece uma pista importante para os educadores, na visão de Adriana: “Se o professor sabe que o sistema de recompensas desse jovem vai estar menos ativado, o que o deixa irritado naturalmente, o educador terá dois ganhos. Ele vai entender que o adolescente ‘não está aborrecido porque a aula está ruim’ e, ao mesmo tempo, acende o alerta sobre ‘como eu devo motivá-lo’, o que não é tão fácil, porque o jovem prefere coisas que são rápidas, para ter a recompensa imediata”, aponta.

Segundo ela, explicar todas as transformações cerebrais da adolescência é parte fundamental da formação dos professores na atualidade. Com isso em mente, ela criou o NeuroConecte, projeto que leva conhecimento científico sobre o tema às escolas, para que professores e estudantes entendam e reconheçam os desafios e as oportunidades desse momento para a aprendizagem e para autoconhecimento também. 

“A neurociência é muito útil para a gente enxergar a vulnerabilidade do adolescente. São aspectos que o professor tem que olhar para que o melhor aconteça, não só em termos da produtividade desse jovem, mas também da sua saúde mental”, avalia ela, que também é autora do e-book Conversando Sobre Saúde Mental e Emocional na Escola e do livro recém-lançado Frustração.

Educação orientada pela neurociência

Ao estudar o cérebro e suas funções, a neurociência dialoga com várias outras ciências – filosofia, sociologia, psicologia cognitiva – para tentar decifrar o desenvolvimento desse órgão. Com essa multiplicidade de perspectivas, essa área do conhecimento científico também passou a oferecer subsídios importantes para a Educação. No material abaixo, entenda como funciona o processo de aprendizagem no cérebro.

baixe aqui infográfico

Katia Chedid, pedagoga especialista em neurociência aplicada à Educação e gerente de governança educacional da Fundação Bradesco, diz que o foco de muitos estudos atuais tem sido o de avaliar a efetividade de estratégias de aprendizagem utilizadas em sala de aula.

Por exemplo, grifar um texto ajuda a aprender melhor? Katia conta que pesquisas já descobriram que quando o aluno grifa sozinho um texto é mais difícil ele localizar os pontos importantes. Mas se ele está acompanhado na tarefa, seja por um colega ou por um professor que mostra qual o ponto importante do texto, o fato de grifar ajuda, sim, na aprendizagem. “A neurociência tem trazido essas dicas tanto para fazer com que o cérebro aprenda [do estudante] como para fazer com que o cérebro ensine [do professor].”

Outras estratégias, como realizar pausas nas atividades escolares de 10 ou 15 minutos, ajudam o cérebro a se recompor no quesito atenção. Katia cita uma pesquisa que avaliou inicialmente que essas pausas tinham que ser um intervalo com saída do local. Mas depois comprovaram que bastava pular para uma atividade diferente. “Por exemplo, uma aula expositiva de 20 minutos, com pausa de 10 minutos para uma atividade mais ativa, e depois mais uns 10 minutos de aula expositiva”, cita.

A neurociência também ajuda a entender comportamentos ligados ao funcionamento do relógio biológico dos adolescentes, como a necessidade de mais horas de sono, que ajudam na consolidação da memória e na fixação da aprendizagem. No livro O sono na sala de aula, os autores defendem que as aulas iniciem às 8 horas e que as escolas tenham maior flexibilidade para respeitar as especificidades de cada estudante. Em seus estudos, Fernando Louzada, um dos autores, já identificou que iniciar o turno mais tarde melhora a performance dos alunos em sala de aula.

3 dinâmicas para atrair a atenção dos adolescentes

A especialista Katia Chedid descreve três estratégias rápidas e eficazes, com duração de 5 a 10 minutos, para serem usadas em sala de aula

Recuperação da memória

Solicite aos estudantes que escrevam perguntas sobre a matéria e as coloquem em um pote ou caixa. A cada dois ou três dias, o professor volta para aquele conteúdo, resgata algumas questões e pede aos alunos que relembrem aquele assunto. 

Essa prática estimula os estudantes a criarem memórias de longa duração, que vão ajudá-los a formar repertório e combiná-lo com temas mais complexos que verão posteriormente.

Estratégia 3, 2, 1

No começo ou no final da aula, peça aos estudantes que escrevam três tópicos relacionados ao conteúdo da aula anterior, duas dúvidas que tiveram e um tema sobre o qual eles conseguiriam explicar para um colega. Essa atividade auxilia os alunos a pensarem sobre o tema da aula e a reforçarem conhecimentos.

Bolinha de papel amassada

Logo no início da aula, amasse uma bolinha de papel, jogue para um aluno e faça uma pergunta sobre a aula anterior. Depois de respondê-la, ele joga a bolinha para outro estudante, faz outra questão e assim sucessivamente. A tendência é todo mundo ficar atento porque pode ser o próximo a responder à pergunta, evitando dispersão.

Em busca de engajamento

Foi pela sua percepção, aguçada por estudos científicos, que a professora Rosiane Prates conseguiu aplicar na prática o que o autor Siegel fala: transformar em oportunidades os desafios comportamentais dos adolescentes. 

Ela leciona Matemática nos Anos Finais do Ensino Fundamental em escola pública no município de Pinheiros (ES). Entusiasta do tema, já fez curso de extensão de neurociência aplicada à Educação e busca sempre ler pesquisas da área. 

Rosiane combinou algumas práticas de sala de aula com a lógica dos videogames, ou melhor, do desafio. A meta era gerar engajamento e atenção da turma de adolescentes que tanto brinca com jogos virtuais. “Quando vou propor uma atividade, eu não passo 10 exercícios, por exemplo, passo apenas dois e estipulo um tempo para execução, como 15 minutos”, ressalta. “Percebi que eles se prendem mais pelo fato de eu ter delimitado o tempo, como acontece com os desafios nos games. Então é uma atividade tradicional, porém adaptada para esse ritmo que eles estão acostumados.”

Ela considera que o uso excessivo de telas deixa os jovens muito acelerados e em contato com muita informação, mas entende que essa é uma necessidade dessa fase da vida, que anseia por recompensas imediatas com doses extras de dopamina. “Quando eu, como professora, procuro entender como o cérebro desse adolescente funciona, eu também consigo melhorar minha prática”, analisa.

Estratégias diversificadas

Na experiência do professor de História Thiago Pereira, o que funciona para a aprendizagem nessa faixa etária e nesse componente curricular são atividades variadas, que estimulem a mobilização. Além de lecionar a disciplina para as turmas de 6º e 7º anos do Colégio Municipal Jaboatão de Guararapes, na cidade pernambucana homônima, ele também é analista educacional técnico de ensino de História na rede municipal da cidade vizinha, Ipojuca (PE).

O tema da diversificação foi trazido por ele e por outro analista da rede, Paulo Nogueira, na primeira formação docente deste ano, que teve como tema a neurociência. Ele conta que, após levar informação sobre as necessidades do cérebro adolescente, a formação listou práticas alinhadas com o pensamento neurocientífico, entre elas a mistura de estratégias ativas. “Existe uma série de atividades que têm capacidade maior ou menor de aproveitamento por parte dos estudantes”, afirma. “Atividades em que ele é provocado a explicar, a ensinar ou a representar algo, como esquetes teatrais ou seminários, garantem um desempenho melhor.”

A formação salientou a importância de se ter um leque de ações muito bem planejadas, compreendendo desde a leitura até seminários e representações cênicas. Essas atividades também rompem com a lógica do ensino ou do processo avaliativo calcado apenas na memorização a partir de leituras, muito frequentes no ensino de História.

Thiago comenta que também foram listadas várias possibilidades de dinâmicas, e algumas delas ele mesmo já coloca em prática nas suas aulas em Jaboatão. Por exemplo, roteiro de caminhadas por pontos de valor cultural ou de valor simbólico da região e uso de fontes materiais, como moedas, louças, jornais e filmes, para mostrar mais concretamente passagens históricas importantes.

Estímulo às funções executivas 

Além de aplicar estratégias a cada aula, é importante que os educadores pensem também de forma mais ampla sobre como ajudar a consolidar as aprendizagens dos adolescentes. Katia indica que nessa etapa da vida se firmam as chamadas funções executivas, que são a organização, o planejamento, a atenção sustentada, a persistência direcionada à meta, a flexibilidade cognitiva e o controle inibitório, entre outras. 

“São todas as funções essenciais para a aprendizagem. Os educadores acham que os adolescentes já vêm ‘de fábrica’ com algumas coisas, mas são os adultos que têm de ensinar como estudar, prestar atenção, planejar, organizar”, destaca.

Para a especialista, são habilidades metacognitivas que a escola não está ensinando e que ajudariam o estudante a pensar sobre o seu próprio processo de aprendizagem e até de autoconhecimento. A flexibilidade cognitiva, por exemplo, garante que caso um plano mude, as pessoas consigam se reorganizar para alterar a rota também. 

“A escola que tem uma resposta certa e única para cada pergunta não apoia os estudantes [nesse quesito]. Não é à toa que a gente está indo mal no PISA [Programa Internacional de Avaliação de Estudantes] em criatividade. Só admitimos uma resposta”, alerta. “É preciso permitir que os estudantes respondam de formas diferentes à mesma questão e trazer soluções diversas para a resolução daquele problema.” 

Para acompanhar o aumento das pesquisas da neurociência na Educação, também é vital avançar com a formação dos docentes e gestores nessa área. “É fundamental que o professor saiba o que acontece nessa faixa etária. Do que o meu aluno é capaz?”, instiga Katia. A resposta pode ficar mais clara aos educadores que buscam entender melhor o desenvolvimento do cérebro dos adolescentes.

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